Londres – A Torre Ostankino, em Moscou, onde funciona a empresa de mídia estatal Russia Today (RT), banida em vários países sob a acusação de disseminar propaganda governamental, foi o local escolhido para o velório de Darya Dugina, morta em um atentado no sábado (20).
As homenagens à filha do filósofo ultranacionalista Aleksander Dugin, apontado como “cérebro de Putin” reuniram centenas de políticos, líderes parlamentares e jornalistas da mídia estatal nesta terça-feira (23).
A escolha do local reafirma a importância de Dugina, 29 anos, como defensora das ideias nacionalistas e da invasão da Ucrânia por seu país na mídia.
Darya Dugina e a propaganda da Rússia
Dugina escrevia sobre política para meios de comunicação estatais e pró-Kremlin, era editora do do jornal pró-Putin United World International e tinha uma coluna no site FAN, apontado como braço da “fábrica de trolls da Rússia”.
Ela morreu quando uma bomba explodiu no carro que dirigia, voltando de um festival em homenagem às tradições russas em que seu pai fez um discurso.
As primeiras versões foram de que o carro pertenceria ao pai, e que o atentado seria direcionado a ele.
A Rússia acusou uma mulher ucraniana de ser a autora do atentado, mas Kiev afirma não ter responsabilidade no caso.
Enquanto isso, a filha de Aleksander Dugin foi tratada como mártir da Rússia.
O pai falou na cerimônia, como publicado no canal Telegram da RBC.
“Ela viveu em nome da vitória e morreu em nome da vitória – nossa vitória russa”
Falando diante do caixão, ele revelou ter educado a filha para ser uma pessoa ortodoxa inteligente, e por isso aconselhou-a a estudar filosofia.
Eu queria criar minha filha do jeito que vejo uma pessoa ideal. Em primeiro lugar, com fé. Ela passou toda a sua infância em campos ortodoxos, foi à igreja, e isso é importante.
Mas eu queria que ela fosse uma pessoa ortodoxa inteligente. E então sua mãe e eu a aconselhamos a se tornar uma filósofa.
E ela se tornou. Não posso dizer se ela era profunda como filósofa, mas ela tentou se mover nessa direção.
Contou que as primeiras palavras ensinadas foram sobre a Rússia.
Desde a infância, quase suas primeiras palavras, que, claro, lhe ensinamos, foram a Rússia, nosso Estado, nosso povo, nosso império.”
Ela se tornou tão perfeita, passando por provações, ela se tornou muito melhor do que nós.
E disse que ela teria dito sobre a sua morte:
[…] ela teria um desejo: “Não se lembre de mim! Não me glorifique! Lute pelo nosso grande país! Defenda nossa fé, nossa santa ortodoxia, ame nosso povo russo!”
Ele relatou a última conversa que tiveram, no festival Tradição:
“Pai, eu me sinto uma guerreira, me sinto uma heroína, <…> quero estar com meu país. Quero estar do lado das forças da luz”.
Dugin finalizou pedindo a vitória sobre a Ucrânia:
“O maior preço a pagar é que só pode ser justificado pela vitória.
Ela viveu em nome da vitória, ela morreu em nome da nossa vitória russa.”
Vídeos nas redes sociais com outros depoimentos mostram como o assassinato entrou na agenda da guerra.
O apresentador de TV Dmitry Kiselov, que chefia o Rossiya Segodnya, grupo de mídia estatal, disse que Darya Dugina não era combatente, e sim uma jornalista, colega, seguidora do pai e sucessora em sua obra.
Ele se uniu ao coro da intensificação dos ataques à Ucrânia:
“Qual deve ser a resposta da Rússia? Por um lado, a desnazificação e a desmilitarização intransigentes da Ucrânia. Ação intransigente.”
Ele também disse que a intelectualidade russa precisava deixar de lado a duplicidade e finalmente se unir.
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Outro que falou na cerimônia de despedida foi o magnata da televisão Konstantin Malofeyev, um amigo próximo da família e fundador do canal de televisão ortodoxo Tsargrad, onde Dugina trabalhou como jornalista.
“É por causa dessa morte prematura da nossa querida e amada Dasha que definitivamente venceremos esta guerra”.
Segundo relato do site independente The Moscow Times, durante a cerimônia fúnebre, Sergei Mironov, líder do partido Rússia Justa – Pela Verdade, afirmou que o ataque foi aprovado pelo próprio presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. E pediu retaliação.
“O canalha fascista deve ser destruído em seu covil. O covil é Kyiv”, disse Mironov.
Leonid Slutsky, chefe do Partido Liberal Democrata nacionalista da Rússia, previu que ruas e praças receberiam o nome de Dugina.
Na segunda-feira (22), o presidente Vladimir Putin concedeu à Darya Dugina a Ordem da Coragem postumamente.
Segundo a agência de notícias estatal russa Tass, Dugina esteve recentemente nas regiões de Donetsk e Lugansk para fazer a cobertura jornalística da invasão.
Em Donbass, ela teria trabalhado para uma publicação da França, e teria também levantado informações sobre batalhão nacional Azov.
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