A Amazônia é o epicentro das mudanças climáticas e, portanto, deve ser coberta por jornalistas bem preparados, incluindo vozes locais, desde perspectivas que vão além do meio ambiente, como direitos humanos, economia e política, e com cautela para não cair na armadilha da desinformação.
Estes foram alguns dos principais aprendizados da I Cúpula Amazônica de Jornalismo e Mudanças Climáticas 2022, realizada na cidade de El Puyo, no coração da Amazônia equatoriana.
A Cúpula, organizada pela organização regional sem fins lucrativos Fundamedios, a Universidade Estatal Amazônica e a Federação Nacional de Jornalistas do Equador, reuniu jornalistas equatorianos e estrangeiros, além de ativistas e cientistas.
Amazônia deve interessar a jornalistas de diferentes segmentos
O objetivo do encontro foi abrir espaços de diálogo sobre as melhores formas de comunicar as mudanças climáticas e os conflitos na Amazônia.
À LatAm Journalism Review (LJR), Antonio Paz, editor na Colômbia do meio digital especializado em meio ambiente Mongabay e palestrante na Cúpula, explicou que temas ligados o meio ambiente devem ser abordados por jornalistas de diferentes áreas.
“A primeira coisa a entender é que o meio ambiente, as mudanças climáticas e a Amazônia, entendidos como parte do tema ambiental, são temas de interesse geral e devem ser abordados por diferentes partes e não necessariamente por jornalistas ambientais”, disse
Paz, que moderou a conferência “Como devemos noticiar as Mudanças Climáticas?”, disse que os jornalistas devem estar cientes de que os temas da crise ambiental são relativamente recentes e tanto os meios de comunicação quanto a população os veem como assuntos muito especializados e distantes de sua realidade.
Portanto, os jornalistas que desejam cobrir a Amazônia devem se preparar muito bem antes de iniciar uma investigação, procurando tanto as fontes adequadas quanto a linguagem adequada.
“Precisamos tentar aproximar o assunto de uma linguagem mais geral, com a qual qualquer pessoa possa entendê-lo.
E também entendendo que o que acontece na Amazônia não é algo que importa apenas para quem está na Amazônia, mas que tudo está relacionado a tudo e mais cedo ou mais tarde o fato de negligenciar as questões importantes da Amazônia, como conservação, proteção das florestas e água, etc, acabará nos impactando globalmente”, disse ele.
Helena Gualinga, ambientalista e ativista de direitos humanos do território amazônico de Sarayacu, que foi a oradora principal da conferência de abertura, falou sobre a importância de documentar e comunicar globalmente o que está acontecendo na Amazônia sob a perspectiva dos direitos humanos e com a inclusão de vozes locais.
Gualinga, que aos 20 anos levou sua defesa da Amazônia a conferências internacionais sobre mudanças climáticas, contou como seu tio, o cineasta indígena Heriberto Gualinga, contribuiu com seu documentário “Sou Defensor da Selva” para fazer justiça para sua comunidade em um tribunal internacional.
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Em 2012, o povo indígena Kichwa de Sarayacu ganhou um processo contra o Estado equatoriano perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), depois que uma empresa petrolífera argentina foi autorizada a entrar no território para fins de exploração apesar do desacordo da população.
“A Amazônia depende dos povos indígenas, os povos indígenas dependem da Amazônia; as mudanças climáticas dependem da Amazônia”, disse Gualinga em seu discurso.
“Sim, há cobertura internacional, mas o que os meios locais deveriam cobrir aqui não chega lá, porque é aqui que há um conhecimento real do território, aqui temos acesso às comunidades que estão vivenciando o que está acontecendo na Amazônia”, continuou.
“Até nós mesmos podemos comunicar o que está acontecendo, só precisamos desse espaço e dessa abertura para fazê-lo”, enfatizou Gualinga.
A Amazônia sob perspectiva dos jornalistas regionais
Jornalistas regionais ou locais conhecem melhor o contexto e os problemas da Amazônia.
Portanto, quando comunicadores de países distantes da selva amazônica ou de meios não especializados estão interessados em cobrir esta região do mundo, alianças e jornalismo colaborativo são especialmente importantes, segundo Paz.
