Londres – O World Report Awards, prêmio realizado anualmente pelo Festival de Fotografia Ética da Itália, anunciou os finalistas de sua edição 2022, com três brasileiros na lista.
Felipe Fittipaldi, Raphael Alves e Ian Cheibub abordaram em seus projetos os dramas sociais de Atafona (no litoral do Rio de Janeiro), Carajás, no Pará e da Amazônia.
A série de Atafona retrata o drama das pessoas que tiveram que abandonar suas casas ou conviver com a destruição em uma área em que o mar avança três metros por ano.
Vencedores do prêmio de fotografia participarão de Festival na Itália
Os vencedores serão anunciados no dia 30 de agosto, e os trabalhos premiados participam da edição anual do Festival de Fotografia Ética, que acontece de 24 de setembro a 23 de outubro em Lodi, na Itália.
O prêmio World Report tem como foco as pessoas e suas histórias sociais ou culturais e a relação entre ética, comunicação e fotografia. Participaram da disputa este ano mais de 11 mil imagens feitas por 741 fotógrafos de 60 países.
Conheça os brasileiros finalistas do prêmio de fotografia
Felipe Fittipaldi – Finalista Grande Prêmio
Felipe Fittipaldi é um fotógrafo e videomaker brasileiro formado em jornalismo e pós-graduado em Comunicação e Imagem, morando atualmente em Vancouver, Canadá.
Fittipaldi colabora com jornais, revistas e corporações de vários países e já recebeu diversos prêmios pelos seus trabalhos como fotógrafo, como Lens Culture Emerging Talents, POY Latam Award, National Geographic Photo Contest e Magnum Caravan Scholarship 2017.
Em 2018, foi selecionado pela World Press Photo Foundation para a segunda edição do 6×6 Global Talent Program. Em 2019, tornou-se bolsista do National Geographic Explorer e seu trabalho passou a fazer parte da coleção da Biblioteca Nacional da França (BnF).
Projeto ‘Eustasy’
Fittipaldi está concorrendo ao prêmio principal do concurso de fotografia com o projeto ‘Eustasy’, sobre a comunidade de Atafona, no litoral do Rio de Janeiro, que há mais de 50 anos sofre com a erosão.
‘Eustasy’ é o termo usado para designar a mudança do nível do mar, que acontece em todo o mundo, causada por movimentos de partes da crosta terrestre ou derretimento de geleiras.
“‘Eustasy’ é um projeto em andamento que começou em 2014 sobre Atafona, pequena cidade localizada no delta do Rio Paraíba do Sul, que foi invadida pela mar. É um daqueles lugares onde o tempo parece correr mais rápido”.
“Em todo o mundo, o litoral sempre esteve em constante transformação. A diferença é a velocidade com que isso ocorre. Em alguns lugares, processos erosivos que costumavam levar centenas de anos agora podem ser testemunhados em apenas uma geração.
A maior parte da rápida transformação que vemos hoje está relacionada às mudanças climáticas causadas pela exploração humana”.
Segundo pesquisadores, as mudanças climáticas aceleram o processo de erosão, uma vez que influenciam a frequência e intensidade de ressacas e tempestades mais extremas. Em Atafona, o mar avança três metros por ano.
Os primeiros registros que se têm notícia da erosão costeira em Atafona datam de 1954, na Ilha da Convivência, que hoje já foi praticamente toda engolida e seus habitantes forçados a deixar suas casas e buscar moradia em outros lugares.
“Com um ambiente em constante mudança, a cidade desvenda a ação do tempo na sociedade contemporânea e a crise entre o homem e a natureza.
Nas últimas décadas, o mar vem subindo e submergindo a pequena cidade, produzindo centenas de migrantes ambientais”.
A imagem mostra o que sobrou do maior hotel do distrito, um prédio de três andares que desapareceu com a ressaca de 2008.
