Londres – Para marcar o Dia Mundial do Refugiado, comemorado nesta segunda-feira (20), o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) está pedindo aos governos de todo o mundo que estabeleçam vistos de emergência para jornalistas que lhes permitam fugir rapidamente do perigo em seus países de origem, buscar refúgio temporário e continuar trabalhando. 

Quando os jornalistas são forçados a fugir de seus países, fatores como acusações criminais e falta de acesso a vistos geralmente os obrigam a realizar viagens perigosas que os levam a ambientes desprotegidos.

E uma vez que eles fogem, enfrentam um novo conjunto de desafios, como o que está acontecendo agora com a russa Insa Lander, que tentou emigrar para a Geórgia, não foi aceita e está há vários dias no posto de fronteira entre os dois países aguardando solução. 

Para jornalistas refugiados, exílio também pode ser censura

O caso de Lander ilustra o drama dos que tentam escapar de perseguições. Em um novo relatório, o CPJ identificou os principais problemas a partir do apoio em centenas de casos desde que o programa de Assistência ao Jornalista foi lançado, há 20 anos – e afirma que o exílio se tornou um forma de censura.

Alguns enfrentam intimidação direta, como ataques físicos em suas novas casas ou ameaças aos membros da família que deixaram para trás, enquanto muitos outros são expulsos da profissão por causa das dificuldades em encontrar emprego e barreiras linguísticas em seus novos ambientes.

Um relatório de novembro de 2020 de um painel de especialistas jurídicos descobriu que a maioria dos jornalistas em risco “não consegue se mudar em segurança a tempo porque os caminhos abertos para eles são muito poucos e os que existem são muito lentos, onerosos e difíceis de navegar”.

O painel pediu aos estados que “introduzam um novo visto de emergência para jornalistas em risco”, o que permitiria aos profissionais da mídia fugirem rapidamente do perigo em seus países de origem e obterem refúgio temporário.

O CPJ endossou essa recomendação, apontando que ao longo de 20 anos ajudando centenas de jornalistas a fugir, quando podem viajar rapidamente para ambientes seguros e acolhedores, é muito mais provável que continuem na profissão e finalmente consigam voltar para casa.

No início de 2021, quatro dos 69 jornalistas sírios que se estabeleceram na Espanha lançaram a primeira revista online dirigida por refugiados do país, a Baynana, dedicada a servir à crescente comunidade de língua árabe da Espanha.

Obstáculos para vistos forçam jornalistas refugiados a situações perigosas

Seja escapando de duras repressões governamentais ou de ondas de violência anti-imprensa, a capacidade de fugir rapidamente é crucial para a sobrevivência de jornalistas que precisam sair de seu país de origem.

Isso deixa pouco tempo para um processo de visto demorado. Mas o CPJ alerta que o tempo não é o único problema.

As mesmas circunstâncias que colocam os jornalistas em risco também pesam contra eles quando se trata de cumprir os requisitos rigorosos – como prova de retorno – que a maioria dos países exige.

“Jornalistas em perigo muitas vezes viajam por meio de fronteiras porosas para países vizinhos, onde permanecem presos por longos períodos esperando o longo e incerto processo de reassentamento do Alto Comissariado da ONU para Refugiados ou enfrentando um labirinto legal no novo país.

Além de viver em condições adversas, os jornalistas disseram ao CPJ que se sentem vulneráveis ​​a ataques, deportação ou retorno forçado.”

Zerihun Tesfaye, um repórter político etíope do agora extinto veículo crítico Addis Neger, fugiu em 2009 depois de saber que o governo planejava prender grande parte da equipe.

Ele escapou para o Quênia, país vizinho que era a única opção disponível para ele entrar sem visto.

Tesfaye contou ao CPJ que passou quatro anos vivendo em dificuldades e com medo constante de que as autoridades etíopes o localizassem em Nairóbi. Por isso, ele se mudou para os Estados Unidos.

Desde que deixou a Etiópia, embora tenha contribuído com reportagens e traduções não remuneradas para alguns projetos relacionados ao jornalismo, Tesfaye disse ao comitê que não conseguiu retomar a carreira de jornalista e trabalha em vários empregos diferentes para ganhar a vida.

Em maio de 2021, as autoridades tailandesas prenderam três jornalistas da Voz Democrática da Birmânia (DVB) por suposta entrada ilegal.

Os jornalistas fugiram de Mianmar, onde dezenas de profissionais de imprensa foram presos pela junta militar desde o golpe de fevereiro, incluindo vários afiliados à DVB.

Os jornalistas receberam uma pena suspensa de sete meses e foram transferidos para um terceiro país seguro, anunciou o DVB em 7 de junho.

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Pedido de asilo não é fácil e apresenta desafios profissionais

O relatório do CPJ destaca que mesmo quando superam os obstáculos do visto, os jornalistas ainda enfrentam imensos desafios em seus países anfitriões. Uma dificuldade pode ser obter permissão para ficar tempo suficiente até que seja seguro retornar ao local de origem.

