A exemplo da maioria dos casos anteriores, o assassinato do 12º jornalista no México este ano ocorreu em uma região que enfrenta violência do crime organizado. E vitimou um profissional de um jornal local e não de uma grande organização de mídia. 

Antonio de la Cruz, de 47 anos, que trabalhava há quase 30 anos no jornal regional Expresso, foi atingido por tiros quando deixava sua casa em Ciudad Victoria, no nordeste do México, nesta quarta-feira (29). Sua filha de 23 anos saiu gravemente ferida.

Com o novo crime em seis meses, o México se afasta ainda mais de sua própria marca de jornalistas assassinados durante todo o ano de  2021, que foi de sete. Em 2022, a média é de duas mortes por mês. 

Jornalista morto no México cobria assuntos rurais 

Nenhum dos crimes contra jornalistas praticados no México este ano envolveu um profissional amparado por uma empresa jornalística importante, como aconteceu ano passado na Holanda com o repórter investigativo Peter De Vries ou este ano em Israel com a profissional da Al Jazeera Shireen Abu Akleh

No país governado pelo presidente Andrés Manuel Lopéz-Obrador, todas as mortes foram de repórteres de veículos de comunidades ou blogs.

Isso também aconteceu no Brasil, onde em fevereiro o cearense Givanildo Oliveira foi assassinado depois de noticiar em seu portal de notícias a prisão de um homem acusado de homicídio. 

O mexicano De la Cruz  fazia reportagens sobre questões rurais e sociais na cidade localizada na fronteira do estado de Tamaulipas, que enfrenta questões de violência e crime organizado.

Ele foi morto a tiros quando saía de casa com a mulher e a filha. O ataque teria sido perpetrado por duas pessoas em uma motocicleta.

O Sindicato Nacional dos Editores de Imprensa (SNRP) do México emitiu um comunicado cobrando ação do governo:

“Exigimos que os responsáveis ​​pelo assassinato do colega Antonio de la Cruz sejam encontrados prontamente e com celeridade e exigimos garantias suficientes dos governos federal e estadual.

A prática do jornalismo no México; a liberdade de expressão e a vida dos profissionais de mídia não estão sendo garantidas em nosso país”.

A Procuradoria-Geral da República informou em nota que, diante da denúncia pública dos jornalistas, instruiu a Procuradoria Especial de Crimes Contra a Liberdade de Expressão (FEADLE) a iniciar uma investigação paralela à da jurisdição criminal, para apurar se o homicídio de De la Cruz está relacionado ao seu trabalho jornalístico.

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, Antonio de la Cruz também atuou como assessor do deputado do Movimento Cidadão, Gustavo Cárdenas, que confirmou a notícia à mídia local. De la Cruz também coordenou a comunicação do partido político.

Em nota, a organização disse:

“Exigimos que as autoridades realizem uma investigação completa e expedita para esclarecer o caso e trazer justiça ao jornalista e sua família, e abre um precedente para combater os altíssimos índices de impunidade. Sem justiça não pode haver liberdade de expressão.”

Ataques a jornalistas no México se repetem 

O caso mais recente de jornalista assassinado no México foi uma morte dupla. No dia 9 de maio, Yessenia Mollinedo Falconi e Sheila Johana García Olivera, respectivamente diretora e repórter do site de notícias El Veraz em Cosoleacaque, foram atingidas por tiros do lado de fora de uma loja de conveniência. 

Cosoleacaque fica próxima a uma importante rota de migrantes comandada pelo crime organizado no sudeste de Veracruz, de acordo com informações da agência Associated Press (AP).

O crime aconteceu no mesmo dia em que jornalistas se preparavam para uma manifestação na Cidade do México em protesto contra o 9º crime do ano, que vitimou Luis Enrique Ramírez Ramos, em Sinaloa. É a região onde opera o cartel de mesmo nome, uma das maiores organizações criminosas do mundo. O corpo foi encontrado à beira de uma estrada em um saco. 

Ramirez era um profissional conhecido, premiado, com mais de 40 anos de carreira, passagens por grandes jornais mexicanos e colunista de política do El Debate, organização de mídia regional com mais de 300 funcionários.

Responsabilidades governamentais 

Os governos estaduais e federal do México são criticados pela imprensa e organizações de não impedirem os assassinatos de profissionais da mídia nem realizarem investigações adequadas que apontem os responsáveis pelos crimes.

No mais recente Ranking Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), o país apareceu na 127ª posição entre 180 países analisados, e a escalada crescente de violência faz do México o país mais mortífero para jornalistas. 

O presidente Lopéz-Obrador adota um discurso agressivo contra a imprensa em suas manifestações públicas, sobretudo quando há alguma crítica ao seu governo ou membros de sua família.  Entre os insultos frequentes estão a acusação de que a mídia defende grupos com interesses e que jornalistas são mercenários. 

Embora nenhum crime contra jornalistas no México tenha sido atribuído ao governo federal, a retórica é vista como um incentivo à intolerância em relação à imprensa. 

Para a organização não governamental  Global Iniciative for Transnational Organized Crime (Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional),  embora grupos criminosos organizados sejam responsáveis por muitos dos assassinatos, “pensar que eles são os únicos responsáveis ​​por esses ataques seria uma deturpação ingênua”.

Em uma análise sobre a situação mexicana publicada em fevereiro, a organização disse:

“Esses assassinatos não acontecem no vácuo; eles fazem parte de um cenário de violência política onde atores criminosos e estatais negociam constantemente pelo poder.

As autoridades se beneficiaram da narrativa que culpa os cartéis pela violência no México, que absolve o Estado de seu papel proeminente em minar a segurança dos jornalistas e o direito dos cidadãos à liberdade de imprensa.

No entanto, uma grande proporção de ameaças contra os trabalhadores da mídia, na verdade, vem dos próprios funcionários do governo.”

Segundo a organização não havia conceito de liberdade de imprensa no México até que o regime de 71 anos do Partido Revolucionário Institucional (PRI) chegou ao fim em 2000.

“O controle do poder do PRI favoreceu um monopólio sobre a propriedade da mídia de massa, que foi usada para divulgar uma versão ‘oficial’ da verdade – em essência, propaganda. Qualquer empresa de mídia que desafiasse a narrativa oficial do governo foi silenciada. A autocensura tornou-se a norma se a mídia independente sobrevivesse.

Nas últimas duas décadas, mudanças na dinâmica política do país impactaram a propriedade e as agendas da mídia.  A ONG aponta que novos canais de transmissão tornaram a indústria mais competitiva, no que entende ser uma aparente tendência de maior tolerância à dissidência.

Ao mesmo tempo, o crime organizado se expandiu e o país abriga mais atores criminosos do que nunca, que exercem uma influência crescente em nível local.

Onde os jornalistas no México enfrentam mais perigo é na esfera da governança criminal local, onde as organizações criminosas têm permeado as instituições municipais em um ambiente de conluio”, afirma a organização. 

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