Uma investigação de um mês feita pelo jornal americano The New York Times (NYT) concluiu que o tiro que matou a jornalista da TV Al Jazeera Shireen Abu Akleh partiu de uma tropa israelense, mas não foi proposital.
A repórter de 51 anos cobria um ataque na cidade de Jenin, na Cisjordânia, no dia 11 de maio, quando foi baleada na cabeça e morreu na hora, provocando protestos em vários países e manifestações violentas durante os funerais.
Há mais de duas décadas na televisão, Shireen era um dos rostos mais conhecidos no mundo árabe e foi uma das primeiras repórteres de campo da emissora na região ocupada por Israel.
Morte de jornalista palestina investigada em várias frentes
A verificação do jornal americano é apenas uma das diversas realizadas de forma independente para apurar o crime, já que Israel, a princípio, afirmou que não planejava investigar as circunstâncias do tiroteio entre as tropas do país e atiradores palestinos.
A matéria investigativa do NYT, publicada na segunda-feira (20), utilizou imagens de vídeos, depoimentos de testemunhas e uma análise acústica das balas disparadas no momento em que a repórter foi morta.
E concluiu que o projétil que atingiu Shireen veio de local próximo de onde estava um veículo militar israelense, disparado “provavelmente por um soldado de uma unidade de elite”, mas a jornalista não parece ter sido um alvo proposital.
“Uma investigação de um mês do The New York Times descobriu que a bala que matou Abu Akleh foi disparada da localização aproximada do comboio militar israelense, provavelmente por um soldado de uma unidade de elite.
(…) O Times não encontrou nenhuma evidência de que a pessoa que disparou reconheceu Abu Akleh e a alvejou pessoalmente.
O Times não conseguiu determinar se o atirador viu que ela e seus colegas estavam usando coletes de proteção estampados com a palavra ‘Imprensa’.”
As evidências analisadas pelo jornal, segundo a matéria investigativa, mostraram que não havia palestinos armados perto de Shireen quando ela foi baleada.
Isso contradiz as alegações israelenses de que, se um soldado a matou por engano, foi porque ele estava em confronto com um atirador palestino.
Leia também
Cinco mortes, prisões, assédio e deportação: uma conta alta para mulheres jornalistas em maio
Além do NYT, o Washington Post, a agência Associated Press e o grupo investigativo Bellingcat concluíram anteriormente que as forças israelenses provavelmente mataram a jornalista da Al Jazeera.
No mês passado, uma reportagem investigativa da CNN apontou que evidências sugeriam um “ataque direcionado” à profissional de imprensa. A Autoridade Palestina também concluiu o mesmo em uma investigação própria.
Dias após a morte da jornalista palestina, a Al Jazeera acusou de forma direta o Estado de Israel de matá-la “a sangue frio”.
Na semana passada, a emissora divulgou imagem da bala que matou Shireen. Segundo informações da rede, que entrevistou especialistas em balística e forense, o projétil era do mesmo modelo dos usados pelo exército israelense.
A photo of the bullet that killed veteran journalist Shireen Abu Akleh and obtained by an Al Jazeera investigation has given fresh clues about the reporter’s killing by Israeli forces ⤵️
🔗: https://t.co/SyAd7FaQwE pic.twitter.com/nYbITHWN1O
— Al Jazeera English (@AJEnglish) June 17, 2022
Morte de jornalista palestina completa 40 dias sem investigação oficial
A morte de Shireen completou 40 dias nesta semana e familiares a homenagearam nas redes sociais. Lina Abu Akleh, sobrinha da jornalista, compartilhou imagens de memoriais feitos na cidade de Ramallah, na Cisjordânia.
“Todas essas homenagens e memoriais foram muito bonitos e emocionantes”, escreveu na legenda das fotos. “Queremos #JustiçaparaShireen”.
From today’s 40th day Memorial Ceremony in Ramallah. All these tributes and memorials have been beyond beautiful and heartwarming
لروحك السلام يا شوشوWe want #JusticeforShireen‼️ pic.twitter.com/dbMVwaMt2s
— Lina Abu Akleh (@LinaAbuAkleh) June 19, 2022
Em outra publicação, a jovem se disse decepcionada com a falta de posicionamento do papa Francisco sobre a morte de sua tia.
“Ficamos impressionados com a manifestação de apoio que recebemos [com a morte de Shireen]. No entanto, ainda estamos entristecidos e desapontados com a ausência de posicionamento do Papa. Somos menos cristãos porque somos palestinos?”, questionou.
Today marks the 40 day memorial since #ShireenAbuAkleh was killed. We have been overwhelmed with the outpour of support we received. Yet, we are still saddened and disappointed by the failure of @Pontifex to take a position. Are we less Christians because we’re Palestinians? pic.twitter.com/q4qJpLucyk
— Lina Abu Akleh (@LinaAbuAkleh) June 18, 2022
No final de maio, mais de 30 grupos de direitos humanos e defensores da liberdade de imprensa uniram-se para exigir que o governo de Israel investigue a morte da jornalista palestina.
Familiares da repórter contataram outras três organizações de jornalistas para que uma nova queixa seja apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido como Tribunal de Haia, para que o assassinato seja formalmente investigado.
As organizações que representam a família dela acreditam que o país deve ser responsabilizado por violar a lei internacional contra crimes à imprensa.
O governo de Israel já declarou que não tem intenção de investigar o caso, ignorando pressões da comunidade internacional, incluindo dos EUA.
O diretor do Centro Internacional de Justiça para os Palestinos (ICJP), Tayab Ali, declarou na ocasião:
“O trabalho de Shireen garantiu que o mundo soubesse o que estava acontecendo na Palestina.
Jornalistas como Shireen e Ali são cruciais para responsabilizar governos que violam a lei internacional.
O uso beligerante e excessivo da força por parte de Israel levou a danos irreversíveis e à morte de uma jornalista inocente. Isso não pode mais continuar.”
Leia mais
ONGs exigem que Israel investigue morte de repórter da Al Jazeera; Tribunal de Haia será acionado