Londres – Um tribunal da Rússia condenou nesta terça-feira (1º) a Wikipédia por não remover conteúdos relacionados à guerra na Ucrânia, segundo informações da agência de notícias russa Interfax.
A Wikimedia Foundation, dona da plataforma, foi multada em 2 milhões de rublos (cerca de R$ 166 mil) por não retirar do ar páginas com “informações falsas” sobre o conflito.
O diretor da Fundação Wikimedia em Moscou, Vladimir Medeiko, disse à agência de notícias AFP que a decisão do tribunal “será contestada na Justiça” e “ninguém removerá” as páginas.
Assim como a imprensa, Wikipédia virou alvo na Rússia
No primeiro semestre, a Wikipédia já tinha sido condenada a pagar 5 milhões de rublos (cerca de R$ 330 mil) pelo mesmo motivo, comp parte de uma sequência de perseguições que se intensificou depois da guerra com a Ucrânia.
Na época, a organização também contestou a decisão alegando que as “informações na Wikipédia devem ser protegidas pela liberdade de expressão e não constituem desinformação”, como o governo russo alegou no processo.
Agora, segundo a agência de notícias russa Interfax, um tribunal de Moscou impôs nova multa à Fundação Wikimedia, sediada nos EUA, por “não ter removido informações proibidas” em páginas exibidas no país.
O tribunal disse que a penalidade foi baseada na “falha em remover dois artigos da Wikipédia contendo informações falsas sobre a operação especial na Ucrânia”.
Apesar de a Interfax não detalhar quais são os artigos apontados pelo tribunal, em junho, a Wikimedia afirmou que o governo russo pedia a remoção das páginas: Invasões Russas à Ucrânia (2022), Pólvora Negra, Batalha por Kiev, Crimes de Guerra durante a Invasão Russa da Ucrânia, Bombardeio do Hospital em Mariupol, Bombardeio do Teatro Mariupol e Massacre em Bucha.
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Pelo descumprimento, o Roskomnadzor, órgão regulador da mídia, afirmou à Interfax que “medidas coercitivas foram tomadas” contra a fundação.
Da mesma forma e sem detalhar o conteúdo ilegal, “medidas coercitivas semelhantes” também foram aplicadas hoje à Twitch, plataforma de vídeos da Amazon.
No mês passado, a Twitch foi multada por exibir uma entrevista com um político ucraniano, segundo noticiado pela Reuters na época.
Desde o início de 2021, a recusa em remover “conteúdo ilegal” na Rússia resultou em multas e bloqueios de sites e redes sociais como o Google, Telegram, Facebook, Twitter e TikTok.
Além das plataformas estrangeiras e páginas na internet, a repressão a veículos de comunicação aumentou na Rússia desde o início da guerra contra a Ucrânia.
O governo do presidente Vladimir Putin tenta controlar as informações as quais a população tem acesso sobre o conflito, chamado pelas autoridades do país de “operação especial”.
Em março, o parlamento aprovou uma lei que pune com até 15 anos de prisão quem divulgar qualquer narrativa sobre a invasão que não seja validada pelo Kremlin.
As informações não autorizadas passaram a ser classificadas como “fake news”. Empresas de mídia, jornalistas e até indivíduos blogueiros passaram a ser perseguidos.
É com base nessa lei que o Tribunal de Moscou condenou a Wikimedia Foundation, entidade filantrópica com sede em São Francisco, nos EUA, por infração administrativa ao não remover informações “proibidas” da Wikipédia.
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Diretor da Wikipédia relata perseguição
Em entrevista recente ao site independente russo Meduza, o diretor da Wikipédia Rússia, Stanislav Kozlovsky, relatou a tentativa da Rússia de censurar a enciclopédia livre.
Ele conta que governo russo começou a pressionar a Wikipedia em 2012, quando a “ lei da lista negra ” foi aprovada. Em 2013, a Wikipedia foi adicionada ao registro de sites proibidos, onde permanece.
“Nos últimos dez anos, por causa de certos artigos na Wikipédia, o governo russo tinha o poder de bloquear o site a qualquer momento.
Por exemplo, o artigo (verbete) sobre suicídio explica o que é suicídio e inclui uma lista de métodos. Isso seria suficiente para bloquear.
Além disso, a Wikipedia usa o protocolo https, impedindo bloquear fisicamente um artigo individual; fazer isso resultaria no bloqueio de todo o site.”
Kozlovky disse que o Roskomnadzor costumava se comunicar com a equipe regularmente. “Eles ligavam e nós explicávamos que o artigo que os preocupava não continha nada ilegal”, explicou.
“Quando o artigo “Fumar cannabis” foi banido, em 2013, fui ao Roskomnadzor e passamos por todas as fases consecutivas e mostramos a eles os links para o site Federal Drug Control. Nos últimos anos, não ouvimos nada deles. Eles nos enviam notificações de violações e pronto.”
Enquanto o governo russo trava uma batalha judicial com a Wikipédia, uma alternativa local da enciclopédia online entrou no ar no país, absorvendo conteúdo da versão original.
A Runiversalis opera em servidores russos e respeita a legislação da Federação Russa e valores tradicionais.
“Isso significa que qualquer tentativa de dar aos artigos um viés liberal de esquerda e centrado no Ocidente será interrompida”, disse o deputado Anton Gorelkin, Vice-Presidente do comitê de informação da Duma (Parlamento) ao apresentar a ferramenta para os parlamentares.
O site diz ter agora mais de meio milhão de artigos publicados.
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