Londres – Sob o argumento de evitar a proliferação de fake news sobre a guerra, as grandes plataformas digitais como Facebook e Google estão derrubando contas de mídia social e suspendendo propaganda de canais de jornalismo independente na Ucrânia, alerta a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF).

A ONG de defesa da liberdade de imprensa divulgou um relatório enumerando restrições, bloqueios de acesso e proibição de anúncios em emissoras de TV e sites, em alguns casos feitos pelos algoritmos de forma automática. 

A RSF chamou essas iniciativas de combate à desinformação de “tardias e superficiais”. E diz que buscadores e redes sociais devem aprimorar suas tecnologias para detectar notícias falsas sem prejudicar a livre imprensa na Ucrânia.

Guerra marcada por fake news 

Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro, plataformas de mídias sociais redobraram as atenções para evitar a propagação de fake news sobre o conflito.

Muitas medidas foram impostas ao conteúdo, incluindo a identificação dos canais afiliados à propaganda russa no Twitter, por exemplo.

A rede social atualizou a chamada política de desinformação de crise que também impede curtidas, retuítes, compartilhamentos e a amplificação monetizada de tweets relacionados ao governo da Rússia. 

A remoção do conteúdo, no entanto, não é feita por receios do Twitter de ferir a liberdade de expressão.

Mas as ações contra fake news estão obstruindo o acesso a notícias e informações confiáveis ​​na Ucrânia, segundo a RSF. Para a organização, as plataformas não realizaram uma revisão de seus algoritmos, por isso, bloqueios de páginas fidedignas são feitos de forma automática.

“Depois de anos sem fazer nada, as plataformas de repente começaram a enfrentar o problema de desinformação, e suas políticas de moderação inadequadas prejudicaram o jornalismo na Ucrânia”, diz Vincent Berthier, chefe da área de tecnologia da ONG.

A emissora ucraniana 5 Kanal foi uma das afetadas. Em 17 de junho, a página no Facebook do canal foi excluída por causa de uma de suas postagens sobre a guerra.

Segundo a emissora, a descrição dos abusos que o exército russo poderia cometer contra cidadãos ucranianos foi considerada “incitação à violência” pelos moderadores do Facebook.

Com isso, a página na rede social, que tinha mais de 538 mil seguidores, foi excluída. Após questionar o Facebook, a emissora conseguiu reaver o perfil e voltou a poder publicar.

Em outros casos reunidos pela RSF, jornalistas relatam que suas contas são “restritas” pelo Facebook — ou seja, suas publicações aparecem com menos frequência nos feeds dos seguidores ou desaparecem por completo.

Isso faz com que apenas aqueles que acessem diretamente as páginas restritas possam ver as postagens, explica a organização. 

A editora Sonia Koshkina, do Livyi Bereg, informou que nos últimos oito meses teve seu perfil restrito no Facebook ao menos 11 vezes, algo intensificado, segundo ela, quando passou a publicar informações sobre a guerra na Ucrânia.

Bloqueio de anúncios prejudica cobertura da guerra em regiões separatistas

Em outra frente, ações das plataformas implementadas por causa da guerra estão afetando a sustentabilidade financeira dos meios de comunicação ucranianos, diz a RSF.

Andrey Boborykin, chefe do portal de notícias independente Ukrainska Pravda, alega que o Facebook e o Google bloquearam a monetização de conteúdos e patrocínios nas regiões ocupadas do leste da Ucrânia, onde estão localizadas as áreas separatistas Donetsk e Lugansk.

E, de acordo com o Ukrainska Pravda , 57% dos ucranianos recebem suas notícias diretamente no Facebook.

“Os veículos de comunicação precisam de patrocinadores para chamar a atenção dos usuários do Facebook. Sem qualquer possibilidade de patrocínio, estão condenados à invisibilidade e, portanto, à falência”, acusa a organização.

Para a RSF, os bloqueios de monetização e patrocínio são “inaceitáveis” porque “destroem o jornalismo sem afetar a desinformação”.

“Até que as plataformas concordem em usar as ferramentas certas, elas continuarão obstruindo o jornalismo e o acesso à informação”, diz o chefe da área de tecnologia da organização, Vincent Berthier.

“Apelamos que as políticas de moderação e os algoritmos sejam revisados. Em tempos de guerra, o jornalismo deve ser protegido.”

A RSF defende o uso de ferramentas como a Journalism Trust Initiative (JTI) para certificar os veículos “em vez de enterrá-los”. 

Criado pela organização e  desenvolvido em consulta com profissionais de mídia de todo o mundo, o JTI é um padrão internacional para certificar meios de comunicação que respeitam os padrões de transparência e ética jornalística.

É reconhecido pela União Europeia e é citado no Código de Prática sobre Desinformação que será recomendado pela próxima Lei de Serviços Digitais (DSA) da UE. Os critérios de certificação usados pela JTI incluem como os meios de comunicação são financiados e organizados e como eles produzem as notícias que publicam. 

Leia também

Entenda o ‘astroturfing’, arma da Rússia para espalhar fake news sobre a Ucrânia no Twitter