Um projeto de lei apresentado pelo presidente do Conselho de Ministros do Peru, Aníbal Torres, foi recebido como ameaça ao sigilo das fontes de imprensa e ao jornalismo investigativo no país.

A proposta prevê prisão para quem divulgar à mídia informações sigilosas sobre investigação de crimes, segundo o site Infobae e a Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP).

A Federação Internacional de Jornalistas divulgou uma nota condenando o projeto, que considera uma tentativa de cercear o trabalho da imprensa e a liberdade de expressão por meio de barreiras jurídicas.  

Lei não será para impedir sigilo da fonte de imprensa, diz ministro

Aníbal Torres, responsável pelo projeto de lei, é um jurista reconhecido e principal nome jurídico do partido do presidente Pedro Castillo, professor e líder sindical eleito para governar o país em 2021. Ocupa o cargo de chefe do Conselho de Ministros desde fevereiro passado. 

O texto que será apresentado ao Congresso criminaliza a “divulgação de informações fiscais em processos criminais” com pena de um a dois anos de prisão.

Se o  suposto infrator for juiz, promotor ou membro da polícia, a pena pode chegar até quatro anos de prisão.

“Essa iniciativa afeta diretamente a atividade jornalística no país”, alerta a ANP. “A criminalização das fontes cria uma mordaça e afeta o direito de conhecimento [público].”

Em entrevista coletiva no dia 24 de junho, Torres não relacionou de forma direta a lei ao trabalho da imprensa ou se de alguma forma ela restringiria o relacionamento dos profissionais da mídia com fontes. Ele disse:

“A investigação criminal em sua fase preliminar é sigilosa. Deixa de ser sigilosa quando vai para a fase de sustentação oral. Lá é público e não há sigilo.”

Torres ainda acrescentou, conforme o Infobae, que o projeto quer evitar a “comercialização” de informações:

“O que está acontecendo hoje? Nestas investigações, a informação sigilosa é rapidamente divulgada ao público, selecionando-se por vezes esta ou aquela informação com o objetivo de imputar a prática de crimes.

Isso não deveria acontecer. Por isso estamos apresentando um projeto de lei ao Congresso para que essa forma de comercialização de informações criminais sigilosas acabe.”

Leia também

Alegando ‘feminicídio’, juíza e filha conseguem censurar jornal que denunciou nepotismo na Guatemala

censura prévia Guatemala liberdade de imprensa Dina Ochoa presidente Corte Constitucional

A ANP expressou preocupação com o projeto que vazou para a imprensa, uma vez que o texto completo não foi divulgado pelo governo.

“Em um momento em que a tendência em todo o continente é tornar mais transparentes os processos contra a administração pública e a corrupção envolvendo aqueles que exercem ou exerceram uma função pública, o que se passa no país constitui um franco retrocesso.

“A confidencialidade das fontes tem sido essencial para revelar fatos de interesse público nas últimas décadas. Fingir violar o sigilo profissional não é apenas inviável, é inconstitucional.

Por isso, lamentamos que tanto o Executivo quanto o Legislativo, na qualidade de poderes do Estado, abandonem seu papel de garantidores de direitos e liberdades, desvirtuando sua própria ou delegada capacidade de legislar.

A história recente demonstra o papel essencial do jornalismo independente no combate à corrupção no país.”

O projeto já havia sido anunciado pelo ministro da Justiça, Félix Chero, no dia 13 de junho, quando ele disse que a intenção era “proteger” a inocência presumida dos investigados.

Ele afirmou que “de forma alguma” os jornalistas serão obrigados a revelar as suas fontes.

Chero também garantiu que a iniciativa não envolve a perseguição a fontes jornalísticas, já que os meios de comunicação “têm suas próprias fontes”.

“Não necessariamente quem recebe a informação é um jornalista. Pode ser recebida por qualquer outra pessoa que esteja interessada, justamente, em ter essa informação para pressionar testemunhas, pressionar as partes”.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) disse que, “no contexto de crescentes entraves legais ao exercício da liberdade de imprensa e expressão, continua atenta aos avanços nas estratégias formais de condicionar o trabalho jornalístico” na América Latina.

O Conselho de Imprensa Peruano (CPP) também se posicionou contra a proposta de lei que pode acabar com o sigilo de fontes policiais no país, alertando que a vê como um ataque à cidadania.

“Se virar lei, esta iniciativa privaria os cidadãos de informações sobre investigações de supostos casos de corrupção, incluindo aqueles que estão sendo realizados contra o presidente Pedro Castillo, seus sobrinhos, o ex-ministro Juan Silva, ex-funcionários de seu governo e outros governos do passado.”

Citando a operação Lava Jato, a instituição pediu que a “medida obscurantista” não seja aprovada no Congresso.

“Com uma lei como a proposta pelo Executivo, o grau de conhecimento e aproximação da verdade no caso de corrupção da Lava Jato não teria sido alcançado, pois foi a imprensa que manteve o público informado durante todo o processo.

Sem vir à tona, as investigações poderiam ter sido sabotadas ou afetadas por interesses privados. A impunidade teria prevalecido.”

O Conselho de Imprensa peruano rejeita veementemente essa medida obscurantista e pede ao Congresso, se realmente está comprometido com investigações relacionadas a casos de corrupção, que não entre no jogo [aprovando a lei].”

O jornal peruano El Comercio explica que, após o recebimento do projeto de lei, o Congresso encaminhará o texto para análise em comissão, que decidirá entre arquivá-lo ou aprová-lo.

Caso isso ocorra, a questão será avaliada pelo plenário.

Leia também

Por ‘afiliação comunista’, governo Duterte bloqueia mídias independentes nas Filipinas