Londres – Mais de 30 grupos de direitos humanos e defensores da liberdade de imprensa uniram-se para exigir que o governo de Israel investigue a morte da jornalista Shireen Abu Akleh, da TV Al Jazeera, ocorrida na Cisjordรขnia em 11 de maio.
Na semana passada, o Exรฉrcito israelense declarou que nรฃo planeja investigar as circunstรขncias do tiroteio entre as tropas do paรญs e atiradores palestinos na cidade de Jenin, onde Abu Akleh e outros profissionais da mรญdia cobriam o ataque.
Familiares da repรณrter palestina, que tambรฉm tinha cidadania americana, contataram outras trรชs organizaรงรตes de jornalistas para que uma nova queixa seja apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido como Tribunal de Haia, para que o assassinato seja investigado.
Denรบncia sobre morte de jornalista da Al Jazeera serรก apresentada ao TPI
Alรฉm de Shireen Abu Akleh, outro jornalista da Al Jazeera tambรฉm foi baleado no mesmo ataque em Jenin. Ali Samoudi foi atingido no ombro, sem gravidade, e jรก recebeu alta do hospital.
Para a Federaรงรฃo Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglรชs), Samoudi pode fornecer testemunhos cruciais em relaรงรฃo ao seu prรณprio tiro e ร morte de Shireen.
A entidade, junto com o Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS) e o Centro Internacional de Justiรงa para os Palestinos (ICJP), foi procurada pela famรญlia da repรณrter assassinada para que seja apresentado uma queixa ao Tribunal Penal Internacional sobre o caso.
Em abril, o IFJ jรก havia solicitado ao TPI que iniciasse uma investigaรงรฃo sobre “a perseguiรงรฃo sistemรกtica, mutilaรงรฃo e assassinato de jornalistas e destruiรงรฃo de infraestrutura de mรญdia na Palestina”, diz a federaรงรฃo.
“Shireen foi morta apenas alguns dias depois que o promotor do TPI reconheceu o recebimento da primeira queixa.”
A federaรงรฃo explica que, em fevereiro, o Tribunal de Haia decidiu que sua jurisdiรงรฃo criminal se estendia ร “situaรงรฃo na Palestina” e que seu escopo territorial cobria alegaรงรตes ocorridas em “Gaza e Cisjordรขnia, incluindo Jerusalรฉm Oriental”.
“Isso apresenta, pela primeira vez, uma oportunidade real para a responsabilizaรงรฃo da suposta polรญtica de Israel de atacar jornalistas e pode levar a uma investigaรงรฃo formal pelo promotor do TPI e possรญveis processos.”
Dessa forma, as trรชs organizaรงรตes que representam os jornalistas da Al Jazeera atacados por tropas israelenses acreditam que o paรญs deve ser responsabilizado por violar a lei internacional contra crimes ร imprensa.
“Shireen nรฃo รฉ anรดnima ou uma estatรญstica. Ela nรฃo era uma terrorista. Ela era uma de nรณs”, diz o diretor do ICJP, Tayab Ali.
“O trabalho de Shireen garantiu que o mundo soubesse o que estava acontecendo na Palestina.
Jornalistas como Shireen e Ali sรฃo cruciais para responsabilizar governos que violam a lei internacional.
O uso beligerante e excessivo da forรงa por parte de Israel levou a danos irreversรญveis e ร morte de uma jornalista inocente. Isso nรฃo pode mais continuar.”
Leia tambรฉm
Mรฉxico, Chile, Palestina: em quatro dias, quatro jornalistas perdem a vida durante ou por causa do trabalho
Organizaรงรตes cobram investigaรงรฃo de Israel para morte de jornalista da Al Jazeera
Grupos de direitos humanos tambรฉm se uniram para cobrar que Israel investigue a morte de Shireen Abu Akleh. Em documento divulgado nesta semana, 34 organizaรงรตes se manifestaram contra o descaso do governo israelense sobre o caso.
Entre as entidades que assinam o documento estรฃo o Comitรช de Proteรงรฃo aos Jornalistas (CPJ), Artigo 19, 7amleh โ Centro รrabe para o Avanรงo das Mรญdias Sociais, Instituto Internacional de Imprensa (IPI), PEN Internacional e Associaรงรฃo Mundial de Jornais e Editores de Notรญcias (WAN-IFRA).
