Londres – A dois dias do enterro da rainha Elizabeth, a fila para ver o caixão e os acontecimentos em torno dela continuaram como principal assunto dos jornais, TVs e redes sociais, com direito uma hashtag no Twitter, #TheQueue.
Na manhã deste sábado, a principal notícia é a espera é de 24 horas para chegar ao salão do Parlamento onde está o caixão.
As autoridades estão pedindo às pessoas para não irem mais ao centro de Londres para tentar um lugar. Com o estímulo involuntário da mídia, no entanto, vira um pedido difícil de atender.
As emissoras de TV continuam transmitindo imagens ao vivo da fila e uma repetição interminável de entrevistas com pessoas que aguardam para prestar a última homenagem ou que já o fizeram. A pauta se tornou um espetáculo de falta de criatividade jornalística, se é que dá para ser criativo nessa situação.
Caminhando desajeitadamente junto com os entrevistados, repórteres fazem as perguntas óbvias: “por que você veio aqui?” ou “há quantas horas você está” ou ainda “está sendo cansativo?”.
Na saída, as perguntas são sobre as impressões. E as respostas são as esperadas, pois quem se atreveria a dizer que está na fila para ver alguém que não admira ou que não gostou do que viu?
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A cobertura da fila é um reflexo do show midiático planejado para os funerais de uma rainha que atravessou todas as eras das tecnologias de mídia.
Há eventos planejados para cada um dos 10 dias entre a morte e o enterro, a fim de criar novos focos de interesse para jornais, TVs e redes sociais.
Algumas surpresas – agradáveis – acontecem, como a “descoberta” do ex-jogador de futebol David Beckham esperando na fila por 13 horas para se despedir da rainha.
A história virou hit nas redes sociais e nas TVs, e foi registrada em todos os jornais, alguns com chamadas na capa.
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Outras notícias são preocupantes, como o esfaqueamento de dois policiais, o homem que tentou se aproximar do caixão e foi detido na noite de sexta-feira e outro preso ao assediar mulheres na fila.
O cerimonial programou três eventos para ontem: uma visita do príncipe Charles ao País de Gales, parte de seu tour por todas as nações do reino; um encontro dos príncipes William e Kate com tropas de países importantes da Commonwealth e uma vigília dos filhos da rainha Elizabeth, em horário nobre.
https://twitter.com/RoyalCentral/status/1570848450253819907?s=20&t=7-A7jMb2-hyFfrDMRi1XSA
Apesar da importância política da visita a Gales, a vigília recebeu mais atenção da mídia impressa, com três jornais optando pela foto do rei Charles contrito em sua primeira página.
Mas nem todos os jornais seguiram o roteiro de endeusamento da monarquia e da rainha Elizabeth. O The Guardian voltou a desafiar a narrativa oficial, questionando a presença do governante da Arábia Saudita acusado de violações dos direitos humanos.
Veja como os jornais noticiaram os funerais da rainha Elizabeth
O The Guardian deu no sábado mais espaço para a morte da rainha Elizabeth do que nos outros dias, mas não como os assessores do Palácio de Buckingham gostariam. O jornal destaca as críticas à vinda do do príncipe saudita Mohammed bin Salman a Londres para homenagear Elizabeth II.
O movimento partiu de Hatice Cengiz, companheira do jornalista Jamal Khashoggi, que foi assassinado dentro da embaixada saudita em Istambul supostamente a mando do governante. A presença do líder foi condenada por Cengiz e por grupos de direitos humanos como uma “mancha” na memória do monarca.
O tema é espinhoso para a monarquia, que tem ligações de amizade com a realeza árabe em vários países, e particularmente para o rei Charles, que recentemente se envolveu em controvérsias envolvendo doações de milionários árabes para a sua fundação beneficente.
Na outra metade da capa do Guardian foi mais ameno, com a foto de David Beckham e sua tentativa de ficar anônimo com um boné tradicional.
No momento da foto, ele já tinha sido descoberto e agentes de segurança tentavam fazer a fila andar.
A fila de 24 horas para ver a rainha Elizabeth foi a chamada do jornal i, mas o subtítulo já aponta para o futuro, repercutindo declaração do rei Charles feita na sexta-feira sobre sua preocupação com o custo de vida, maior problema do Reino Unido neste momento.
Embora o rei não tenha poderes de governo, expressar preocupação com o povo é um bom movimento para neutralizar a percepção de uma monarquia desconectada da realidade dos súditos.