Nas últimas décadas, o oceano tem subido e submergido dezenas de bairros da pequena cidade. Suas dunas escondem cerca de 400 prédios entre prédios públicos, blocos residenciais, hotéis, um posto de gasolina e uma igreja.
Um conjunto de fatores que inclui a elevação do nível do mar e as desastrosas intervenções humanas ao longo do rio fizeram de Atafona o caso mais significativo de erosão costeira no Brasil.
“O rio abastece as maiores cidades do Brasil (cerca de 14 milhões de pessoas) e o déficit hídrico do estuário causado pela exploração humana é o principal fator por trás da erosão, pois o fraco fluxo de água não é mais capaz de garantir o equilíbrio com o oceano, reabastecer os sedimentos e neutralizar o mar invasor.
A erosão afeta a pesca, que uma das atividades econômicas, afeta o turismo e as pessoas, que perderam suas casas duas, três vezes nos últimos 50 anos”.
“Gervásio Gonçalvez, catador de caranguejo e pescador do delta do Paraíba do Sul há 30 anos, está ao lado de seus barcos, agora guardados no quintal de sua casa.
Cerca de 60% do volume de água dos rios foi desviado para abastecer a cidade do Rio de Janeiro.
A foz direita do delta do Paraíba do Sul está se fechando e, devido ao assoreamento, barcos maiores não conseguem alcançar o alto mar. Os que ficam encalhados na tentativa devem esperar até a lua cheia para continuar sua jornada”.
O projeto de Fittipaldi finalista do prêmio de fotografia World Report Awards é focado na documentação da complexa relação entre uma comunidade e seu ambiente, que é ao mesmo tempo íntima e implacável, definida pela dependência, melancolia e protagonistas de personagens que aceitam o que passou ou aguardam o próximo dilúvio.
O fotógrafo explica seu projeto:
“É também uma exploração visual da passagem do tempo, do desaparecimento e da aceitação da transitoriedade da existência, pois muitas dessas fotografias são documentos visuais de uma paisagem que já não existe, confirmando as rápidas e perturbadoras transformações da sociedade contemporânea”.
“Érica Nunes mora em uma casa cercada por dunas de areia em Atafona. Em 2019, o mar invadiu sua casa durante a noite.
Ela, que tem uma perna paralisada desde criança, ficou deitada em sua cama até a manhã seguinte quando os bombeiros dragaram a água do mar. No entanto perdeu a maioria de seus pertences.
As ondas já invadiram sua casa em outras ocasiões, mas Erika insiste em ficar porque, segundo ela, não tem para onde ir”.
“Edineilson Oliveira reza na praia. Morador de Atafona desde 2009, ele usa as ruínas como fonte de alimento, capturando os mexilhões que grudam nas paredes das casas que ficam no mar”.
“Ledimar Neves da Silva, pescador local, observa o mar em Atafona. Em 2012, ele teve que deixar sua casa na praia quando as ondas derrubaram sua janela.
Segundo ele, a casa em que morava ficava longe do mar quando se mudou, mas o mar foi se aproximando aos poucos. Sua casa agora está sob as dunas da praia, mas ainda é possível saber onde ficava porque os troncos das árvores de seu quintal ainda resistem na praia”.
“A paisagem decadente que caracteriza Atafona revela a profunda crise que ocorre entre o ser humano e a natureza”.
“Eu sei o que está acontecendo no delta por causa do descaso com o rio, mas acho que pouca gente sabe e essa história tem uma importância para a gente entender como a natureza funciona”.
Barragens no rio Paraíba do Sul, bem como a devastação das matas ao longo do seu curso, estão entre as causas do fenômeno. Com o fluxo diminuído e o leito assoreado, o rio não consegue vencer o mar, que avança cada vez com mais força sobre a foz, onde fica Atafona.
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Ian Cheibub – Finalista prêmio de estudante
Ian Cheibub é um contador de histórias visual e estudante de mídia na Universidade Federal Fluminense. Suas áreas de interesse estão relacionadas aos direitos humanos, religião e cultura popular.
