Em discurso realizado nesta terça-feira (12) em Nova York durante a reunião do Conselho de Segurança da ONU o Secretário-Geral da organização, António Guterres, alertou sobre o impacto da desinformação e do discurso de ódio sobre o trabalho das missões de paz executado pelas tropas conhecidas como boinas-azuis, formadas por civis e militares.
Durante um debate sobre o tema, ele afirmou que a comunicação eficiente é uma questão de vida ou morte, e “a diferença entre paz e guerra”.
Segundo a ONU, é a primeira vez que as ameaças da desinformação e do discurso de ódio entram na pauta do Conselho de Segurança, que este mês é presidido pelo Brasil.
Desinformação nas redes preocupa ONU
António Guterres tem manifestado preocupação com o avanço da desinformação e das fake news.
No Dia Mundial da Imprensa, em maio, o líder da organização afirmou que a politização crescente” do trabalho de jornalistas e demais profissionais da mídia “ameaça o jornalismo independente e torna o exercício da profissão mais arriscado diariamente”.
Na reunião em Nova York, o secretário-geral destacou que em um mundo cada vez mais digital, a comunicação direta continua sendo a maneira mais poderosa de construir confiança e combater narrativas falsas.
E falou sobre o impacto da desinformação sobre a missão dos boinas-azuis da ONU:
“O cenário em que operam as forças de paz tornou-se mais perigoso, com tensões geopolíticas globais reverberando em todo o mundo.
As forças de paz enfrentam terroristas, criminosos, grupos armados e seus aliados, muitos dos quais têm acesso a poderosas armas modernas e têm interesse em perpetuar o caos em que prosperam.”
Para Guterres, “as armas empunhadas não são apenas armas e explosivos: a desinformação e o discurso de ódio são cada vez mais usados como armas de guerra”.
“O objetivo é claro: desumanizar o chamado ‘outro’, ameaçar comunidades vulneráveis - assim como as próprias forças de paz – e dar abertamente sinal verde para que atrocidades sejam cometidas.”
A ONU tem 14 operações de manutenção da paz em quatro continentes. Elas envolvem mais de 88 mil militares e policiais de 124 Estados-membros e cerca de 13 mil funcionários civis e 1,3 mil voluntários.
Atualmente, mais de 90% das forças de manutenção da paz atuam em oito operações de paz, em Abyei e Darfur no Sudão, na República Centro-Africana, na República Democrática do Congo, no Haiti, no Líbano, no Mali e no Sudão do Sul.
No Mali, desinformação no WhatsApp
Em Nova York, o secretário-geral citou como exemplo das ameaças da desinformação uma situação ocorrida no Mali.
Uma carta falsa alegando que as forças de paz estavam colaborando com grupos armados foi postada no Facebook. Ele se tornou viral no WhatsApp e foi reproduzida pela mídia nacional.
“Essa carta forjada alimentou a hostilidade e o ressentimento contra as forças de paz, tornando sua tarefa vital de proteger os civis ainda mais difícil.”
“A comunicação estratégica – confiável, precisa e centrada no ser humano – é uma de nossas melhores e mais econômicas ferramentas para combater a ameaça”, argumentou o secretário-geral, acrescentando que mais do que simplesmente defender-se contra mentiras prejudiciais, a comunicação adequada cria confiança e angaria apoio político e público.
“Isso permite que a população local entenda melhor nossas missões. E permite que nossas forças de paz entendam melhor as preocupações, queixas, expectativas e esperanças da população local. Pode criar um espaço seguro para que a reconciliação e a construção da paz funcionem e forneçam às mulheres, aos jovens e à sociedade civil um melhor acesso aos processos de paz”, disse o chefe da ONU.
Desinformação afeta imagem de forças da ONU
Segundo o comunicado da Unesco sobre o encontro, o general brasileiro Marcos De Sá Affonso Da Costa, Comandante da Força da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), admitiu que a Força não era necessariamente bem percebida por parte da população.
E que o discurso de ódio contra os boinas-azuis tem potencial de comprometer a segurança, inclusive por grupos armados.
“Informações falsas nas redes sociais são difíceis de detectar”, disse ele perante o Conselho de Segurança.
A Unesco cita uma pesquisa recente constatando que quase metade dos integrantes de forças de paz da ONU considera que informações falsas e desinformações afetam seriamente a execução de seu trabalho e ameaçam sua segurança.
“Dentro da MONUSCO, aprendemos a nos comunicar melhor. No entanto, ainda há muito a ser feito: melhorar o treinamento pré-implantação, combater a desinformação, ficar um passo à frente dos críticos”, disse ele.
Da Costa acredita que as notícias falsas, que são difundidas principalmente por meio de mensagens e mídias sociais, “são difíceis de distinguir da realidade e em breve serão praticamente indetectáveis”.
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