Em mais uma batalha da guerra que vem sendo travada desde o ano passado com o governo da Índia, o Twitter resolveu apelar à justiça a fim de anular uma ordem da administração de Narendra Modi para remover conteúdo e bloquear contas.
Embora tenha acatado a ordem para evitar sanções legais previstas na rigorosa legislação de mídias sociais em vigor no país, a plataforma está contestando judicialmente a determinação, sob o argumento de que as solicitações feitas na semana passada representam abuso de poder, são arbitrárias e desproporcionais e ferem a liberdade de expressão.
Elon Musk, o bilionário que está em processo de aquisição do Twitter e é um notório defensor de liberdade de expressão na plataforma, não se manifestou.
Escritórios do Twitter na Índia foram revistados em 2021
Assim como o Brasil, a Índia foi um dos países que mais regrediu na liberdade de expressão nos últimos anos, de acordo com o relatório da ONG britânica Artigo 19 divulgado na semana passada.
O país foi o quarto que mais recuou nesse quesito em 10 anos, perdendo 37 pontos no período e tendo a liberdade de expressão classificada como “em crise” — o pior marcador do índice.
A briga com as empresas de mídia digital faz parte do contexto de repressão. Em fevereiro de 2021, o governo publicou um decreto regulamentando a atuação das plataformas de mídia social, estabelecendo que todas deveriam ter um representante legal no país e prevendo remoção de postagens a pedido do governo.
Em maio de 2021, a polícia indiana invadiu e revistou os escritórios do Twitter depois de a rede social rotular tweets publicados por membros do partido Bharatiya Janata Party (BJP), de Modi, como “mídia manipulada”.
As publicações que receberam esses rótulos, usados pela plataforma também para mídias estatais ou afiliadas a governos de alguma forma, atacavam membros da oposição críticos às ações de Modi na pandemia.
Na época, a empresa disse que a ação da polícia indiana foi uma forma de “intimidação”.
O processo movido agora pelo Twitter foi motivado por uma ordem recebida na semana passada, solicitando retirada de publicações com “conteúdo político” postadas por representantes oficiais de partidos.
Entre as publicações estava uma da ONG americana Freedom House, após a entidade questionar as restrições à liberdade de expressão no país.
A rede social atendeu a essa e outras solicitações, mas decidiu acionar o Tribunal Superior de Karnataka, em Bangalore.
Na reclamação, o Twitter alega que o governo indiano ameaçou processar os representantes locais da empresa caso as ordens não fossem cumpridas.
A Índia é um dos mercados mais importantes para o Twitter, onde soma cerca de 48 milhões de usuários ativos mensais, segundo estimativa do site Sensor Tower.
As restrições impostas com a mudança na legislação, no entanto, são um obstáculo para a expansão da empresa no país.
Na esteira da ação movida pelo Twitter, o ministro de tecnologia da Índia, Rajeev Chandrasekhar, postou uma declaração na terça-feira (5) que pode ser interpretada como um recado à empresa:
“Na Índia, todos os intermediários/plataformas estrangeiras da Internet têm direito a recorrer à corte judicial.
Mas igualmente TODOS os intermediários/plataformas que operam aqui têm obrigação de cumprir nossas leis e regras.”
In India,all incldng foreign Internet intermediaries/platforms have right to court n judicial review.
But equally ALL intermediary/platforms operating here,have unambiguous obligation to comply with our laws n rules. #Open #SafeTrusted #Accountable #Internet
— Rajeev Chandrasekhar 🇮🇳 (@RajeevRC_X) July 5, 2022
Índia muda lei para ter mais controle na internet
No processo apresentado esta semana, o Twitter se defende dizendo que não quer mudar as leis do país, porém, entende que a Índia interpretou a nova lei de regulação de “forma muito ampla”, disse ao New York Times (NYT) uma fonte anônima que teve acesso à ação legal.
Desde a entrada em vigor da lei, no ano passado, a rede social já removeu centenas de usuários e publicações a pedido do governo, incluindo tweets com críticas a Modi, ao combate à pandemia, com a divulgação de protestos públicos e questionamentos sobre as restrições às liberdades civis, de imprensa e expressão.
As novas regras ainda obrigaram que as empresas estrangeiras contratassem executivos indianos ou baseados na Índia como forma de assegurar o cumprimento de determinações federais — e, caso isso não ocorra, esses executivos podem ser responsabilizados judicialmente e serem até presos.
Após a invasão aos seus escritórios, no ano passado, o Twitter reagiu duramente e cobrou do governo da Índia o respeito à liberdade de expressão.
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O WhatsApp também reagiu à pressão de Modi e, no ano passado, entrou com ação judicial pedindo que seja desconsiderada a regra para que as mensagens dos usuários não sejam criptografadas e, dessa forma, possam ser rastreadas. Esse caso, de acordo com o NYT, ainda não avançou na justiça indiana.
A Índia é conhecida por cercear as liberdades individuais de seus cidadãos e da mídia. O país ocupa o 150º lugar entre 180 nações no Índice de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras deste ano.
Casos de assédio judicial a jornalistas são comuns, sendo Rana Ayyub uma das vozes dissidentes mais perseguidas no país.
Em exemplo recente que ganhou o noticiário mundial, a polícia usou a religião como justificativa para prender, no dia 27 de junho, o jornalista muçulmano Mohammed Zubair, cofundador do principal site de verificação de fatos da Índia, o Alt News.
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Entidades reagiram fortemente contra a prisão de Zubair, alertando — assim como agora também faz o Twitter — sobre a “crise” das liberdades de expressão e imprensa enfrentada pelos indianos.
E há uma semana, uma fotojornalista da Reuters premiada com o Pulitzer que iria a Paris participar de eventos relacionados aos seus prêmios foi impedida de viajar quando tentava embarcar.
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