Organizações que defendem a liberdade de imprensa alertam para o aumento da repressão e censura na Nicarágua após a prisão de dois funcionários do jornal La Prensa, na semana passada.

Os homens, que não tiveram a identidade revelada a pedido de familiares, não são jornalistas do veículo, mas sim motoristas. Eles foram condenados a 90 dias de prisão preventiva, na sexta-feira (8), enquanto as autoridades investigam a participação deles numa cobertura do jornal que irritou o governo de Daniel Ortega.

A reportagem era sobre a expulsão de 18 freiras da Associação Missionárias da Caridade, ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá, obrigadas a deixar o país sob escolta da polícia e atravessar a fronteira com a Costa Rica a pé.

Nicarágua aperta censura contra jornal ocupado

Fundado em 1926, o La Prensa é o jornal mais antigo do país e o mais visado pelo governo Ortega. Em agosto de 2021, o prédio da publicação foi invadido pela polícia e o seu diretor, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, preso.

Além dele, outros dois membros do conselho de administração do jornal, Cristiana e Pedro Joaquín Chamorro Barrios, também estão presos. Cristiana foi candidata presidencial às eleições de novembro de 2021.

O caso das religiosas expulsas é apenas o mais recente na esteira da repressão contra os defensores dos direitos humanos na Nicarágua. Ortega já fechou mais de 900 ONGs no país desde os protestos pedindo sua renúncia em 2018.

No domingo (10), o governo ordenou que mais 100 organizações sem fins lucrativos sejam fechadas.

As imagens das freiras deixando a Nicarágua a pé causaram indignação nas redes sociais. O grupo atuava no país desde 1988 e mantinha um lar para meninas carentes, um para idosos e uma creche para crianças pequenas.

Assim como outros veículos do país, o jornal La Prensa também enviou uma equipe de reportagem para acompanhar a expulsão das freiras do país, composta por uma repórter, um fotógrafo e um motorista.

Mas a cobertura fez com que a toda a equipe fosse perseguida pelas autoridades nicaraguenses. 

Na noite de quarta-feira (6), o motorista que levou a equipe ao local e um outro, que não tinha nenhuma relação com a matéria sobre o caso, foram presos.

O La Prensa informou que os dois estão em uma prisão de segurança máxima sem que a acusação de um crime tenha sido apresentada. 

Segundo o jornal, policiais também foram às casas da jornalista e do fotógrafo supostamente para detê-los, mas eles não foram encontrados.

Em editorial publicado no sábado (9), o La Prensa diz que as autoridades não informaram que a saída das freiras era uma “operação de segurança com cobertura jornalística restrita ou proibida”, por isso, enviou equipe para cobrir, “como acontece com qualquer outro evento que tenha valor jornalístico.”

“A Constituição Política da Nicarágua protege e garante a liberdade de informação e o exercício profissional do jornalismo”, diz o jornal no editorial.

“Da mesma forma, garante a segurança pessoal e os direitos dos cidadãos, incluindo não ser detido sem justa causa e ordem judicial prévia.

Com base nos direitos constitucionais mencionados e nos consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Estado da Nicarágua é parte, exigimos que cesse o assédio ao La Prensa e outros meios de comunicação independentes.

E que sejam libertados os presos deste jornal, seus motoristas e diretores, e todos os presos políticos injustamente encarcerados.”

‘Nova onda de perseguição’, diz entidade

A Associação Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) disse em nota que a prisão dos funcionários do La Prensa é uma “nova onda de perseguição” do governo nicaraguense ao jornal.

“Nós responsabilizamos o regime Ortega pelo que pode acontecer com cada um dos trabalhadores do La Prensa, vítimas de abusos, intolerância e desrespeito a seus direitos fundamentais”, disse Jorge Canahuati, presidente da SIP.

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da associação, Carlos Jornet, acrescentou:

“Dado o novo ataque contra o La Prensa, reiteramos nosso apelo urgente para restaurar as liberdades na Nicarágua, onde o regime atua sem enfrentar consequências por suas ações repressivas”.

Com a censura sendo parte da rotina, jornalistas do veículo da Nicarágua têm medo. Um deles, que falou sob anonimato à rede Voz da América, disse que se sente inseguro até dentro de casa:

“A angústia que sentimos ao pensar que o próximo da lista de presos pode ser eu ou meu colega de trabalho, e os danos ou repercussões que essa prisão pode causar à família é incessante.

Na Nicarágua você não pode fazer jornalismo, exceto com a narrativa do partido no poder.”

Ele também afirmou que essa perseguição tenta enviar uma mensagem clara:

“O governo não tolerará mais os meios de comunicação que noticiam o que realmente está acontecendo no país.”

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