Londres – Quatro dias após o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira terem desaparecido na Amazônia, crescem as pressões internacionais sobre o governo de Jair Bolsonaro para encontrá-los.

O jornal The Guardian, para o qual Phillips faz reportagens ambientais, publicou um editorial na quinta-feira (9) cobrando apoio de países e organizações para instar o governo brasileiro a adotar medidas efetivas para as buscas na Amazônia.

“O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para os defensores do meio ambiente e outros associados às comunidades indígenas”, afirma a publicação. “Infelizmente, o presidente, Jair Bolsonaro, tem demonstrado pouco interesse em uma resposta adequada.”

Publicação britânica faz editorial sobre jornalista desaparecido na Amazônia

Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira, um ex-funcionário da Funai, foram vistos pela última vez na região do Vale do Javari, no Amazonas, na manhã de domingo (5). O desaparecimento foi comunicado no dia seguinte pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

O brasileiro acompanhou o jornalista em uma incursão na Amazônia para que ele fizesse entrevistas com indígenas como parte da pesquisa de um livro. Após dois dias em campo, os homens deveriam retornar à cidade Atalaia do Norte no domingo de manhã, mas não foram mais vistos.

No editorial, o Guardian questionou a ação das autoridades do país desde que o jornalista foi dado como desaparecido na Amazônia.

“A resposta das autoridades brasileiras tem sido, na melhor das hipóteses, lenta e abaixo do esperado. Um helicóptero – essencial nas buscas em uma área tão vasta – não foi usado até a manhã de terça-feira.

Uma investigação criminal não foi aberta até mais tarde naquele dia. Apenas um punhado de tropas parece estar envolvido na busca, em uma região com abundantes recursos militares.

Esta resposta mínima é totalmente inadequada.”

O veículo britânico ainda criticou a fala de Bolsonaro sobre os desaparecidos.

“Tendo demorado dois dias para falar sobre o desaparecimento, ele [Bolsonaro] parecia culpar os homens:

‘Sinceramente, duas pessoas em apenas um barco, naquele tipo de região, absolutamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável para ninguém. Qualquer coisa pode acontecer. Pode ter sido um acidente. Eles poderiam ter sido executados’, disse.”

Relembrando crimes notórios contra ambientalistas, como os assassinatos do líder trabalhista e ativista Chico Mendes e da freira americana Dorothy Stang, o Guardian destacou que o Brasil também é um país em que jornalistas são vulneráveis.

A publicação ainda apontou que as políticas ambientais no país foram degradadas nos últimos anos, relacionando esse fato diretamente ao governo Bolsonaro.

“O desmatamento na Amazônia atingiu um nível recorde sob Bolsonaro, que enfraqueceu as proteções ambientais e os direitos à terra indígena desde que assumiu o cargo em 2019.

Ele também pisou nos direitos humanos e desrespeitou o Estado de direito.

Gangues criminosas parecem cada vez mais encorajadas a infringir a lei, danificar a floresta tropical e praticar violência com uma sensação de impunidade.”

Por fim, o jornal britânico pediu apoio da comunidade internacional para pressionar o Brasil a intensificar as buscas pelos dois homens, sem a qual, segundo o Guardian, “é altamente improvável que o governo mude de rumo.”

“Muito tempo já foi perdido. Nada mais deve ser desperdiçado.”

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Editores também cobram Bolsonaro por jornalista desaparecido na Amazônia

Além do editorial, o Guardian organizou uma carta aberta em conjunto com o Washington Post, outro veículo para qual Dom Phillips colaborava, cobrando do presidente Jair Bolsonaro esforços para encontrar o jornalista e o indigenista desaparecidos na Amazônia.

Mais de 20 publicações, agências de notícias e organizações internacionais de jornalismo assinaram o documento, incluindo a Repórteres sem Fronteiras (RSF), New York Times, Bloomberg, Associated Press, Pulitzer Center, Agência Pública, Artigo 19 e AFP.

Na carta, os signatários afirmam que Dom é “um jornalista respeitado globalmente com um profundo amor pelo Brasil e seu povo.”

“Como editores e colegas que trabalharam com Dom, agora estamos muito preocupados com relatos do Brasil de que os esforços de busca e resgate até agora têm recursos mínimos, com as autoridades nacionais demorando a oferecer assistência mais do que muito limitada.

Pedimos que você intensifique com urgência e recorra totalmente ao esforço para localizar Dom e Bruno, e que forneça todo o apoio possível às suas famílias e amigos.”

Governo brasileiro não responde sobre encontro com entidades

Na terça-feira (7), Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, entidades de jornalismo enviaram ofício a ministros brasileiros solicitando um encontro com representantes do governo para falar sobre o jornalista e o indigenista desaparecidos na Amazônia.

O documento foi assinado por 11 organizações, incluindo a RSF, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

“Até a noite de 6.jun.2022, as informações divulgadas pela imprensa tratavam de um operativo limitado para as buscas de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips no local”, dizem as organizações, no pedido enviado.

“Requeremos que seja concedida prioridade e urgência nas missões de busca de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips, e também que o governo brasileiro receba as organizações para uma audiência emergencial, em que informações sobre o andamento das buscas possam ser compartilhadas e atualizadas”.

Emmanuel Colombié, diretor da América Latina da RSF, confirmou ao MediaTalks que, até o momento, as entidades não obtiveram resposta do governo brasileiro sobre o pedido.

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Os riscos da cobertura ambiental

Assim como apontado no editorial do Guardian sobre o jornalista desaparecido na Amazônia, Emmanuel Colombié já tinha alertado sobre os riscos da cobertura ambiental para profissionais da mídia no especial do MediaTalks para a COP26,

Por causa do perigo crescente, a RSF assinou, junto com 60 jornalistas, um documento apelando à COP27, que acontece neste ano, a implementação concreta do direito internacional sobre a proteção de jornalistas e o acesso à cobertura ambiental.

“Quase 30 anos após a declaração da Cúpula da Terra das Nações Unidas no Rio em 1992, o direito de informar sobre as questões ambientais que ela proclamou deve finalmente se concretizar, ser aplicado e respeitado sem nenhuma exceção”, diz Colombié.

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