“Se existe esse interesse por parte de outros países que valorizam o que está acontecendo na Amazônia e entendem tudo isso de forma objetiva e com uma visão muito mais ampla e não simplista de um território isolado, o melhor é entrar em contato com outros colegas que estão trabalhando no tema.
E que possam contextualizar e ajudar a entender o que está acontecendo lá para que isso tenha maior alcance, maior difusão e as mensagens corretas sejam transmitidas”, disse o jornalista colombiano.
Cobrir a Amazônia desde o exterior também deve implicar evitar o extrativismo informativo cometido por alguns jornalistas que chegam a querer extrair informações e histórias com uma perspectiva ocidental.
São reproduzidos preconceitos e sem respeito às crenças e usos e costumes das comunidades amazônicas, segundo Alexis Serrano, editor do Ecuador Chequea e moderador do painel “Os desafios do jornalismo amazônico: saberes ancestrais, extrativismo e meio ambiente”.
“Às vezes olhamos para todas essas questões desde a bolha da capital, da cidade, de pensar que todo mundo tem Twitter, que todo mundo tem Instagram e na verdade não tem”, disse Serrano à LJR.
“Esse foi o meu principal aprendizado [da Cúpula]: não pensar que fazer jornalismo é em todos os lugares o mesmo que fazê-lo, por exemplo, em Quito, onde trabalho.”
Importância das rádios comunitárias em comunidades indígenas
O editor destacou que as comunidades indígenas têm pouco acesso à internet e a meios eletrônicos, por isso o meio com maior alcance nestes territórios é o rádio.
Há exemplos marcantes de rádios comunitárias nos países amazônicos que cumprem a missão de manter seus habitantes informados, embora a maioria sejam pequenas rádios formadas pelos próprios habitantes que cobrem um pouco além de suas comunidades.
“Como são comunidades que têm muita oralidade, o rádio é muito importante para elas. Por isso as rádios comunitárias lutam tanto pelo espectro radioelétrico, para que suas rádios comunitárias possam ir mais longe”, disse.
Papel da fotografia na cobertura da jornalística Amazônia
Livrar-se de preconceitos ao cobrir a Amazônia também significa dar espaço aos saberes e valores de seus povos indígenas dentro das histórias jornalísticas. É o que diz Isadora Romero, fotógrafa e produtora audiovisual equatoriana, vencedora do concurso World Press Photo 2022.
Romero foi a convidada especial de uma das conferências na Cúpula, na qual apresentou o projeto com o qual venceu o concurso: “O sangue é uma semente“.
A peça audiovisual retrata a perda da memória cultural em relação à proteção da diversidade de sementes, a migração forçada, o racismo, a colonização e a perda de conhecimento ancestral da comunidade indígena de Camuendo Chico, no Equador.
Para cobrir a Amazônia de forma mais justa a partir do fotojornalismo, fotógrafos e documentaristas devem buscar narrar histórias que têm a ver com outro tipo de conhecimento além da ciência ocidental e das visões hegemônicas, disse Romero durante sua apresentação.
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Ela acrescentou que o fato de esses imaginários muitas vezes não serem conhecimentos quantificáveis e tangíveis não significa que não devam fazer parte das histórias.
“Ainda há muitos meios de comunicação que pensam que levar um fotógrafo para cobrir uma história é simplesmente fazer uma peça gráfica do texto, e acredito que isso é desperdiçar totalmente um novo olhar, um novo espaço que vai ampliar o discurso, que vai dar outras perspectivas”, disse ela.
Para ela, fotojornalistas devem começar a explorar além da fotografia para contar com mais fidelidade uma realidade como a das comunidades indígenas amazônicas.
“Estes novos formatos que o World Press Photo decide premiar nos permitem falar sobre todas essas coisas que muitas vezes não podem nos conectar apenas por palavras ou imagens estáticas”, disse.
“Temos todo este espectro comunicacional que nos permite conectar com pessoas desde outros níveis.”
Fake news, inimigas conhecidas das mudanças climáticas
As mudanças climáticas são uma questão particularmente suscetível à desinformação.
Negacionistas e outros movimentos que rejeitam realidades documentadas têm maneiras cada vez mais sofisticadas de divulgar informações falsas ou enganosas. E os jornalistas que cobrem a Amazônia têm que estar muito atentos a isso.
Alexis Serrano abordou esta questão na oficina “Como combater a desinformação e as fake news?”, que deu no âmbito da Cúpula.
