Londres – O Digital News Report 2022 do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em Oxford, o mais abrangente estudo sobre consumo de notícias, confiança e tendências do jornalismo do mundo, publicado esta semana, traz algumas revelações favoráveis e outras preocupantes.
A confiança nas notícias caiu em quase metade dos 46 países pesquisados e aumentou em apenas sete, revertendo parcialmente os ganhos obtidos no auge da pandemia de coronavírus – mas ainda é maior do que antes da covid, que fez o público dar mais valor a informações confiáveis.
No Brasil o quadro é mais desafiador do que em outras nações. O país registrou este ano a terceira maior proporção de pessoas evitando o noticiário e experimentou uma queda de seis pontos percentuais na confiança, caindo da sétima para a 14º posição no ranking.
O recuo da confiança nas notícias
A Finlândia é a nação onde o público mais confia nas informações que recebe da mídia, enquanto os EUA ficaram em último lugar, o que pode refletir a era Trump de ataques constantes ao jornalismo tradicional.
Embora o Brasil não se destaque em confiança entre os 46 países, a comparação com outras cinco nações da América Latina foi favorável. A Argentina aparece como o mercado onde a população menos confia nas informações que recebe da mídia.
Em média, cerca de quatro em cada 10 pessoas pesquisadas (42%) dizem que confiam na maioria das notícias na maior parte do tempo.
A Finlândia continua sendo o país com os níveis mais altos de confiança geral (69%), enquanto a confiança nas notícias nos EUA caiu mais três pontos percentuais e continua sendo a mais baixa (26%) na pesquisa, ao lado da Eslováquia.
O consumo de mídia tradicional, como TV e mídia impressa, caiu ainda mais no ano passado em quase todos os mercados (antes da invasão da Ucrânia), com o consumo online e em mídia social não preenchendo a lacuna.
A covid e a confiança nas notícias
Nic Newman, pesquisador sênior do Instituto Reuters que assina o relatório, observa que a crise da Ucrânia e, antes dela, a pandemia do coronavírus, "lembraram às pessoas o valor de reportagens precisas e justas que se aproximam ao máximo a verdade".
Ele alerta, no entanto, que os níveis de confiança maiores não parecem ser um "renascimento de longo prazo", já que em todos os países à exceção da Finlândia, a credibilidade caiu em comparação a 2015.
Newman acredita que a desconexão com o noticiário e o desgaste do jornalismo estão relacionados "à natureza esmagadora e deprimente das notícias, sentimentos de impotência e debates online tóxicos", responsáveis por afastar muitas pessoas temporariamente ou para sempre".
"A necessidade de informações confiáveis, contexto cuidadoso e debate ponderado raramente foi maior, mas também o desejo de reportagens que inspirem e dêem esperança de um amanhã melhor", alerta o pesquisador.
Futuras gerações, consumo e confiança
O relatório traz mais evidências sobre a relação de pessoas mais jovens com o noticiário, confirmando a tendência de privilegiarem cada vez mais informações em áudio e vídeo e em redes como Instagram, TikTok, YouTube ou Spotify.
"Esses 'nativos sociais', que chegaram à idade adulta nos últimos cinco ou dez anos, são muito menos propensos a visitar um site de notícias tradicional ou a pagar por notícias on-line – e muitas vezes são cautelosos em fornecer seus dados", aponta o pesquisador.
As mudanças de atitude começam a aparecer nas estatísticas. O estudo confirma o poder das redes sociais como fonte de informação, e o Brasil novamente se destaca, com 64% do público dizendo receber notícias pelas plataformas.
A principal é o YouTube, usado por 43% dos brasileiros para notícias, seguido de perto pelo WhatsApp (41%) e Facebook (40%).
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Ele salienta que embora alguns meios de comunicação individuais tenham sido bem-sucedidos em aumentar o alcance on-line ou convencer as pessoas a se inscreverem - o Brasil está em segundo lugar na lista das nações com mais assinantes este ano - , e no desenvolvimento de podcasts, vídeo e newsletters, os dados mostram que muitos veículos ainda estão lutando para aceitar as mudanças estruturais que vêm devastando a indústria há mais de uma década.
"Paywalls e porteiras de registro [de dados para ler notícias] também podem não estar ajudando, colocando mais barreiras no caminho do conteúdo que o público deseja consumir, mesmo que estejam criando negócios mais sustentáveis para alguns", alerta Newman.
