Quatro meses depois do trágico assassinato da jornalista palestina Shireen Abu Akleh, da TV Al Jazeera, a família da repórter apresentou uma denúncia sobre o crime ao Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido como Tribunal de Haia.

A morte da jornalista também foi alvo de um novo relatório independente que atribuiu a autoria do disparo letal contra Shireen a um soldado israelense, que atirou de forma deliberada contra a profissional de imprensa.

A investigação conduzida pelo grupo britânico Forensic Architecture em parceria com a ONG palestina de direitos humanos Al-Haq foi anexada na queixa entregue ao TPI pelos familiares da jornalista.

Morte de jornalista palestina pode não ficar impune

Segundo a Unesco, 86% de assassinatos de jornalistas ocorridos entre 2006 e 2020 permanecem sem solução.

Levantamento do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) trouxe um recorte mais assustador: na última década, cerca de oito a cada dez assassinatos de jornalistas no mundo não receberam qualquer punição.

Mas o caso de Shireen Abu Akleh deve ser um ponto fora da curva, já que a família da estrela da televisão árabe e entidades internacionais seguem pressionando as autoridades israelenses para investigarem o crime.

A repórter da TV Al Jazeera morreu após ser baleada na cabeça por forças do Exército de Israel, no dia 11 maio, durante a cobertura de um ataque na Cisjordânia ocupada.

Em entrevista à imprensa em frente ao TIP, em Haia, na Holanda, o irmão de Abu Akleh, Anton, disse que faria o que fosse necessário para garantir a solução de seu assassinato:

“Como dissemos antes, e como outros relatórios mostraram, houve mais de 16 tiros disparados contra Shireen e seus colegas de imprensa que estavam no local.

Ela estava com o traje completo, claramente identificada como ‘imprensa’. Qualquer pessoa que atire contra a imprensa tem a intenção de matar.”

A irmã da jornalista, Lina, também tem sido incansável em cobrar responsabilidades e participar de eventos internacionais para pressionar autoridades. 

A denúncia da família da jornalista palestina ao Tribunal de Haia foi apoiada pelo Sindicato da Imprensa Palestina e pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ).

Em abril, o FIJ já havia solicitado ao TPI que iniciasse uma investigação sobre “a perseguição sistemática, mutilação e assassinato de jornalistas e destruição de infraestrutura de mídia na Palestina”.

“Shireen foi morta apenas alguns dias depois que o promotor do TPI reconheceu o recebimento da primeira queixa”, diz a federação.

A FIJ explica que, em fevereiro, o Tribunal de Haia decidiu que sua jurisdição criminal se estendia à “situação na Palestina” e que seu escopo territorial cobria alegações ocorridas em “Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental”.

“Isso apresenta, pela primeira vez, uma oportunidade real para a responsabilização da suposta política de Israel de atacar jornalistas e pode levar a uma investigação formal pelo promotor do TPI e possíveis processos.”

Dessa forma, a organização acredita que o país deve ser responsabilizado por violar a lei internacional contra crimes à imprensa.

No final de maio, a Al Jazeera, emissora na qual Shireen trabalhou por mais de duas décadas, também apresentou queixa ao TPI sobre a morte da jornalista.

Mais um relatório atribui culpa a Israel

Divulgado na mesma semana que a família da jornalista palestina acionou o Tribunal de Haia, o relatório do Forensic Architecture em parceria com Al-Haq concluiu suas investigações apontando que um soldado israelense foi o responsável por atirar contra Shireen de forma proposital.

O governo de Israel já reconheceu que provavelmente partiu de suas tropas o tiro que matou a repórter, no entanto, nega que o ato tenha sido deliberado.

A investigação independente foi apresentada com a reconstituição do crime em vídeo.

A partir de relatos oficiais, imagens inéditas fornecidas pela Al Jazeera e entrevistas com testemunhas, os grupos concluíram que pelo menos 13 balas supostamente foram disparadas de um veículo blindado israelense que estava a cerca de 200 metros de Shireen e seus colegas jornalistas.

Tiros que mataram jornalista palestina foram disparados de um buraco na lateral de um veículo blindado MDT David Toyota (Foto: Divulgação/Forensic Architecture e Al-Haq)

Análise da trajetória das balas, quatro das quais atingiram uma árvore ao lado de Shireen, sugere “mira cuidadosa e precisa” do atirador que repetidamente alvejou os jornalistas “em rápida sucessão”, diz o relatório.

“Todos os tiros foram apontados acima dos ombros e tinham a intenção de matar”, acrescenta. O documento ainda apresenta uma reconstrução da linha de visão de um soldado através da mira de um rifle que indica que os coletes dos jornalistas com a palavra “imprensa” seriam visíveis.

As imagens reunidas pelos grupos mostraram que um civil que tentou ajudar a jornalista da Al Jazeera após ela ser baleada era alvejado toda vez que entrava na linha de visão do atirador — sugerindo que as forças israelenses impediram os primeiros-socorros a Shireen. Acesse a íntegra do relatório aqui.

Um civil foi baleado três vezes ao tentar ajudar Shireen (Foto: Divulgação/Forensic Architecture e Al-Haq)

Outras investigações independentes foram realizadas por diversas organizações, incluindo a ONU, CNN e New York Times. 

Em julho, análise forense conduzida pelo governo dos EUA apontou que a repórter de 51 anos foi morta por um tiro que partiu das forças israelenses, porém, afirma não ter sido possível descobrir se o disparo foi intencional.

Entidades defensoras da imprensa, autoridades da Palestina e a família da jornalista da Al Jazeera questionaram a investigação norte-americana.

“Não há mistério sobre o que aconteceu com Shireen, exceto pelo nome real e identidade de seu assassino”, afirmou o irmão de Shireen, Anton, à Al Jazeera, em Haia, nesta semana.

“Israel não pode investigar seus próprios crimes e é hora de a comunidade internacional tomar uma posição e responsabilizar esses responsáveis”, disse ele.

“Precisamos de uma investigação dos EUA e do TPI para responsabilizar Israel.”