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Diversidade | Na Austrália: a emissora dos brancos e a emissora ‘dos outros’

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Falta diversidade étnica na mídia australiana (Foto: Reprodução)

Liz Lacerda

Sydney – No dia 1º de janeiro de 1978, depois de dois anos de debates sobre diversidade na mídia, o governo australiano lançou oficialmente uma emissora “étnica” para uma audiência composta por imigrantes que haviam escolhido a Austrália para viver após a Segunda Guerra Mundial.

Comitês consultivos nacionais foram criados para discutir a transmissão em outros idiomas, o que era proibido até o início dos anos 1970.

Mais de quatro décadas depois, pouca coisa mudou. A mídia do país está dividida entre a emissora dos brancos e a emissora “dos outros”, incluindo gente que veio de outras terras como os brasileiros e os próprios povos indígenas australianos.

Mídia australiana ainda negligencia diversidade étnica

A Special Broadcasting Service (SBS) transmite programas de rádio em mais de 60 idiomas. Um de seus quatro canais digitais é a televisão dos aborígenes – a National Indigenous Television (NITV).

Sim, eles têm seu próprio canal, que é separado da “grande imprensa”.

Canal de TV australiano exclusivo para conteúdo aborígene (Foto: Reprodução)

A Australian Broadcasting Corporation (ABC) é considerada a rede nacional. Mas mesmo em uma olhada rápida é possível perceber a alta predominância de profissionais brancos falando inglês australiano, sem outros sotaques.

Isso poderia ser considerado normal se não fosse o fato de que quase metade da população australiana – 49%, segundo o Instituto Australiano de Estatísticas (ABS) – nasceu fora da Austrália ou tem pelo menos um dos pais que nasceu em outro país.

O ‘império britânico’ reina soberano com falta de diversidade étnica na mídia

A diversidade étnica, cultural e linguística, não é retratada na mídia australiana, predominantemente anglo-céltica.

Uma pesquisa elaborada pela organização “Media Diversity Australia” mostrou que 75% dos apresentadores, comentaristas e repórteres são australianos descendentes de britânicos e irlandeses. Apenas 6% são indígenas ou não europeus.

O estudo analisou 81 noticiários e mais de 19 mil matérias em um período de duas semanas em 2019.

Em junho de 2020, mais de 300 jornalistas de televisão responderam a uma pesquisa para examinar sua percepção em relação à diversidade cultural na mídia. Mais de 70% disseram que é “pobre” ou “muito pobre”. 

Para 77% dos respondentes de outras etnias, sua origem representa uma barreira para a progressão profissional. A “Media Diversity Australia” também investigou a origem dos diretores de jornalismo dos canais de TV. Todos eram homens brancos de origem britânica ou irlandesa.

A ABC e a SBS são emissoras públicas mantidas com recursos federais, mas seus processos seletivos obedecem a padrões estabelecidos antes das atuais expectativas da sociedade com relação à inclusão.

As decisões são tomadas por profissionais anglo-célticos, sem exames, títulos ou concursos. A situação piora em emissoras comerciais, que praticamente não precisam prestar contas para ninguém.

CALD: Letras que segregam profissionais e audiência em nichos étnicos na mídia

Na Austrália, os profissionais de mídia classificados como CALD (Culturally And Linguistically Diverse) tendem a ficar presos em seus próprios nichos: jornalistas do Brasil ou Portugal no programa de rádio em português; jornalistas da Itália no programa em italiano; indianos no programa em hindi ou punjabi, e assim por diante.

Porém, o desafio da inclusão vai muito além desses grupos de estrangeiros.

Na Austrália, o profissional aborígene é o “Repórter para Assuntos Indígenas”. E a jornalista cega é a “Repórter para Assuntos de Deficiência”, como se sua deficiência física fosse sua especialidade ou a etnia do repórter determinasse seu conhecimento sobre outros temas.

Nas Campanella, repórter com deficiência visual (reprodução)

Quando eles assumiram seus cargos na televisão, o fato foi celebrado com matérias em todos os meios de comunicação. Nas Campanell

Mas esses profissionais continuam em suas ‘caixas’ pré-determinadas pelos australianos brancos que tomam as decisões sobre quem tem vez e voz na mídia do país.

É claro que algum progresso é melhor do que nenhum. Mas ainda há um longo caminho para a verdadeira inclusão na mídia australiana.

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Ativistas de olho no Plano de Inclusão da ABC

Em 2019, a rede pública ABC lançou um “Plano de Diversidade e Inclusão” – ABC Diversity & Inclusion Plan 2019-22. Na época, apenas 2,7% dos colaboradores da empresa eram indígenas, 5,3% eram pessoas com deficiência e 13,7% vinham de origem cultural e linguística diversa (CALD).

No entanto, esses percentuais incluem todos os funcionários da empresa, englobando setores técnicos ou administrativos.

No caso da produção de conteúdo, 9,2% eram CALD.

O Plano estabelece que até 31 de agosto de 2022, 15% dos produtores e jornalistas precisam ser CALD.

O percentual de pessoas com deficiência deve subir para 8% e o percentual de colaboradores de origem indígena para 3,4%.

Ativistas pela diversidade e inclusão nos meios de comunicação esperam ansiosamente pelo relatório final que vai mostrar como o plano foi executado.


Esta matéria faz parte do Especial MediaTalks Diversidade na Mídia. Leia aqui.

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