Com inflação, orçamento apertado para pagar por notícias
Embora muitas organizações jornalísticas tenham tido um ano relativamente bom em receitas, o crescimento futuro provavelmente será desafiado pelo impacto combinado da inflação e do aumento dos preços da energia, apertando os orçamentos domésticos atualmente dedicados à mídia de notícias, mas também potencialmente atingindo as receitas de publicidade, segundo o estudo.
"Os usuários da Internet têm acesso a uma quantidade sem precedentes de conteúdo, produtos e serviços que competem por sua atenção e dinheiro suado, razão pela qual as notícias precisam se destacar, conectar e criar valor para convencê-los a pagar", diz o pesquisador.
Mas ele alerta que em um mundo afetado por transformações, conflitos e crises econômicas, "não haverá um único caminho para o sucesso neste ambiente de mídia muitas vezes confuso e cada vez mais complexo".
Veja os principais pontos do relatório sobre confiança nas notícias
Evitando notícias
Enquanto a maioria do público permanece muito engajada, uma outra parte está se afastando do jornalismo e em alguns casos, desconectando-se completamente das notícias recebidas por outras fontes. O interesse em notícias caiu drasticamente em todos os mercados, de 63% em 2017 para 51% em 2022.
Enquanto isso, a proporção dos que dizem evitar notícias com frequência ou às vezes aumentou acentuadamente entre os países.
Esse tipo de 'evasão seletiva' dobrou no Brasil (54%) e no Reino Unido (46%) nos últimos cinco anos, com muitos entrevistados dizendo que o noticiário tem um efeito negativo em seu humor.
Uma proporção significativa de pessoas mais jovens e menos instruídas diz que evita notícias porque pode ser difícil de acompanhar ou entender – sugerindo que a mídia poderia fazer muito mais para simplificar a linguagem e explicar melhor ou contextualizar histórias complexas.
O Brasil está em segundo lugar onde isso mais acontece entre pessoas abaixo de 35 anos, empatado com os EUA perdendo para a Austrália.
Nos cinco países que pesquisados após o início da guerra na Ucrânia, o Reuters descobriu que os noticiários de televisão são os mais confiáveis – com os países mais próximos dos combates, como Alemanha e Polônia, vendo os maiores aumentos no consumo de notícias pela TV. Mas o afastamento seletivo de notícias aumentou ainda mais – provavelmente devido à natureza difícil e deprimente da cobertura.
As preocupações globais com fake news e desinformação permanecem estáveis este ano, variando de 72% no Quênia e Nigéria a apenas 32% na Alemanha e 31% na Áustria.
As pessoas dizem ter visto mais informações falsas sobre o coronavírus do que sobre política na maioria dos países, mas a situação se inverte na Turquia, Quênia e Filipinas, entre outros.
As redes sociais e as notícias
O Facebook continua sendo a rede social mais usada para notícias, mas os usuários são mais propensos a dizer que veem muitas notícias em seu feed em comparação com outras redes.
Embora os grupos mais antigos permaneçam fiéis à plataforma sobretudo na América Latina, o estudo demonstra como a geração mais jovem migrou para redes mais visuais nos últimos três anos.
O TikTok foi a que mais cresceu, atingindo 40% das pessoas entre 18 e 24 anos, com 15% usando a plataforma para notícias.
O uso é maior em partes da América Latina, Ásia e África do que nos Estados Unidos ou no norte da Europa, diz a pesquisa.
O Telegram também cresceu significativamente em alguns mercados, consolidando-se como uma alternativa ao WhatsApp. Mas o serviço de mensagens da Meta segue forte na América Latina, Ásia e África.
Jornalistas nas redes sociais
A pesquisa mapeou as expectativas em relação ao uso de mídias sociais por jornalistas. Em uma comparação com cinco países, o Brasil aparece como o local onde o público menos se incomoda quando profissionais de mídia expressam suas opiniões nas plataformas.
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Globalmente a aprovação é maior (média de 46%) entre pessoas entre 18 e 24 anos.
Jornalistas de TV ainda são os mais conhecidos
Embora as mídias sociais tenham criado visibilidade para muitos jornalistas digitais, o estudo revelou que os jornalistas mais conhecidos ainda são âncoras de TV e apresentadores na maioria dos países.
No Brasil, William Bonner, José Luiz Datena e Maria Júlia Coutinho figuram como os mais lembrados.
