Londres – As ameaças à liberdade de imprensa e de expressão que se intensificaram na Rússia após a invasão da Ucrânia não poupam sequer parlamentares, que têm como papel a defesa de pontos de vista de forma pública: na sexta-feira (8), Alexei Gorinov, deputado russo do distrito de Krasnoselsky, ao Norte de Moscou, foi condenado a sete anos de prisão por recriminar as ações militares de seu país. 

Segundo a Anistia Internacional, esta é a primeira condenação sob a lei de fake news imposta por Vladmir Putin em março. 

Inicialmente vista como instrumento para silenciar a imprensa e cidadãos, a lei está sendo também usada para punir parlamentares que se oponham ao regime e à guerra na Ucrânia.

Deputado condenado na Rússia preso desde abril 

O advogado de 60 anos estava preso desde abril, sob acusação de espalhar “informações conscientemente falsas” sobre o exército russo durante uma sessão da assembleia local.

De acordo com as autoridades, Gorinov teria infringido a lei por se manifestar, junto com outra deputada da oposição, Elena Kotenochkina, contra a proposta do conselho de realizar um concurso de desenho infantil e um festival de dança.

Gorinov justificou sua oposição ao projeto sob o argumento de que “crianças estavam morrendo na Ucrânia”.

“Acredito que todos os esforços da sociedade civil [russa] devem ser orientados a parar a guerra e retirar as tropas russas do território da Ucrânia”, disse Gorinov durante a reunião de trabalho, que foi gravada em vídeo e ficou disponível no YouTube, despertando a ira do governo. 

Elena Kotyonochkina escapou da prisão deixando o país.

Os promotores solicitaram a pena de sete anos de prisão para Gorinov acusando-o de “ódio político” e de “minar a autoridade das Forças Armadas”. 

Mas ele não se demonstrou disposto a recuar de suas posições. Segundo relato da Anistia Internacional, o deputado russo não se declarou culpado e usou suas últimas palavras no tribunal antes de ser condenado para denunciar novamente a guerra na Ucrânia. 

“Estou convencido de que esta guerra é o caminho mais rápido para a desumanização, quando a linha entre o bem e o mal é tênue. A guerra é sempre violência e sangue, corpos dilacerados e membros decepados. É sempre a morte. Eu não aceito isso.

“A guerra, qualquer sinônimo que você a chame, é a última coisa, mais suja e vil, indigna do título de homem. Eu pensei que a Rússia tinha esgotado a seu limite de guerras no século XX. No entanto, nosso presente é Bucha, Irpin e Hostomel.”

Ele se referiu a cidades ucranianas onde as tropas russas são acusadas de cometer crimes de guerra. 

O desafio foi também visual. No tribunal,  levantou um cartaz que dizia: “Você ainda precisa dessa guerra?”

“As autoridades russas devem liberar imediata e incondicionalmente Aleksei Gorinov e todas as pessoas presas simplesmente por expressar suas opiniões e se manifestar contra a guerra, e retirar todas as acusações contra eles”, disse Bruce Millar, diretor da Anistia Internacional, que classificou a sentença de “chocante”: 

“É uma represália ilegal por expressar pontos de vista, e não a administração da justiça. 

Aleksei Gorinov não cometeu nenhum crime reconhecido internacionalmente ao chamar a guerra desencadeada por Vladimir Putin na Ucrânia do que é, uma guerra criminosa. 

O judiciário russo mais uma vez se aliou à intenção do governo de silenciar todas as formas de dissidência”.

A lei usada para condenar o deputado russo

A lei de fake news foi recebida com assombro por entidades que defendem a liberdade de imprensa no país, colocando em risco a presença de correspondentes estrangeiros e sucursais de veículos internacionais em Moscou, pela possibilidade de penas de até 15 anos por veicularem o que o governo considere notícia falsa.

Entre as proibições está a de chamar a guerra de guerra. O conflito só pode ser denominado como operação especial. Muitas organizações de mídia pararam de veicular notícias geradas no país e algumas retiraram seu pessoal da Rússia

No entanto, com o passar do tempo viu-se que a aplicação da lei de fake news é mais abrangente. Uma das primeiras acusadas foi uma blogueira de gastronomia russa que vive na França.

Outros cidadãos também já foram enquadrados e pelo menos 2 mil multas teriam sido aplicadas, mas até agora não se tinha conhecimento de condenações, o que sinaliza um endurecimento do governo de Vladmir Putin. 

A Anistia Internacional afirma que existem 60 pessoas indiciadas aguardando julgamento. Um deles é o colunista do Washington Post Vladimir Kara-Murza, preso em Moscou depois de uma entrevista para a rede americana CNN em que criticou Vladmir Putin. 

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