O fotógrafo trabalha para meios de comunicação internacionais como o GEO Magazine, Der Spiegel, The Guardian, De Volkskrant, Stern, Vice e NRC.
Em 2019, seu projeto Jurujuba foi eleito o Melhor Portfólio para o Programa de Estudantes Canon, indicado ao Prêmio Coup de Cœur – ANI (Association des Iconographes) e finalista no Festival Paraty em Foco.
Em 2021, ele ganhou a bolsa Ian Parry Scholarship, bem como um ouro na competição CPOY.
Projeto ‘Há um buraco dentro de nós’
No prêmio de fotografia World Report Awards, Cheibub concorre ao prêmio de estudante com a série ‘Há um buraco dentro de nós’, que mostra a mineração em Carajás, no Pará e suas consequências.
“Este projeto visa examinar os vazios que foram criados pela mineração tanto na terra quanto na vida dos habitantes de Carajás, que carregam em sua memória a complexa história desta região”.
A foto mostra a vista aérea da estrada de ferro Carajás.
“Debaixo da terra estão nossos mortos e nossas riquezas. Em cima dela, os que lutam por ela e os que lucram com ela. Aviões, carros, geladeiras, edifícios e grande parte do que nos cerca vêm de Carajás, a maior mina de ferro do mundo, no meio da Floresta Amazônica”.
Na imagem o terceiro maior trem do mundo, que carrega o minério de ferro da mina para o porto de Itaquí, em São Luís do Maranhão, pela estrada de ferro Carajás.
“A montanha que hoje gera bilhões em lucro já foi palco da guerrilha mais importante da história do Brasil.
Quinze anos depois da vitória do governo militar, inicia-se o Grande Projeto Carajás em parceria com os EUA, deixando um apagamento histórico como legado: dezenas de violações de direitos humanos ao longo de 900 mil km2″.
O esquecimento é um fardo de toda a América Latina, especialmente no Brasil”.
“Moradores do bairro de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia tomam banho embaixo da ponte construída para a passagem da estrada de ferro Carajás.
Piquiá de Baixo é uma comunidade extremamente impactada pela ferrovia e pelas siderúrgicas, que processam o minério de ferro.
Além da poluição do ar deixada pelas siderúrgicas o que ao longo dos anos desenvolveu sérios problemas respiratórios nos moradores, o trem também produz muitas rachaduras nas casas de Piquiá de Baixo”.
“Este trabalho se propõe a olhar para os vazios que foram cavados tanto na terra, a partir da mineração, quanto nas pessoas, que carregam em seus corpos e memória versões alternativas à história única, a que prevalece nos museus, ruas e praças da região.
Procuro investigar também como mitos e sincretismos são instrumentos de subversão ao ‘status quo’, entendendo as interseções entre cultura, dependência e exploração”.
“Há muitos registros de animais mortos pela ferrovia, pois ela também transporta grãos, como a soja que é cultivada próximo ao assentamento de sem-terra Francisco Romão.
Muitos dos protestos ocorreram porque os moradores querem alguma proteção para evitar que os animais cruzem a linha férrea”.
“Meninos que moram no assentamento caminham pela Estrada de Ferro Carajás para observar os animais que o trem matou. Eles têm suas camisas na cabeça porque isso torna o cheiro dos animais em decomposição menos pior”.
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Raphael Alves – Finalista Reportagens curtas
Nascido em Manaus, Raphael Alves é formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fotografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Artes Visuais no SENAC.
O fotógrafo tem ainda o título de Master of Arts em Fotojornalismo e Fotografia Documental na London College of Communication / University of the Arts, em Londres.
Alves já recebeu diversos prêmios pelo seu trabalho. Os mais recentes foram o Pictures of the Year Latin America e o Getty Images Grant em 2021 e o Pictures of the Year International em 2022, com o projeto ‘Insulae’.