Quando solicitadas a nomear jornalistas aos quais prestam atenção, poucas pessoas apontam correspondentes estrangeiros, enquanto colunistas de jornais têm maior reconhecimento de nome no Reino Unido e na Finlândia do que no Brasil, Estados Unidos ou França.
Notícias no smartphone
O smartphone se tornou a principal forma de acessar notícias pela manhã, embora haja padrões diferentes entre os países.
Na Noruega, Espanha, Finlândia e Reino Unido, o smartphone agora é acessado primeiro à frente da televisão, enquanto o rádio mantém um papel importante na Irlanda. A leitura de jornais matinais ainda é muito popular na Holanda, enquanto a televisão ainda domina no Japão, segundo o estudo.
Notícias em podcast
Após a desaceleração do ano passado, em parte causada por restrições de movimento durante a pandemia, o crescimento de podcasts parece ter retomado, com 34% consumindo um ou mais podcasts no último mês.
Os dados do estudo mostram que o Spotify continua ganhando terreno sobre os podcasts da Apple e do Google em vários países. O YouTube também se beneficiou da popularidade dos podcasts híbridos e liderados por vídeo.
Pagando por notícias
Apesar do aumento na proporção de pessoas que paga por notícias online em um pequeno número de países mais ricos (Austrália, Alemanha e Suécia), há sinais de que o crescimento geral pode estar se estabilizando.
Em uma cesta de 20 países onde o pagamento é generalizado, 17% pagaram por notícias online – o mesmo número do relatório de 2021. O Brasil está em segundo lugar entre os que assinaram algum serviço ano passado.
Persuadir os jovens a pagar continua sendo uma questão crítica para a indústria diante da falta de confiança nas notícias, com a idade média de um assinante sendo de quase 50 anos.
Uma grande proporção de assinaturas digitais vai para apenas algumas grandes marcas nacionais – reforçando a tese de que os maiores ficam com a maior parte do bolo.
Nos Estados Unidos e na Austrália, a pesquisa constatou que a maioria do que pagam possuem mais de uma assinatura.
Isso reflete o aumento da oferta de produtos de notícias pagos diferenciados em áreas como opinião política, notícias locais e uma variedade de nichos específicos – mantendo a esperança de que mais pessoas acabarão pagando por vários títulos, segundo o estudo.
Contudo, diante do rápido aumento do custo de vida, a pesquisa identificou que alguns entrevistados repensam o número de assinaturas de mídia que podem pagar este ano – incluindo notícias, televisão, música e livros.
Enquanto a maioria diz que espera manter o mesmo número de assinaturas, outros dizem que esperam reduzir, pois procuram economizar dinheiro em itens não essenciais.
Com a coleta de dados primários se tornando mais importante para os editores com o fim iminente dos cookies de terceiros, o Reuters constatou que a maioria dos consumidores ainda está relutante em registrar seu endereço de e-mail em sites de notícias.
Em toda a amostra, apenas cerca de um terço (32%) diz confiar em sites de notícias para usar seus dados pessoais de forma responsável – comparável a varejistas on-line como a Amazon. A taxa é ainda menor nos Estados Unidos (18%) e na França ( 19%).
O acesso às notícias continua a ser mais distribuído. Em todos os mercados, menos de um quarto (23%) prefere iniciar seu dia informando-se por um site ou aplicativo, uma queda de nove pontos desde 2018.
Aqueles com idades entre 18 e 24 anos têm uma conexão ainda mais fraca com sites e aplicativos, preferindo acessar notícias por vias alternativas como mídia social, pesquisa e agregadores móveis, revelou o Reuters.
Retratos do Brasil
O Instituto Reuters identificou os principais canais de mídia por audiência e por confiança no Brasil, online e offline.
A confiança não tem uma correspondência direta com a audiência, segundo o estudo.
No Brasil, o índice de pessoas que acham que a mídia é livre de interferência política ou econômica diminuiu em relação à última pesquisa, de 30% para 27% nos dois casos.
Embora o WhatsApp não seja um serviço de informações e sim de mensagens, seu poder como canal de informação ficou evidenciado no estudo do Reuters, chegando perto do YouTube e do Facebook. O Twitter, que em outros países é uma fonte importante, não tem a mesma penetração no Brasil.
Os pesquisadores constataram a transformação no ecossistema de mídia brasileiro na última década, com declínio de audiência de mídias tradicionais e aumento do consumo de notícias por novas mídias. Outra observação é o crescimento no uso do smartphone para acesso a informações.
O relatório completo pode ser lido aqui.
Este vídeo resume as conclusões.