O jornal também destacou a queda da libra e os problemas econômicos vividos pelo país que tem um novo rei como chefe de Estado, substituindo a rainha Elizabeth em um momento difícil da vida da nação.
O tabloide Daily Star faz uma brincadeira com a suposta paixão dos britânicos por filas, com uma chamada dizendo que os britânicos estão fazendo o que fazem melhor.
O jornal mostra a segunda fila que se formou depois que a fila “oficial” foi fechada durante seis horas na manhã de sexta-feira para dar vazão aos que já estavam aguardando para ver o caixão da rainha Elizabeth.
E destaca também a celebridade da fila, Beckham. O ex-jogador parece ter uma sincera admiração pela rainha, tendo sido condecorado com a OBE (Order of the British Empire), mas a publicidade favorável vem em boa hora, depois de uma controvérsia sobre um contrato para promover a Copa do Catar.
Mais sério, o jornal Financial Times não tem no sábado manchete sobre a morte da rainha Elizabeth, mas escolheu a foto da fila com a London Bridge ao fundo para ilustrar sua capa, com uma legenda que fala da impressionante espera de 24 horas.
London Bridge é o nome do plano para os funerais da rainha Elizabeth.
Diferentemente dos outros jornais, no The Times a foto é a da sempre estrela Kate, em visita a tropas da Austrália, Nova Zelândia e Canadá, um ato político estratégico para reforçar os laços com nações onde movimentos para não ter mais um monarca inglês como chefe de Estado ganham força depois da morte da rainha Elizabeth.
O príncipe William estava junto, mas o jornal preferiu uma capa estética, com a elegante Kate em uma simbólica pose com a mão sobre o coração.
A reportagem principal, no entanto, também é sobre a fila, assinada pelo colunista político Quentin Letts. A manchete é emocional: “Silêncio fala alto”, abrindo um texto em primeira pessoa e cheio de poesia que não costuma ser o padrão de uma reportagem de primeira página de jornal diário importante.
Na coluna lateral, o The Times compensa a poesia com notícia, destacando a preocupação do rei Charles com o custo de vida.
“Uma nação” é a chamada da capa do jornal Daily Mirror, inteiramente ocupada por uma foto do rei diante do caixão da Rainha Elizabeth e fotos menores com momentos da fila durante o dia. O texto salienta a união do país em um “derramamento de amor e respeito”.
O mesmo tom emocionado foi usado pelo Daily Express, com a mesma foto e um singelo “Estaremos sempre com você, senhora”.
No jornal Daily Telegraph o título é “Devoção ao Dever, e o texto destaca as milhares de pessoas que estão enfrentando uma fila de 24 horas para homenagear a rainha Elizabeth. E menciona a celebridade David Beckham.
A imagem é a dos filhos diante do caixão. E a exemplos dos últimos dias, a parte inferior da capa traz outros assuntos que não são a morte da rainha.
Mas ela é tema de um especial de 76 páginas, destacado no alto da primeira página. Encartes volumosos estão sendo publicados todos os dias por vários jornais, fazendo a alegria da indústria editorial.
O jornal tabloide The Sun dedica toda a sua primeira página à imagem dos filhos da rainha Elizabeth em torno do caixão, com o título “Rei e país dizem adeus”.
No texto, uma referência à sorte que alguns súditos tiveram ao presenciar o exato momento em que a vigília dos filhos aconteceu.
E no alto, uma chamada para uma reportagem sobre os últimos dias da rainha em Balmoral.
O que aconteceu nesses dias e a causa da morte da rainha Elizabeth continuam um mistério – e assim como os demais jornais, o The Sun não trouxe nada para esclarecer.
A reportagem interna apresenta apenas um foto inédita, da rainha assistindo a uma banda de gaitas sob um gazebo. Segundo o jornal, a imagem foi feita por um convidado.
O texto é uma repetição de fatos já noticiados e fala de jantares ocorridos dias antes da morte, em que a monarca estava alegre e animada, porém com médicos de plantão.
O The Sun não não especula nem informa sobre a causa da morte, um segredo que continua guardado a sete chaves e que a mídia britânica não parece interessada em revelar enquanto em outros países versões diversas se proliferam.
A causa da morte do príncipe Philip, aos 99 anos, também não foi informada oficialmente, mas o atestado de óbito registrou “velhice”.
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