Projeto ‘Insulae’ (Isolamento)
Raphael está concorrendo ao prêmio de fotografia na categoria Reportagens Curtas com o projeto ‘Insulae’ (Isolamento) que retrata a crise sanitária no Amazonas durante a pandemia da Covid-19.
‘Insulae’, palavra do latim que deu origem à palavra ‘isolamento’ em português, era a forma de moradia das pessoas menos favorecidas da Roma Antiga.
“Nos últimos anos o Amazonas, maior estado da federação, tem vivido à beira do colapso. E foi durante a pandemia da covid-19 que as desigualdades socioeconômicas mostraram sua frágil estrutura, levando a uma crise de saúde sem precedentes”.
“A conta chegou e, assim como as ínsulas romanas, o Amazonas entrou em colapso. Faltou oxigênio, faltou o básico e um preço altíssimo foi cobrado: vidas! Milhares de histórias agora enterradas no território do Amazonas”.
“Sob chuva, profissionais de saúde retiram um paciente de 10 anos com quadro grave de Covid-19 de um avião da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) aérea do Estado do Amazonas“.
“O paciente foi transferido de Santo Antônio do Içá (a 879 km em linha reta de Manaus) até o Aeroporto Eduardo Gomes em Manaus, em 22 de maio de 2020, num voo que durou três horas e trinta minutos.
“Boho Sofia, 67 anos, indígena do povo Kanamari e paciente de covid-19, recebe atendimento de profissionais de saúde da enfermaria do Hospital Municipal de Campanha Gilberto Novaes, Zona Norte de Manaus, em 2 de junho de 2020”.
“O caixão de uma vítima da pandemia da covid-19 é visto dentro do único cômodo de uma casa localizada na Colônia Oliveira Machado, Manaus, em 7 de maio de 2020.
“Durante a pandemia da covid-19, o “Funeral SOS”, que oferece serviços funerários para pessoas que não podem pagar, teve suas demandas quadruplicadas: servidores do programa atuaram sobretudo no recolhimento de corpos de pessoas que não conseguiram atendimento em hospitais e faleceram em suas residências”.
“A sombra de uma pessoa que compareceu ao funeral de uma vítima da Covid-19 é projetada sobre uma sepultura coletiva, enquanto um coveiro trabalha para fechá-la no cemitério de Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste de Manaus, no dia 5 Junho de 2020”.
“Aproximadamente 14 mil pessoas morreram vítimas da covid-19 no Amazonas, segundo dados. No entanto, o próprio governo estadual admitiu haver subnotificação.
Óbitos que não haviam sido contabilizados como covid-19 foram reclassificados após resultados de exames médicos e científicos”.
“Uma máscara descartável é vista sob a sombra de um túmulo localizado na ala das vítimas da covid-19 no Cemitério Público Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste de Manaus, em 11 de junho de 2020.
A questão do descarte das máscaras é vista como um potencial problema ambiental”.
O descarte do material caracteriza um resíduo tóxico e de longa duração: a degradação de uma máscara descartável na natureza pode levar até 450 anos.
Manaus, onde centenas de máscaras descartadas indevidamente podem ser vistas, está localizada no meio da floresta amazônica na confluência de dois dos maiores rios do mundo: o Solimões e o Negro.
“Um homem chora sobre o túmulo de sua mãe no Cemitério Público Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, Amazonas, em 29 de setembro de 2020.”
“Caixões chegam em um trator para serem enterrados em uma vala comum no Cemitério Público Nossa Senhora Aparecida, localizado na Zona Oeste de Manaus, em 23 de abril de 2020”.
Uma nova área do cemitério foi inaugurada após as mortes causadas pela covid-19 que levarem a um colapso no sistema funerário da cidade. O número de enterros em Manaus por dia aumentou de cerca de 25 para quase 200, devido à pandemia.
As imagens foram publicadas com autorização dos fotógrafos e da organização do prêmio de fotografia World Report Awards e não podem ser reproduzidas.
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