A origem da desinformação sobre a Amazônia não se limita àqueles que compartilham informações falsas; também tem a ver com o fato de que essa área do mundo não está sendo coberta como deveria.
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“Desde a primeira conferência que foi dada na Cúpula, a principal reclamação era que a Amazônia não foi suficientemente coberta”, disse Serrano à LJR.
“A amazônica é uma população muito negligenciada em termos de informação e esforços devem ser feitos para cobri-la mais e melhor.”
O ritmo acelerado do jornalismo pode fazer com que os comunicadores inadvertidamente caiam na desinformação ao trabalhar na questão das mudanças climáticas. É por isso que é necessário mergulhar no assunto.
“A primeira coisa é informar-se muito bem, ler, registrar, perguntar, ir a fontes especializadas. E eu até recomendaria, se o assunto for muito complexo, começar antes de uma entrevista formal para tentar resolver dúvidas básicas, estruturais de conceitos”, disse Antonio Paz à LJR.
Dicas para jornalistas na Amazônia
Consultar uma variedade de fontes e fontes especializadas também reduzirá os riscos de cair na armadilha da desinformação.
Nas questões ambientais e científicas, deve-se apostar na especialidade na hora de escolher as fontes, disse o jornalista.
“Um biólogo pode conversar com você em geral sobre como está uma espécie animal, mas se você quiser saber especificamente sobre suas interações com o entorno, deve procurar um etólogo.
Se for falar de vírus, procure um virologista e não alguém que trabalhe com parasitas ou bactérias”, exemplificou Paz. “Trata-se de procurar as fontes certas e não ficar com as fontes mais generalistas.”
Um primeiro encontro com possibilidade de crescer
Durante seus dois dias e ao longo de suas 10 conferências e mesas redondas, a 1ª Cúpula Amazônica de Jornalismo e Mudanças Climáticas reuniu cerca de 700 participantes.
Eram jornalistas, cientistas, ativistas, acadêmicos, estudantes e cidadãos, no campus da Universidade Estatal Amazônica, em El Puyo, capital da província de Pastaza, no Equador.
Também participaram como painelistas Milagros Salazar, do Convoca (Peru); Mónica Valdez, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias; Maritza Félix, da Conecta-Arizona (Estados Unidos); Gesell Tobías, de Voice of America (Estados Unidos); Cristian Ascencio, de Connectas (Colômbia); Susana Morán, do Plano V (Equador); Isabela Ponce, do GK (Equador); e Diego Cazar, de La Barra Espaciadora (Equador).
“Não há primeiro sem segundo. A partir de agora digo que temos a firme decisão de realizar a segunda Cúpula Amazônica de Jornalismo e Mudanças Climáticas”, disse César Ricaurte, diretor executivo da Fundamedios, no discurso de encerramento do evento.
“Esta primeira cúpula foi uma experiência extraordinária […]. Ter esse intercâmbio com a comunidade científica, como seres humanos, como profissionais do jornalismo, nos enriquece muito. […].
Ouvir os comunicadores das comunidades, aprender com eles e entender suas necessidades também é um aprendizado extremamente valioso.”
A Cúpula, que também contou com o apoio da União Européia no Equador, da Embaixada dos Estados Unidos no Equador e do Escritório Regional da UNESCO para Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia, também ofereceu quatro workshops e um Tech Camp.
Setenta jornalistas do Equador e do Peru participaram deste último, principalmente das regiões amazônicas. Durante oito horas, os participantes trabalharam em diversas oficinas focadas em novas ferramentas jornalísticas.
“O local da Cúpula, El Puyo, no coração da Amazônia equatoriana, nos permitiu conhecer em primeira mão os efeitos das mudanças climáticas e as consequências das práticas extrativistas legais e ilegais, das vozes dos mais afetados, que são os habitantes e as comunidades indígenas”, disse Kevin Artega, jornalista venezuelano do jornal El Carabobeño, que participou da Cúpula, à LJR.
“É imperativo buscar a face social das mudanças climáticas através das histórias dos afetados, bem como dar relevância ao relato do valor econômico que a adaptação às mudanças climáticas implica para os países”.
Este artigo foi publicado originalmente na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center Para o jornalismo nas Américas / Universidade do Texas. Todos os direitos reservados à publicação e ao autor.