MediaTalks em UOL

Rússia multa jornal por ‘desacreditar exército’ e proíbe lista de soldados mortos em site

Rússia censura guerra Ucrânia liberdade de imprensa

Profissionais do jornal Vecherniye Vedomosti recebem a multa por publicar no Telegram imagem de grafite com letra Z (foto: Telegram Vecherniye Vedomosti )

Em novo ato de censura sobre as informações que circulam sobre a guerra na Ucrânia, o governo da Rússia multou o jornal independente Vecherniye Vedomosti em 150.000 rublos (cerca de R$ 12 mil) por “desacreditar as Forças Armadas russas” em publicações no Telegram, segundo o próprio jornal relatou. 

Num ato separado, as autoridades russas decidiram que uma lista de soldados russos mortos na Ucrânia, publicada pelo site de notícias 60.ru, constituía “informação confidencial”, obrigando o site a remover o conteúdo, de acordo com informações da imprensa local. 

Desde o início da guerra na Ucrânia, o governo de Vladimir Putin intensificou a censura sobre os veículos de comunicação com uma nova lei que considera “fake news” qualquer narrativa que não esteja alinhada com o Kremlin. Com base na atual legislação, jornalistas podem pegar prisão de até 15 anos.

Rússia censura fatos sobre a guerra na Ucrânia

A multa do jornal Vecherniye Vedomosti, emitida para a empresa controladora do veículo Technotorg, decorreu de uma postagem no Telegram de 18 de março que relatou a detenção de um artista que distribuiu adesivos anti-guerra nas ruas da cidade russa de Yekaterinburg. 

A postagem no canal do Telegram apresentava uma imagem borrada desses adesivos, disse ao Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) a diretora do Vedomosti , Guzela Aitkulova, acrescentando que “não havia palavras sobre o exército russo” na publicação.

Na segunda-feira (6), as autoridades também informaram a Aitkulova que estavam investigando outras 54 postagens do Telegram pelo jornal que também supostamente desacreditavam as Forças Armadas, disse a diretora.

“Estamos indignados por estarmos, de fato, sendo punidos justamente por nossas atividades jornalísticas”, lamentou Aitkulova.

“Tudo parece vingança por nossa posição independente. E uma tentativa de nos destruir sem nos bloquear – nos esmagando financeiramente.”

A diretora do jornal afirmou ao comitê que a Technotorg pretendia apelar da decisão de 3 de junho, mas, até o momento, nenhuma audiência sobre os outros casos havia sido marcada.

Leia também

Cinegrafista francês é 8º jornalista morto durante a cobertura na guerra na Ucrânia

morte de jornalistas na Ucrânia, Frédéric Leclerc-Imhoff

Separadamente, no domingo (5), um tribunal decidiu que o site 60.ru infringiu a lei ao listar os nomes dos moradores da cidade russa Svetlogorsk que morreram como soldados na Ucrânia, o que constituía a “publicação ilegal de informações classificadas”. A denúncia contra o veículo de mídia foi apresentada por um promotor militar.

A lista, segundo o 60.ru, foi compilada a partir de informações públicas de fontes oficiais.

Se condenados, os responsáveis pelo 60.ru podem cumprir pena de até sete anos em uma colônia penal, de acordo com o código penal russo.

O regulador estatal de mídia Roskomnadzor também está autorizado por lei a bloquear veículos que tenham compartilhado tais informações.

Após a decisão do tribunal, várias publicações online em memória de soldados russos mortos na Ucrânia associadas à rede de mídia Shkulev Media Holding, dona do 60.ru e também do site 74.ru, foram removidas alegando “a segurança dos jornalistas”, segundo a ONG Roskomsvoboda citada pelo CPJ.

Questionado pelo comitê sobre a ação contra o 60.ru, um representante do tribunal da cidade de Svetlogorsk enviou um comunicado de imprensa publicado em 8 de junho que afirmava que um site não identificado publicou “informações revelando perdas de pessoal das Forças Armadas da Federação Russa durante uma operação especial, nomes e detalhes pessoais dos mortos”.

Gulnoza Said, coordenador do programa do CPJ na Europa e Ásia Central criticou a censura do governo russo contra jornalistas locais que reportam a guerra na Ucrânia:

“As autoridades russas, depois de criminalizar a publicação das chamadas informações falsas sobre a guerra na Ucrânia, processar jornalistas e bloquear dezenas de sites de notícias, continuam seu esforço para silenciar veículos que relatam baixas militares e protestos contra a guerra na Rússia.”

Leia também

Depois de jornais, Rússia bloqueia site educacional por não remover conteúdo sobre guerra na Ucrânia

Para escapar de censura, jornalista foge com início de guerra na Ucrânia

Enquanto alguns continuam a desafiar a censura, outros desistiram e saíram do país. Um deles é o  jornalista russo Viktor Muchnik, dono da emissora TV2 até o início da guerra na Ucrânia.

Percebendo o avanço da censura contra os veículos de mídia, decidiu fechá-la e fugir com a família para a Armênia.

Em entrevista ao jornal The Guardian, Muchnik contou que sua decisão foi tomada no nono dia de invasão ao território vizinho pelo governo Putin, logo após a promulgação da lei de “fake news” sobre o exército da Rússia.

“Uma razão foi profissional: a coisa que você vem fazendo há tanto tempo foi morta.

A outra era humana. Nenhum de nós queria estar dentro deste espaço, neste país que lançou uma guerra, e viver entre pessoas que apoiam esta guerra.”

Os demais profissionais da TV2 também deixaram a Rússia com o fim da emissora. O cinegrafista Alexander Sakalov lamentou a decisão, mas disse ao jornal britânico que os jornalistas deram o que a população russa queria:

“Não conseguimos transmitir às pessoas o que estava acontecendo em seu próprio país, e isso me machuca. As pessoas não querem saber. Eles querem flores e pássaros. Bem, agora toda a mídia independente do país será fechada e as pessoas conseguirão o que queriam.”

Leia também

‘Ditador paranóico’: jornalistas russos publicam artigos contra Putin em site pró-Kremlin

Sair da versão mobile