Londres – Os protestos que convulsionam o Sri Lanka nas últimas semanas não pouparam a imprensa: oito jornalistas da emissora Newsfirst foram atacados por policiais no último sábado (9) e quatro deles foram agredidos ao vivo quando filmavam uma manifestação diante da casa do primeiro-ministro, Ranil Wickremesinghe.
Alguns ficaram feridos gravemente e a brutalidade policial chocou o país, gerando repúdio de entidades internacionais de jornalismo.
Em seu Índice de Liberdade de Imprensa deste ano, a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) afirmou que a violência policial contra jornalistas cresceu no Sri Lanka sob o governo do presidente Gotabaya Rajapaksa, um ex-militar. O país ocupa o 146º lugar entre 180 nações que compõem o índice.
Comandante da polícia ordenou ataques em protestos no Sri Lanka
Os protestos antigoverno escalaram no sábado. A casa do presidente Gotabaya Rajapaksa foi invadida, obrigando ele e os assessores a fugirem.
Manifestantes também se deslocaram para outras partes da cidade e chegaram ao bairro nobre onde fica localizada a casa do primeiro-ministro.
Foi durante a cobertura ao vivo deste protesto que uma equipe de reportagem do canal Newsfirst, uma das maiores organizações de mídia do país, foi atacada por policiais, segundo a emissora.
Os jornalistas Sarasi Pieris, Judin Sinthujan, Janitha Mendis e o cinegrafista Warun Sampath estavam preparados para a entrada ao vivo no telejornal noturno, que, de acordo com o Newsfirst, havia sido comunicada às forças de segurança.
“No entanto, o que aconteceu depois foi um ataque brutal e desumano da polícia e da Força-Tarefa Especial a jornalistas desarmados do Newsfirst”, relatou a emissora.
Nos primeiros segundos do ao vivo, policiais já aparecem gritando e empurrando os profissionais e rapidamente o sinal da transmissão cai. O âncora repete as imagens e relata a violência policial sofrida pelos colegas:
As imagens gravadas mostram que o Comandante da Força-Tarefa Especial da polícia, Romesh Liyanage, ordenou às suas tropas o ataque aos jornalistas.
Outra equipe do Newsfirst, com os jornalistas Kalimuttu Chandran, Imesh Sutherland, Chanuka Weerakoon e Banidu Lokuruge, tentou resgatar os colegas, mas foi atacada com gás lacrimogêneo e agressões com cassetetes dos policiais.
Em um dos vídeos, foi flagrado o exato momento que um grupo de policiais derruba no chão e bate em um dos profissionais que segurava uma câmera de vídeo.
A emissora informou que a jornalista Sarasi Pieris, de 23 anos, sofreu ferimentos graves na cabeça e nas costas.
Waruna Sampath, Judin Sinthujan e Janitha Mendis também sofreram ferimentos graves. Todos foram encaminhados ao Hospital Nacional Colombo para tratamento.
Com a violência contra os jornalistas, um porta-voz da polícia afirmou que medidas disciplinares serão tomadas contra o comandante que ordenou os ataques. O inspetor-geral da polícia de Colombo também ordenou uma investigação imediata sobre as agressões.
“A liberdade de mídia é primordial para a democracia no Sri Lanka. O primeiro-ministro pede às forças de segurança e aos manifestantes que ajam com moderação para evitar qualquer violência e garantir a segurança do público”, disse o gabinete do primeiro-ministro em comunicado.
A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e suas afiliadas do Sri Lanka, o Movimento de Mídia Livre (FMM) e a Associação de Jornalistas Trabalhadores do Sri Lanka (SLWJA), condenaram as ações da polícia.
“Os ataques brutais a jornalistas e trabalhadores da mídia durante os protestos no Sri Lanka são uma tentativa flagrante de anular a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.
Os jornalistas devem poder reportar com segurança, sem medo de assédio ou violência.
A FIJ insta as autoridades do Sri Lanka a acabar com a intimidação de jornalistas e da mídia e levar os autores desses ataques à justiça imediatamente”.
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Violência policial contra imprensa cresceu no Sri Lanka, diz RSF
Na análise sobre o Sri Lanka, a Repórteres Sem Fronteiras afirma que as questões de liberdade de imprensa estão intimamente ligadas à guerra civil que devastou a ilha até 2009 e aos crimes – ainda impunes – contra muitos jornalistas durante o esmagamento da rebelião tâmil.
“Com um setor de mídia carente de diversidade e altamente dependente de grandes clãs políticos, o jornalismo está em risco.”
Antes de assumir a liderança do país, Gotabaya Rajapaksa foi o secretário do Ministério da Defesa no governo de seu irmão, Mahinda, entre 2005 e 2015. Esse período é descrito por jornalistas do país como uma “década sombria”.
“Gotabaya tornou-se notório como chefe do ‘comando da van branca’, uma referência aos veículos em que os jornalistas foram sequestrados para serem executados. Pelo menos 14 desapareceram assim”, diz a RSF.
“Desde que assumiu o poder em 2019, a pressão policial sobre os jornalistas ressurgiu de forma preocupante.”
Ainda segundo a organização, pelo menos 44 profissionais da mídia foram mortos ou desapareceram nas últimas duas décadas no Sri Lanka.
“Embora os assassinatos de jornalistas tenham parado após 2015, esses crimes [anteriores] ficaram completamente impunes.”
Oficialmente o Sri Lanka não restringe a liberdade de expressão, mas não existem garantias de proteção para os jornalistas, segundo a RSF.
A organização critica uma lei de 1973 que criou um Conselho de Imprensa, destinado a “regular” o setor, já que o presidente nomeia a maioria de seus membros.
“As autoridades invocam regularmente a lei antiterrorismo para silenciar os jornalistas, especialmente aqueles que tentam relatar as condições da minoria tâmil no norte e leste da ilha”, diz a análise.
Em exemplo de como a tensão entre governo e imprensa persiste, a RSF cobrou a justiça do país, em março, para retirar as acusações contra o jornalista Murugupillai Kokulathasan, que foi libertado sob fiança naquele mês após ficar mais de 470 dias preso.
Kokulathasan, conhecido como Kokul, foi detido em novembro de 2020 sob a draconiana Lei de Prevenção ao Terrorismo (PTA) por supostamente postar fotos da organização política Tigres de Liberação do Tamil Eelam no Facebook.
A situação da liberdade de imprensa na Ásia é crítica, com diversos países figurando entre os que mais perseguem e prendem jornalistas, como Mianmar e a China.
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