Extensões de visto ou mudanças de status são difíceis de obter, muitas vezes deixando os profissionais com a escolha de solicitar asilo ou retornar com grande perigo, como no caso do repórter iraquiano Sahar Hussein Ali al-Haydari, assassinado em 2007.

“Embora o asilo possa trazer segurança a longo prazo, para a maioria dos jornalistas é uma opção de último recurso. O processo de asilo – que difere de país para país – pode levar anos sem garantia de sucesso no final.

Uma vez iniciado o processo, as viagens são geralmente proibidas até que o asilo seja concedido; se o jornalista estiver no exterior sem sua família, seguir o caminho do asilo significa uma longa separação.”

O pedido de asilo também significa uma longa espera pela autorização de trabalho. Isso combinado com a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho da mídia em um novo país significa que os jornalistas no exílio devem procurar opções fora da profissão para sobreviver.

É o que aconteceu com o jornalista paquistanês Kiyya Baloch, que foi para a Noruega estudar jornalismo em 2017 como forma de obter uma pausa temporária das ameaças que vinha recebendo.

Enquanto esteve fora, as condições para jornalistas no Paquistão se deterioraram e, em 2020, um suposto memorando do governo vazado o acusou de atividades anti-Estado.

Diante de novas ameaças, Baloch tem lutado para prolongar sua estadia na Europa.

Seu último pedido de visto de estudante foi rejeitado, mas ele disse ao CPJ que teme que a concessão de asilo consolide sua condição de inimigo do Estado, tornando seu eventual retorno mais perigoso.

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Outro caso é do documentarista tibetano Dhondup Wangchen, que decidiu, em 2017, fugir da China após passar seis anos na prisão e três anos vivendo sob vigilância pesada.

Sem passaporte e sendo monitorado de perto, ele recorreu a contrabandistas que o levaram pelo Vietnã e Tailândia. De lá, Wangchen foi para a Suíça e depois para os Estados Unidos, onde levou mais um ano para conseguir asilo.

Apesar de ganhar reconhecimento internacional por seu trabalho —incluindo o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa 2012 do CPJ—Wangchen disse ao comitê que está com dificuldades para pagar tratamento médico e encontrar trabalho nos EUA.

Ameaças e ataques físicos seguem jornalistas refugiados

O comitê destaca que os jornalistas muitas vezes continuam a enfrentar ameaças e assédio depois de fugir para países que presumiam serem seguros.

Até onde os governos autoritários irão para caçar seus críticos ficou claro em maio de 2021, quando as autoridades bielorrussas desviaram um voo comercial de passageiros para Minsk para prender o jornalista exilado Raman Pratasevich.

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Nos últimos anos, o CPJ documentou muitos outros ataques a jornalistas no exílio, incluindo ameaças de morte, sequestros, agressões e até assassinatos.

Campanhas do Estado para desacreditar jornalistas depois que eles fogem para segurança e ameaças e ações legais contra familiaresque permanecem também servem como lembretes assustadores aos jornalistas de que suas reportagens podem trazer represálias onde quer que estejam.

Enquanto isso, os jornalistas que se reinstalam em países onde fazem parte de uma diáspora maior estão vulneráveis ​​a ataques de membros de suas novas comunidades.

Pesquisas do CPJ e de outras organizações também descobriram que governos autoritários usam tecnologia de vigilância para espionar jornalistas que vivem no exterior.

“Esses riscos tornam patente a necessidade de os países anfitriões tomarem medidas para proteger os jornalistas que residem dentro de suas fronteiras contra ameaças à segurança e tentativas de extradição, bem como oferecer refúgio para familiares imediatos.

Onde isso não for possível, os jornalistas devem ser capazes de buscar a realocação para outro país.”

Criminalização do jornalismo dificulta refúgio

Outra dificuldade encontrada por jornalistas refugiados é a criminalização da mídia e do exercício da profissão em países com governos autoritários.

Em todo o mundo, o CPJ constatou que profissionais de imprensa são rotineiramente presos por acusações de difamação anti-Estado ou criminal, acusações forjadas, como posse de drogas, ou mesmo sem acusação por causa de seu trabalho.

Aqueles que enfrentam algum tipo de acusação ou que têm antecedentes criminais provavelmente serão detidos nas fronteiras e podem ter mais dificuldade em obter vistos ou asilo, segundo o comitê. Esses jornalistas também são vulneráveis ​​à extradição .

“A criminalização do jornalismo dá aos governos repressivos um pretexto para revogar completamente os passaportes ou mesmo a cidadania, complicando ainda mais a capacidade de os jornalistas no exílio garantirem status de trabalhar ou viajar em seus novos países.”

