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Anistia denuncia governo oficial do Iêmen por assédio a jornalistas que ‘insultam autoridades’

Iêmen jornalista liberdade de imprensa

Foto: Pixabay

Londres – A Anistia Internacional cobrou nesta quinta-feira (18) do governo internacionalmente reconhecido do Iêmen (IRG, na sigla em inglês) o fim do assédio a jornalistas em áreas sob seu controle.

Em guerra desde 2014, o Iêmen vive uma crise humanitária aguda. Nos últimos dias, chuvas severas causaram mais destruição. Nesse contexto, o jornalismo vem sendo cada vez mais reprimido.

Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, a divisão do país em áreas controladas pelos rebeldes Houthi, pelo chamado governo legítimo pelos separatistas do sul exacerbaram as perseguições a profissionais de mídia. 

Jornalistas sofrem assédio no Iêmen por ‘fazerem seu trabalho’

Até o fim do ano passado, pelo menos 19 jornalistas foram assassinados no Iêmen. 

Tawfiq al-Mansouri, um dos quatro jornalistas detidos desde 2015 e condenado à morte em abril de 2020 pelo lado Houthi, teve negado o atendimento médico, causando protestos da comunidade internacional.

Mas as perseguições por parte do governo reconhecido aumentaram. 

No primeiro semestre de 2022, o Sindicato dos Jornalistas do Iêmen registrou 11 casos de ataques, incluindo ameaças e incitamento à violência, contra jornalistas e meios de comunicação, nove casos de detenção e seis casos de acusação e convocação por partes no conflito.

O relatório do Sindicato revelou que o IRG foi responsável 23 das violações, enquanto as autoridades da facção Houthi foram responsáveis por 16.

Segundo a Anistia, nos últimos sete meses, as autoridades do IRG processaram pelo menos três jornalistas por publicar conteúdo crítico a respeito de membros do governo e instituições governamentais.

Um quarto jornalista foi convocado pela diretoria de investigação criminal e ficou detido por nove horas devido a uma postagem no Facebook sobrepreços de venda de combustível. E vários outros têm sofrido assédio. 

“Os jornalistas não devem ser tratados como criminosos simplesmente por criticarem as instituições governamentais e funcionários públicos, disse Diana Semaan, vice-diretora interina para o Oriente Médio e Norte da África.

Ela salientou que os profissionais de imprensa perseguidos atualmente estavam apenas fazendo seu trabalho e seu discurso é protegido pelo direito internacional dos direitos humanos.

“O governo internacionalmente reconhecido do Iêmen tem a responsabilidade de respeitar a liberdade de expressão e deve retirar todas as acusações contra eles”, 

No Iêmen, críticas de jornalistas viram ‘insulto’ 

As acusações que os jornalistas enfrentaram incluem “insultar” um funcionário público, que pode valer até dois anos de prisão sob o Código Penal, zombar de funcionários do exército, ofender um símbolo do estado e perturbar a ordem pública.

De acordo com o direito internacional, o “insulto” não é uma ofensa reconhecível e não justifica uma limitação à liberdade de expressão, aponta a Anistia.

Além disso, o Comitê de Direitos Humanos da ONU afirmou que “o simples fato de as formas de expressão serem consideradas insultuosas a uma figura pública não é suficiente para justificar a imposição de penalidades”, salienta a organização. 

“A Anistia Internacional se opõe a leis que proíbem insultos ou desrespeito a chefes de Estado ou figuras públicas, militares ou outras instituições públicas, bandeiras ou símbolos – a menos que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência.”

‘Insultos’ de jornalistas processados sob o Código Penal 

A Anistia entrevistou dois advogados e 10 jornalistas e ativistas, seis dos quais foram convocados para interrogatório pela diretoria de investigação criminal ou pela inteligência militar para publicar conteúdo crítico às autoridades.

Dois dos jornalistas foram processados sob o Código Penal e um tribunal aplicou sentenças de prisão, suspensas em 2022.

Em um dos casos, o Ministério Público de Taiz acusou um jornalista em 2019 de “insultar” funcionários públicos e militares depois que ele publicou várias postagens no Facebook criticando as autoridades militares de Taiz por intimidação a jornalistas e ativistas.

Em 17 de maio de 2022, o Tribunal de Primeira Instância de Sabir o considerou culpado e o condenou a uma pena de prisão de um ano, suspensa, e a uma multa nos termos do artigo 292 do Código Penal.

Ele disse: “Esta acusação é para acertar as contas políticas. O lado que está me processando é aquele que controla o exército, o aparato de segurança e o judiciário.”

Outro jornalista foi condenado em 21 de junho de 2022 pelos Tribunais de Fundos Públicos em Hadramout a uma pena de prisão de três meses por “insultar um funcionário público” e “ameaçar publicar segredos privados”, sob o Código Penal.

O motivo foi uma reportagem criticando uma universidade. Ele questionou como isso poderia ser enquadrado como uma ofensa a um funcionário do governo.

“O que o Ministério Público ganhou ao me processar por quase um ano, só porque eu disse a verdade com a qual a maioria das pessoas concorda?” ele disse à Anistia Internacional.

Autocensura como liberdade de imprensa ameaçada

Segundo a Anistia, outro jornalista ainda está enfrentando julgamento com base em acusações falsas e pode ser punido com pelo menos três anos de prisão se for condenado.

Ele está sendo julgado perante o Tribunal Penal Especializado de Primeira Instância em Hadramout com base em acusações relacionadas à segurança nacional por publicar artigos pedindo às autoridades locais que parem de usar agentes de inteligência para perseguir jornalistas e que o governador seja substituído. 

Ele disse à Anistia Internacional que os agentes de segurança passaram a ficar regularmente diante de sua casa e escritório em represália a manifestações contrárias ao governador feitas em 2019. 

Dois outros jornalistas disseram à organização que haviam parado de publicar opiniões críticas sobre autoridades por medo de perseguição.

Um deles relatou: “Recorri ao silêncio e me afastei temporariamente do jornalismo, mas é um desfecho frustrante, amargo e humilhante.”

“O governo internacionalmente reconhecido do Iêmen deve acabar imediatamente com o assédio e processos contra jornalistas e respeitar seu direito à liberdade de expressão”, disse Diana Semaan.

Além do assédio a jornalistas, o Iêmen é um dos países em que profissionais de imprensa têm sido vítimas de crimes com extrema violência. 

O mais recente aconteceu em junho, quando um repórter que trabalhava para a rede japonesa NHK perdeu a vida em um atentado a bomba, o segundo caso semelhante em sete meses. 

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