Londres – Daria Dugina, de 29 anos, que morreu quando o carro em que viajava explodiu na noite de sábado (20) em Moscou, era mais do que a filha de Alexander Dugin, filósofo que muitos apontam como um dos principais inspiradores da política expansionista de Vladimir Putin.

Ela tinha um papel importante na comunicação do movimento “Eurasianismo”, fundado por seu pai, e  estava na lista de sancionados pelos EUA e pelo Reino Unido por suas atividades de propaganda nacionalista, destacando-se na defesa da invasão da Ucrânia. 

Dugina trabalhou como secretária de imprensa. segundo o serviço em russo da BBC, escrevia sobre política para meios de comunicação estatais e pró-Kremlin, era editora do do jornal pró-Putin United World International e tinha uma coluna no site FAN, apontado como braço da “fábrica de trolls da Rússia”.

Filha do filósofo de Putin estava no carro do pai 

A explosão que vitimou Dugina ocorreu na rodovia Mozhayskoye, perto da vila de Bolshiye Vyazemy, um distrito da cidade de Odintsovo.  Ela retornava de um festival chamado “Tradição”, no Pushkin Museum-Reserve em Zakharov, perto de Moscou, onde seu pai deu uma palestra. 

Segundo a mídia russa, o atentado teria como alvo Alexander Dugin, pois o carro pertencia a ele. A filha normalmente utilizava outro veículo, mas na última hora entrou no carro que explodiu.

Após a explosão, o Toyota SUV saiu da estrada e pegou fogo. Os investigadores acreditam que um dispositivo explosivo detonou no carro, como relatou a mídia russa. 

Imagens de Dugin ao lado do carro com as mãos na cabeça, em sinal de desespero, foram exibidas nas redes sociais russas. Ele teria sido hospitalizado, como relataram pessoas próximas. 

A promotoria da região de Moscou assumiu as investigações.

Filósofo criou movimento Eurasiano, que filha ajudava a promover 

Alexander Dugin é um filósofo e cientista político que desenvolve as ideias do “Eurasianismo”. A mídia internacional refere-se a ele como “cérebro” e “mentor” do presidente russo Vladimir Putin.

Suas ideias, que a filha ajudava a promover, teriam sido a base ideológica para Putin invadir a Ucrânia. Ela apoiou ativamente a invasão russa da Ucrânia e foi uma das autoras do Livro Z.

Daria Dugina se formou na Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual Lomonosov de Moscou e foi observadora política do Movimento Eurasiano Internacional.

Em seu canal no Telegram, a filha da filósofa reproduzia conteúdo da mídia estatal e de propagandistas russos, bem como as ideias do seu pai sobre a guerra com a Ucrânia.  

Segundo o site independente russo Meduza, a filha do filósofo escrevia e falava sobre política para a rede RT (Russia Today), emissora estatal banida em vários países, e fazia comentários no canal de TV nacionalista “Tsargrad”, que seu pai chegou a dirigir. 

O canal manifestou-se sobre a morte:

“Dasha, como seu pai, sempre esteve na vanguarda do confronto com o Ocidente”

Dugin e sua filha estão nas listas de cidadãos russos sancionados pelo Reino Unido e pelos EUA por suas posições em defesa da invasão.

O Reino Unido chamou-a de de “contribuinte frequente e de alto perfil de desinformação em relação à Ucrânia e à invasão russa da Ucrânia em várias plataformas online”.

Os EUA a sancionaram como editora-chefe do site United World International, que seria de um dos  aliados de Putin, Yevgeny Prigozhin.

O Departamento do Tesouro disse que ela era “responsável ou cúmplice de ações ou políticas que ameaçam a paz, segurança, estabilidade ou soberania ou integridade territorial da Ucrânia”.

E que controlava o Geopolitica, “um site que serve como plataforma para ultranacionalistas russos espalharem desinformação e propaganda visando públicos ocidentais e outros.”

Após a morte de Dugina, trechos de uma participação no programa “Time will show”, na rede de TV estatal Channel One começaram a ser compartilhados em canais Telegram.

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Num deles, falando sobre a “operação especial” (como a Rússia determina que a invasão seja chamada pela mídia), Dugina defende as ações dos militares de seu país:

Os russos estão tentando reconquistar esses civis da morte… E o que é a morte?

Se você se lembra dos poetas clássicos, Novalis, por exemplo, disse que a morte é uma perda de capacidade de conciliar.

Na Ucrânia, essa conciliação, a unidade do povo, foi perdida. Havia um monte de grupos com ideologia agressiva e russofobia absoluta… Agora é uma batalha de ideias, uma batalha de duas civilizações, de visões de mundo.”

O site FAN (Federal News Agency), considerado braço de operações de mídia da chamada “fábrica de trolls” do governo russo, lamentou a morte de sua colunista, que assinava os textos e participações em podcast como Daria Platonova.

“Ela era uma excelente publicitária, […] uma especialista autorizada e uma digna sucessora do trabalho de seu pai.”

O atentado à filha do filósofo despertou a fúria dos aliados de Vladimir Putin. Imediatamente após a notícia, o governo da Ucrânia negou envolvimento na explosão, mas não adiantou.

O chefe da autoproclamado República de Donetsk, o ucraniano Denis Pushilin, disse que o crime foi cometido por “terroristas do regime ucraniano” que tentaram matar o filósofo.

Margarita Simonyan, chefe da estação de televisão RT, que muitos comentaristas dizem ser “mais pró-Putin do que o próprio Putin”, escreveu que “eles explodiram a filha de Dugin”.

E pediu ataques contra os “centros de tomada de decisão” em Kiev.

As ideias de Alexander Dugin

Em um artigo publicado logo após o inicio da guerra no jornal britânico The Guardian, o professor de filosofia da Universidade de Yale Jason Stanley, autor do livro “Como funciona o Fascismo”, apontou Alexander Dugin, junto com Alexander Prokhanov, como figuras centrais para a ideologia de Putin.

“É fácil reconhecer, na invasão da Ucrânia por Putin, o roteiro traçado nos últimos anos por Dugin e Prokhanov […].

Tanto Dugin quanto Prokhanov viam uma Ucrânia independente como uma ameaça existencial ao seu objetivo, que Timothy Snyder, em seu livro de 2018 The Road to Unfreedom, descreve como “um desejo pelo retorno do poder soviético em forma fascista”.

Segundo o professor, “a forma de fascismo russo defendida por Dugin e Prokhanov é como as versões centrais do fascismo europeu – explicitamente antissemita. 

“A versão dominante do anti-semitismo viva em partes da Europa Oriental hoje é que os judeus empregam o Holocausto para aproveitar a narrativa de vitimização das vítimas “reais” dos nazistas, que são cristãos russos (ou outros europeus orientais não judeus). 

Stanley afirma que “aqueles que abraçam a ideologia nacionalista cristã russa são especialmente suscetíveis a esse tipo de antissemitismo.”