Faltando um mês para o início da Copa do Mundo no Catar, entidades que defendem a liberdade de imprensa cobram o governo do país para garantir que jornalistas trabalhem sem restrições e em segurança, principalmente as mulheres.

O credenciamento para os profissionais que irão cobrir o evento foi criticado por exigir que os veículos aceitem uma série de medidas para evitar que reportagens desagradáveis à imagem do país sejam produzidas.

A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) denuncia que as exigências são uma forma de o governo do Catar desencorajar os jornalistas a trabalharem fora dos estádios.

‘Forma engenhosa’ de censurar jornalistas no Catar, diz RSF

A RSF aponta que, oficialmente, o Catar cedeu nas restrições de trabalho para jornalistas estrangeiros, mas encontrou uma “forma engenhosa” de limitar o trabalho deles.

Uma prévia das autorizações de filmagens para a imprensa, a qual a ONG teve acesso, proibia a produção de reportagens “inadequadas ou ofensivas à cultura do Catar e aos princípios islâmicos”.

Outra norma que era temida pelos profissionais de mídia era a indicação pelas autoridades de quais regiões, ruas ou bairros que os jornalistas poderiam filmar. No credenciamento de imprensa oficial, ambas regras não existem.

No entanto, um comunicado publicado no site oficial de solicitação das credenciais dá o tom da pressão que os veículos estrangeiros sofrerão no país: os jornalistas não poderão nem filmar nem fotografar em “propriedades residenciais, empresas privadas e áreas industriais”.

A proibição da imprensa em “áreas industriais” tem relação com a repercussão na mídia internacional das denúncias de trabalho escravo de operários estrangeiros acomodados em alojamentos de projetos da Copa, segundo a RSF.

O credenciamento de imprensa para a cobertura do evento esportivo também proíbe o acesso de jornalistas a “áreas restritas onde a filmagem requer autorização prévia” e em “qualquer local com sinalização ou dispositivo de segurança indicando que é proibido fotografar ou filmar”.

Qatar Media Portal

A ONG destaca que, para conseguir cadastrar os jornalistas que serão enviados para a Copa, os veículos de comunicação devem primeiro concordar com uma série de condições:

“Ao enviar este formulário, você/sua organização concorda com os seguintes termos:

– Apenas filmar/fotografar em locais autorizados

– Não filmar/fotografar nos locais excluídos listados acima

– Respeitar a privacidade das pessoas e não interferir em suas vidas pessoais ou filmá-las ou a seus bens sem sua prévia e expressa autorização

– Respeitar as leis do Catar”

Procurado pela RSF, o órgão responsável pela organização da Copa do Mundo (Comitê Supremo de Entrega e Legado, SC) garantiu que as autoridades catarenses não preveem nenhuma restrição à liberdade de imprensa ou de expressão para os jornalistas estrangeiros.

“Como em todo o mundo, filmar em propriedade privada é permitido, mas requer consentimento do proprietário ou entidade responsável pela propriedade”, diz o SC.

“Embora aparentemente banais, as restrições, o teor vago e as imprecisões em torno da redação das condições de reportagem permitem que as autoridades as interpretem como bem entenderem e até modifiquem sua aplicação”, afirma a RSF.

“Na prática, ao qualificar certas áreas como ‘privadas’, ‘propriedades residenciais’, ‘empresas privadas’ ou ‘áreas industriais’, sem especificar quem são os proprietários, permite, por exemplo, proibir as equipes de televisão que viajarem para o Catar na época da Copa do Mundo de entrevistar pessoas em suas residências.”

Mesmo em situações normais, obter licenças de filmagem requer a passagem por um “complexo labirinto burocrático”, segundo um jornalista estrangeiro baseado no Catar, que falou com a ONG sob condição de anonimato.

“Assim, as autoridades do Catar desencorajam os jornalistas a irem em lugares que possam ser fontes de constrangimento para o Estado, especialmente as zonas industriais, onde vivem os trabalhadores do país”, afirma a RSF.

“A última coisa que o governo do Catar quer é ver milhares de jornalistas vagando pelos alojamentos dos trabalhadores com suas câmeras”, explicou o jornalista anônimo.

“Ao mesmo tempo, eles sabem que não podem impedir os jornalistas de irem lá sem atrair mais atenção. É por isso que tentam dar a impressão de que nada é proibido, mantendo essas restrições.”

FIJ alerta para a segurança das jornalistas mulheres

Em outra vertente de preocupação com a imprensa estrangeira no Catar, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) alertou o presidente da Fifa sobre os riscos de sexismo e discriminação durante a Copa do Mundo.

Em carta enviada para o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a presidente da FIJ, Dominique Pradalie, e a presidente do Conselho de Gênero, Maria Angeles Samperio, destacaram a necessidade de erradicar no país qualquer discriminação, inclusive a de gênero, que atinge também as mulheres jornalistas:

“Estamos cientes da complexidade de organizar um evento como esse e das controvérsias que surgiram sobre a escolha de um país que está longe de respeitar a igualdade de gênero, bem como os esforços feitos para superar essa situação.

No entanto, devemos insistir no respeito aos direitos humanos dos profissionais de imprensa, tanto para quem vem do exterior quanto para quem trabalha localmente.

A este respeito, nos parece essencial que a organização deste evento assegure a erradicação de qualquer discriminação, incluindo as baseadas no gênero e no que diz respeito aos profissionais de comunicação.

Além disso, gostaríamos de estender nossa demanda por igualdade de gênero aos próprios jogadores de futebol, às equipes dos diferentes países e aos espectadores dos jogos.”

A preocupação das entidades leva em consideração o histórico do Catar: no último Ranking de Liberdade de Imprensa da RSF, o país foi classificado em 119º na avaliação de 180 países. A ONG atribuiu a posição à constantes censura e repressão que os profissionais da mídia enfrentam.

Além disso, o país não garante direitos a pessoas LGBT e criminaliza a homossexualidade até com pena de morte. Por isso, desde que o Catar foi anunciado como sede da Copa do Mundo 2022, ativistas gays manifestaram preocupação com a recepção dos turistas LGBT no país.

As autoridades já declararam que o público gay será “bem-vindo” para a competição de futebol. No entanto, beijos em público já foram proibidos e até bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo clássico da comunidade homossexual, podem ser banidas dos estádios.