Os riscos para a liberdade de imprensa vêm de múltiplas frentes e precisam ser combatidos, alertou a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) na quinta-feira (26) durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos. 

No encontro, Christopher Deloire, Secretário-Geral da organização, salientou como o jornalismo tem sido ameaçado por ataques, intimidações e assassinatos de profissionais da mídia, como o de  Shireen Abu Akleh, jornalista da TV Al Jazeera, ocorrido neste mês na Palestina.

Segundo ele, pela primeira vez na história da democracia o jornalismo enfrenta “uma distorção sem precedentes da concorrência” representada pelas redes sociais: Há agora no ecossistema digital uma vantagem competitiva para o ressentimento, discurso de ódio e extremismo. E o jornalismo está sendo enfraquecido.

Painel sobre liberdade de imprensa debateu ameaças à atividade

No painel “Liberdade de Imprensa” do Fórum Econômico Mundial, o diretor-geral da RSF, Christophe Deloire, debateu as ameaças aos jornalistas e à atividade com Patrick Chappatte (Freedom Cartoonists Foundation); Kenneth Roth (Human Rights Watch); Sasha Vakulina (Euronews); Agnes Callamard (Anistia Internacional) e Edward Felsenthal (TIME).

Deloire criticou a impunidade para as mortes de jornalistas em todo o mundo, citando novamente o caso de Shireen Abu Akleh. “Israel disse que não iria investigar a fundo [a morte dela]. Nós precisamos de uma investigação internacional.”

“Se olharmos o mapa mundial da liberdade de imprensa, vemos que a cada ano está mais escuro. Porque o jornalismo está sob ataque em diferentes fronts”, disse Deloire. “Jornalistas são atacados, seus direitos são violados e, às vezes, eles são mortos.”

Ele lembrou que atualmente há mais de 400 jornalistas presos no mundo, e acrescentou que existem “prisões invisíveis” que ameaçam a profissão:

“O jornalismo, além dos jornalistas, está sob ataque. Predadores da liberdade de imprensa podem matar jornalistas. A maneira como plataformas digitais e redes sociais funcionam matam o jornalismo.”

“Como uma organização que defende o jornalismo, temos que defender os jornalistas”, disse o diretor da RSF. “Mas também temos que trabalhar no próprio ecossistema para garantir um futuro para a função social do jornalismo.”

A organização divulgou no dia 3 de maio o seu 20º Índice Global de Liberdade de Imprensa, que avalia a situação do jornalismo em 180 países. O Brasil ficou classificado em 110º, um dos 10 piores na América Latina.

Na análise sobre o país, a RSF afirma que “a relação entre a imprensa e o governo se deteriorou muito desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, que ataca regularmente jornalistas e a mídia em seus discursos” e “mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais como parte de uma estratégia de ataques coordenados para desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado”.

Leia mais

Liberdade de Imprensa na América Latina: Brasil entre os dez piores, revela estudo global

Em análise geral sobre a situação da liberdade de imprensa no mundo, a RSF destacou a preocupação com o aumento da polarização, que gera divisões internas entre as populações e nas relações entre países.

A ONG atribui ao crescimento da chamada “mídia de opinião”, no modelo da emissora americana Fox News, o aumento das divisões internas. E ao controle dos meios de comunicação por regimes despóticos as divisões entre países e a crescente ameaça às democracias. 

Para a entidade, os dois tipos de polarização, interna e externa, têm intensificado as tensões. Um exemplo é a guerra da Ucrânia, que foi precedida por uma guerra de desinformação promovida pela mídia controlada pelo regime russo. 

Iniciativa da RSF é adotada em código contra desinformação

Na mesma semana do Fórum Econômico Mundial, um mecanismo que promove a confiança no jornalismo online desenvolvido pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) foi incluído ao novo Código de Práticas de Desinformação da União Europeia — o Journalism Trust Initiative (JTI).

A nova versão do documento europeu passou por quase um ano de negociações com grandes plataformas online, como Meta, Google e TikTok, organizações da sociedade civil e a Comissão Europeia.

O código é composto por várias categorias de medidas a serem adotadas pelas plataformas para combater a disseminação de fake news.

Uma delas diz respeito aos serviços prestados aos usuários e apela às plataformas para que disponibilizem uma função que promova notícias e fontes de informação confiáveis.

Segundo a RSF, a JTI foi desenvolvida como uma norma europeia de autorregulação por especialistas de todo o mundo reunidos pela organização.

“Os meios de comunicação de notícias e outros provedores de notícias e informações podem usá-lo para certificar que suas práticas estão em conformidade com os padrões do melhor jornalismo profissional”, explica a organização.

“Ao mesmo tempo, as plataformas online podem usar o JTI para dar maior visibilidade a notícias e fontes de informação confiáveis ​​em seus resultados de busca e algoritmos de recomendação.”

“Essa estratégia inovadora de combate à desinformação tem a grande vantagem de não depender da análise de conteúdo, o que pode levar à censura e prejudicar o pluralismo.”

Leia também

‘Mini-Trumps’ minam liberdade de imprensa no mundo, alerta diretora da RSF