O jornalista e ativista da liberdade de imprensa do Azerbaijão Emin Huseynov se escondeu em 2014 para escapar de acusações criminais de evasão fiscal e se envolver em “negócios ilegais sobre contratos de concessão não registrados”.

Sabendo que estava proibido de viajar, Huseynov se refugiou na embaixada suíça, onde permaneceu por mais de um ano até que uma passagem segura para fora do país pudesse ser providenciada.

O Azerbaijão retaliou tirando de Huseynov sua cidadania.

Huseynov, que tem status de refugiado na Suíça, abriu um processo contra o Azerbaijão por meio do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, acusando o país de usar a privação de nacionalidade para silenciar vozes dissidentes e críticas.

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Em seus anos de trabalho com jornalistas no exílio, o CPJ descobriu que quando profissionais em risco têm rotas seguras para refúgios temporários e acesso a redes de apoio profissional, eles estão em melhores condições para continuar e até ampliar seu trabalho.

Segundo o CPJ, nesses casos os jornalistas têm muito mais probabilidade de permanecer na profissão e de voltar para casa, em comparação com aqueles que não tiveram outra opção a não ser fugir para situações voláteis, se envolver no extenuante processo de reassentamento ou solicitar asilo.

Na última década, nos casos em que o comitê conseguiu colocar jornalistas em grupos e instituições de acolhimento, mais de 90% retornaram aos seus países em poucos anos.

Um exemplo é o da repórter do Patricia Mayorga, que viu uma colega próxima ser assassinada no México, em 2017.

Com boas razões para pensar que ela seria a próxima, Mayorga, que cobria crime e corrupção, mudou-se com sua filha para o Peru por meio de um programa de refúgio organizado pelo grupo regional Instituto Prensa y Sociedad (IPFA) e com apoio do CPJ.

Enquanto estava no exílio, Mayorga – homenageada da IPFA de 2017 – pôde continuar reportando e trabalhando com outros jornalistas da região. Ela voltou ao México em 2020 e agora treina jornalistas independentes.

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Recomendações do CPJ 

Segundo o CPJ, desde a criação do programa de Assistência ao Jornalista, em 2001, o pedido de apoio mais comum que a equipe recebeu foi de realocação emergencial.

Os jornalistas que trabalham em lugares perigosos muitas vezes não têm escolha a não ser se mudarem e suas famílias para escapar das ameaças.

Normalmente, eles contam com organizações da sociedade civil para ajudá-los a processar seus casos e ajudar na relação com os governos de outros países.

O comitê avalia que os governos desempenham um papel fundamental para garantir a realocação segura e bem-sucedida de jornalistas em risco.

“Isso inclui apoio financeiro para programas de emergência e coordenação com a sociedade civil e outros governos sobre opções de realocação.

Mas também é imperativo que os governos tenham políticas que permitam uma rápida realocação para seus próprios países.”

Por isso, o CPJ faz algumas recomendações:

Aos governos nacionais

  • Criar vistos de emergência especiais para jornalistas que permitiriam evacuação rápida e realocação em segurança;
  • Comunicar a natureza e os requisitos desses vistos para a sociedade civil e organizações de mídia e criar um processo por meio do qual esses grupos possam enviar casos para consideração;
  • Para que os vistos ofereçam proteção, o processo não deve ser superior a 15 dias e, quando necessário, incluir familiares que também estejam em risco. Em casos julgados graves, considerar a realocação imediata com uma revisão secundária do caso do visto;
  • Treinar o pessoal da embaixada e consular em vistos especiais de emergência e fornecer-lhes recursos suficientes para garantir o processamento adequado dos casos;
  • Reconhecer que acusações criminais contra jornalistas são uma forma de perseguição e garantir que o processo de visto permita a consideração completa desses casos;
  • Oferecer medidas para proteger os jornalistas que residem dentro de suas fronteiras contra ameaças à segurança e tentativas de extradição por acusações criminais relacionadas ao trabalho.

Ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

  • Conceder o estatuto de refugiado a jornalistas em risco, independentemente do país onde se candidatam;
  • Reconhecer que os jornalistas, devido aos seus perfis públicos, permanecem em alto risco entre algumas comunidades de refugiados e agilizar seus pedidos de reassentamento e/ou dar-lhes acesso imediato às proteções disponíveis.

Para meios de comunicação, instituições acadêmicas e fundações

  • Os meios de comunicação devem apoiar os jornalistas no exílio estabelecendo estágios, cargos temporários e programas de orientação.
  • Os meios de comunicação devem estabelecer protocolos de evacuação para freelancers ou funcionários contratados que estejam sob ameaça e estabelecer ligações de segurança para trabalhar com organizações da sociedade civil e defender vistos. Isso deve se aplicar não apenas a repórteres, editores e fotógrafos, mas também a tradutores, motoristas e outros funcionários de apoio locais.
  • As instituições acadêmicas devem estabelecer bolsas de estudo, oportunidades de pesquisa e bolsas de estudo para jornalistas em risco.

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