MediaTalks em UOL

Endurecimento da lei do ‘agente estrangeiro’ na Rússia deve aumentar repressão à imprensa

Lei agente estrangeiro Rússia censura imprensa

Sede do parlamento russo (foto: divulgação Russian Federation)

Londres – Enquanto a guerra na Ucrânia parece longe do fim, a Rússia vai se fechando cada vez mais ao mundo e caminha para ampliar a definição de “agente estrangeiro”, tornando mais fácil reprimir a imprensa independente que ainda resiste no país. 

Um novo projeto de lei em tramitação na Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, foi aprovado na segunda das três leituras necessárias nesta terça-feira (28), prevendo a consolidação de  empresas e indivíduos listados como “agentes estrangeiros” em um único registro, sem a necessidade de que o Ministério da Justiça comprove o recebimento de financiamento do exterior.

Dessa forma, qualquer pessoa ou organização das mais diversas áreas – incluindo organizações humanitárias e veículos de mídia – , que “receba apoio e/ou esteja sob influência estrangeira” e cujo trabalho seja amplamente divulgado, envolva política ou relacione-se com militares seria rotulado como “agente estrangeiro”.

O que significa ser um ‘agente estrangeiro’ na Rússia

A Rússia tem desde 2017 uma lei que permite rotular publicações e jornalistas como agentes estrangeiros. 

Anos mais tarde, o presidente russo, Vladimir Putin, promulgou outra lei que ampliando a definição de quais empresas e pessoas poderiam ser consideradas agentes estrangeiros. Desde 2020, o recurso legal veio sendo cada vez mais usado contra a imprensa nacional e do exterior. 

Os meios de comunicação e profissionais individuais adicionados ao registro ficam obrigados a  seguir rigorosos requisitos de relatórios financeiros e adicionar um extenso texto explicando seustatusem tudo o que publicam, incluindo postagens em mídias sociais.

Mesmo antes da guerra, diversas publicações fecharam com a fuga de investidores, temerosos pela exposição. Jornalistas foram tachados como inimigos do Estado, tendo que sair da Rússia sob pena de acabar na prisão.

Nem o Nobel da Paz concedido em outubro de 2021 ao  jornalista russo Dmitry Muratov – cujo jornal, Novaya Gazeta, interrompeu as operações por causa da lei de fake news decretada após a guerra – foi capaz de limitar o uso do mecanismo de agente estrangeiro contra a mídia. 

Horas depois de ele ter sido anunciado como ganhador, junto com a filipina Maria Ressa, o governo russo acrescentou mais nove jornalistas e três veículos à lista de “agentes estrangeiros”, incluindo representantes da BBC e do site investigativo Bellingcat. 

Pelas regras atuais, o Ministério da Justiça precisa reunir provas para rotular organizações ou indivíduos dessa forma — o que mudará com o novo projeto prestes a ser aprovado na Duma. 

No momento, as quatro listas existentes para “agentes estrangeiros” monitoram indivíduos e empresas, incluindo veículos de mídia, que recebem dinheiro do exterior, se envolvem em “atividades políticas” ou “coletam informações no campo das atividades militares e técnicas da Rússia”, exigindo que indiquem seu status ao entrar em contato com agências estatais.

Nova lei de ‘agente estrangeiro’ pode vigorar ainda em 2022 na Rússia

Aprovado na terça-feira, o projeto de lei tem uma nova leitura marcada para quarta-feira (29), após a qual pode passar para a câmara alta da legislatura e depois para o presidente Vladimir Putin para aprovação.

Se sancionada, a lei entrará em vigor em 1º de dezembro de 2022, segundo o site russo Rosbalt.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) criticou o texto legislativo, ressaltando que a lei atual “já é uma das ferramentas preferidas do governo para assediar e restringir a imprensa.”

Segundo o comitê, a nova proposta exige que aqueles adicionados ao registro de “agentes estrangeiros” informem as fontes financiamento do exterior e o valor dos fundos recebidos, além de divulgarem suas contas bancárias.

O projeto de lei também autoriza o Ministério da Justiça a solicitar ao Roskomnadzor, regulador estatal de mídia da Rússia, que restrinja o acesso a sites que não cumpram esses requisitos ou os da legislação atual, que também exige que os agentes estrangeiros enviem regularmente relatórios detalhados de suas atividades e despesas ao governo.

O código penal russo prevê pena de até cinco anos de prisão por descumprimento dos requisitos de “agentes estrangeiros”. O  novo projeto não inclui quaisquer alterações a essa sanção, destaca o CPJ.

“Em vez de aprovar novos projetos de lei que facilitem a rotulação de um jornalista como agente estrangeiro, as autoridades deveriam reduzir a lei existente para garantir que a mídia possa trabalhar livremente”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ, em Nova York.

“Os jornalistas não podem fazer seu trabalho se estiverem sob uma constante enxurrada de regulamentos vagos e politicamente motivados”, acrescentou.

Com a invasão à Ucrânia, o governo Putin criou outra lei repressiva, a que pune com pena de até 15 anos quem divulgar fake news sobre a invasão da Ucrânia e fez com que várias mídias estrangeiras deixassem o país, minando a mídia independente operando na Rússia.

O projeto também propõe a criação de um cadastro único de pessoas “filiadas a agentes estrangeiros”, incluindo atuais ou ex-funcionários de meios de comunicação listados como tal.

O texto, no entanto, não especifica quais seriam as obrigações legais, se houver, daqueles que forem adicionados à lista de “afiliados”, mas diz que não estão sujeitos aos mesmos requisitos dos cadastros como “agentes estrangeiros”.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou, no dia 14 de junho, que a atual legislação de agentes estrangeiros da Rússia violava a Convenção Europeia de Direitos Humanos. O parecer foi dado após uma denúncia conjunta de 73 ONGs russas, informou a AFP.

O tribunal avaliou que a lei não é “necessária em uma sociedade democrática” e viola a liberdade de expressão.

Leia também

Sair da versão mobile