“Exigimos que o governo de Israel e todos os outros estados cumpram sua responsabilidade de garantir que os crimes contra jornalistas sejam totalmente investigados e processados.”
No texto, as organizaรงรตes destacam que Abu Akleh era uma das jornalistas mais respeitadas da Palestina, pois hรก mais de duas dรฉcadas fazia reportagens na Cisjordรขnia. Sua morte chocou a regiรฃo e o mundo, apontam.
“Chamamos a atenรงรฃo para este รบltimo caso como um de um padrรฃo mais amplo de violรชncia contra jornalistas e trabalhadores da mรญdia na Palestina.
Pelo menos 23 jornalistas na Palestina foram mortos desde 2002, segundo dados da UNESCO, e centenas foram feridos ou alvos de violรชncia.”
Os grupos citaram ataques cometidos por forรงas israelenses contra jornalistas e empresas de comunicaรงรฃo, como o de maio de 2021, quando os escritรณrios da Associated Press e da Al Jazeera foram bombardeados na Faixa de Gaza.
O documento lembra que รฉ dever dos paรญses investigarem todos os ataques a jornalistas “de forma rรกpida, completa e independente”, e processar os responsรกveis.
“Essa obrigaรงรฃo estรก bem estabelecida em instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, bem como em vรกrios protocolos e resoluรงรตes da ONU, exigindo que os Estados forneรงam medidas eficazes para abusos de direitos humanos.
Israel estรก entre os muitos Estados ao redor do mundo que nรฃo estรฃo cumprindo essa obrigaรงรฃo. A maioria dos assassinatos de jornalistas nรฃo รฉ resolvida, o que alimentou uma cultura de impunidade desenfreada por violรชncia e crimes contra a imprensa em nรญvel global.”
Leia tambรฉm
Famรญlia de fotรณgrafo da Reuters assassinado no Afeganistรฃo aciona Talibรฃ no Tribunal de Haia
As organizaรงรตes ainda destacam que o assassinato de Shireen Abu Akleh representa um ataque particularmente notรณrio ร imprensa por causa das denรบncias de abusos dos direitos humanos por parte de Israel no territรณrio palestino ocupado.
“O recente anรบncio do governo israelense de que nรฃo investigarรก esse assassinato sรณ aumenta essas preocupaรงรตes.”
Por isso, os grupos signatรกrios do documento listaram aรงรตes concretas para que o caso da jornalista da Al Jazeera nรฃo fique impune:
โข O governo de Israel deve cumprir suas obrigaรงรตes internacionais de conduzir uma investigaรงรฃo completa, transparente e independente sobre o assassinato de Shireen Abu Akleh e processar os responsรกveis.
Esta investigaรงรฃo deve incluir o envolvimento total de especialistas ou observadores internacionais independentes e deve seguir os protocolos da ONU para conduzir investigaรงรตes sobre abusos de direitos humanos.
โข Paralelamente, deve existir uma forรงa-tarefa internacional para investigar este ataque e garantir a credibilidade e imparcialidade dos procedimentos e resultados.
Idealmente, tal forรงa-tarefa seria liderada por relatores especiais da ONU com mandatos que incluem supervisรฃo sobre questรตes relacionadas ร seguranรงa de jornalistas ou abusos de direitos humanos.
โข Na ausรชncia de uma investigaรงรฃo independente e imparcial por parte do governo de Israel, o Tribunal Penal Internacional (TPI) deve conduzir uma investigaรงรฃo sobre as circunstรขncias do assassinato de Abu Akleh e o ataque a seus colegas para determinar se este incidente equivale a um crime de guerra sob o Estatuto de Roma do TPI .
โข Os governos, especialmente os aliados de Israel, devem responsabilizar o paรญs por suas obrigaรงรตes internacionais de proteger a seguranรงa da imprensa e acabar com a impunidade de crimes contra jornalistas na Palestina.
Os governos tambรฉm devem instar Israel a cooperar plenamente com quaisquer investigaรงรตes internacionais sobre este crime, bem como com outras investigaรงรตes sobre abusos de direitos humanos por forรงas israelenses nos territรณrios palestinos ocupados.
โข Os governos devem tomar medidas claras para acabar com a impunidade de crimes contra jornalistas nos nรญveis global e local, inclusive por meio de instituiรงรตes multilaterais e coalizรตes.