Londres – Pelo menos 18 jornalistas estão entre os mais de 1,3 mil detidos na Rússia no dia 21 de setembro, quando manifestações contra a convocação de reservistas para lutar na guerra da Ucrânia declarada pelo presidente Vladimir Putin ocorreram em mais de 40 cidades.

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), uma das entidades que protestou contra as prisões, informou que a maioria dos presos usava coletes de identificação e portava crachás de profissionais de imprensa. 

Alguns foram agredidos na rua ou submetidos a condições desumanas durante a detenção, como relatou um dos profissionais presos, editor do jornal Novaya Gazeta. Ao mesmo tempo, o governo emitiu comunicado alertando a mídia para relatar os protestos usando apenas informações oficiais. 

Jornalistas agredidos nos protestos contra convocação de Putin

A organização de direitos humanos OVD-Info, que monitora ameaças jurídicas e prisões arbitrárias na Rússia, contabilizou diversos casos de jornalistas alvo de violência física na cobertura das manifestações. 

Um deles, Denis Lipa, foi espancado em Moscou pela polícia ao mostrar seu cartão de imprensa, segundo o registro da entidade. 

Outro, Artem Krieger, que estava transmitindo ao vivo para a rede SOTA-Vision, foi preso, acusado de obstruir o tráfego e recebeu uma convocação para comparecer ao escritório de registro militar.

Na manhã desta sexta-feira (23) o Ministério da Defesa anunciou que “russos que trabalham na área de TI, informação e comunicações, mídia, em organizações que garantem a estabilidade do sistema nacional de pagamento e da infraestrutura do mercado financeiro não serão chamados para o serviço militar como parte da mobilização”. Mas vale apenas para a mídia estatal. 

Oficialmente, os jornalistas russos sequer contam com uma organização trabalhista para defendê-los. Há uma semana o governo conseguiu na justiça uma ordem de dissolução do Sindicato de Jornalistas, afiliado à Federação Internacional.

Mesmo com a organização sindical oficialmente encerrada, seu secretário-geral, Andrei Jvirblis, manifestou-se contra a violência durante a coberturas dos protestos pela convocação de reservistas pelo Governo Putin. 

“Esta não é a primeira vez que testemunhamos a polícia tratar jornalistas que cobrem protestos como manifestantes”. 

Jvirblis disse que em alguns casos isso pode ser explicado por desconhecimento dos policiais, que não identificam claramente representantes da imprensa, “mas desta vez o desejo de suprimir qualquer informação sobre os protestos contra a política das autoridades é óbvio”:

“Uma sociedade privada de canais de informação se assemelha a um organismo cujos reflexos de dor são atrofiados. Tal situação é fatalmente perigosa.”

A presidente da IFJ, Dominique Pradalie, considera a onda de prisões “totalmente chocante e outra tentativa flagrante de silenciar a verdade”.

Jornalista preso relata cárcere 

Os presos estão sendo mantidos em condições desumanas, segundo o OVD-Info. Alguns foram deixados em vagões de arroz e outros em celas com insetos. 

O editor-chefe do Novaya Gazeta em São Petersburgo, Serafim Romanov, uma das vítimas, fez um relato via Telegram sobre as condições de detenção e a tortura psicológica a que os manifestantes foram submetidos. 

O jornal fundado pelo vencedor do prêmio Nobel da Paz de 2021, Dmitry Muratov, perdeu seu registro de mídia, mas muitos profissionais continuam tentando informar o público por meio das redes sociais. 

O editor foi preso por cinco dias, acusado de “violar o procedimento para a realização de uma ação pública”.

Romanov relatou que por mais de um dia os presos “foram carregados como lenha”.

“Fomos detidos [no dia 21]  por volta das 21h e passamos a noite no departamento policial. Eram 50 pessoas em um quarto, onde não havia lugar para deitar. Comida e água eram levadas por voluntários.

Durante toda a noite as pessoas foram levadas a preencher questionários, cumprir protocolos, tirar fotos e colher impressões digitais. Depois da meia-noite fomos finalmente levados ao Tribunal Distrital de Kalinin, uma viagem de três horas em um ônibus.

Enquanto todos eram convocados um a um para a audiência com o juiz, os já condenados ficavam presos, sem comida nem água, pois a entrega de pacotes não era permitida. 

Então eles começaram a tirar fotos e cumprir protocolos novamente. Assim, mais seis horas se passaram.”

Romanov disse que na hora em que escreveu, estava sentado em um ônibus parado, que supostamente os levaria a um centro de detenção. 

“Como resultado, 30 pessoas não dormiram e não se alimentaram adequadamente por mais de um dia, algumas ficaram realmente doentes. É claro que eles estão deliberadamente zombando de nós”.

O discurso oficial sobre os protestos 

Além de prender e intimidar jornalistas, o regime de Vladimir Putin tenta controlar as narrativas sobre os protestos contra a convocação para a guerra. 

Em um comunicado dirigido “à imprensa e a outros recursos de informação” publicado em seu site, o órgão de controle de mídia russo ameaça os que veicularem conteúdo em desacordo com as versões oficiais. 

O texto diz: 

O Roskomnadzor informa sobre a necessidade de usar informações e dados obtidos exclusivamente de órgãos executivos federais e regionais ao preparar e publicar materiais relacionados a atividades de mobilização no território da Federação Russa.

Os escritórios editoriais da mídia são obrigados a estabelecer sua confiabilidade antes da publicação de materiais de acordo com o Artigo 49 da Lei de Mídia.

O órgão regulador alerta sobre as punições, lembrando que ” a disseminação de informações falsas implica responsabilidade nos termos do Artigo 13.15 do Código de Infrações Administrativas da Federação Russa”. 

E que “a disseminação de informações falsas na Internet implica o bloqueio imediato de tais materiais de acordo com o Artigo 15.3 da Lei Federal No 149-FZ “Sobre Informação, Tecnologias da Informação e Proteção da Informação.”