Londres – No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, comemorado em 25 de novembro, a Federação Internacional de Jornalistas fez um apelo a organizações de mídia de todo o mundo para que tornem o combate ao abuso online uma prioridade nas redações e desenvolvam medidas concretas para erradicá-lo.
Mais de 60% das mulheres jornalistas enfrentaram abuso on-line durante sua carreira, de acordo com as estatísticas da IFJ. A organização também cobra dos governos a ratificação da Convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que contém dispositivos sobre o abuso online.
Um estudo feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji),com apoio do Global Media Defence Fund da Unesco, constatou que 127 profissionais e meios de comunicação foram alvo de 119 atos de violência de gênero e ataques contra mulheres jornalistas no Brasil em 2021, voltados sobretudo para as que cobrem política.
Abuso online atinge jornalistas e familiares
Os ataques físicos acontecem, mas o abuso online é a forma mais comum de violência, atingindo não apenas as jornalistas mas também seus familiares, que recebem ameaças e ataques nas redes sociais.
“Há uma necessidade urgente de apoiar as mulheres que enfrentam abuso online. Existem conexões diretas entre ameaças online e violência offline e isso é algo que as mulheres não devem enfrentar sozinhas, diz o comunicado”.
A violência foi um dos temas debatidos na conferência do Conselho de Gênero IFJ sobre Mulheres nos Sindicatos, que aconteceu no dia 22 de novembro. O encontro online reuniu jornalistas e ativistas sindicais de todo o mundo.
A conferência fez parte da campanha global da IFJ Abuso on-line: precisamos conversar.
O abuso onine tem como alvo mulheres de todas as origens políticas, religiosas e étnicas, como salienta a organização sindical. Um dos principais aspectos desses ataques é que eles são de gênero e sexualizados.
Esses atos de violência não visam apenas intimidar e silenciar as mulheres na mídia, mas seus efeitos arrepiantes contribuem para matar reportagens e privar o público de informações, minando assim o pluralismo e o direito à informação.
O IFJ destacou a falta de apoio de redações e colegas de mídia quando uma jornalista enfrenta abuso online. Poucas relatam os ataques e, quando são relatados, muito pouca ação é vista, diz a entidade.
Uma pesquisa feita pela Federação em 2018 mostrou que apenas metade das vítimas de abuso online (53%) relataram os ataques à administração da mídia, ao sindicato ou à polícia, e em dois terços dos casos nada foi feito.
Maria Angeles Samperio, presidente do Conselho de Gênero da IFJ, reforçou a necessidade de atitudes por parte das empresas jornalísticas:
“Ouvimos repetidamente as histórias assustadoras de colegas sobre abuso online. Vemos colegas deixando a profissão, sofrendo transtornos de estresse por trauma.
É hora de as organizações de mídia adotarem políticas concretas para combater esse mal e apoiar sua equipe feminina, seja ela empregada ou freelancer. Esta não é uma situação que qualquer mulher deveria enfrentar sozinha. O abuso online não faz parte do trabalho.”
Os governos também têm responsabilidade no combate ao assédio, que faz parte da Convenção 190 da OIT. A presidente da organização, Dominique Pradalie, disse:
“Vinte e um países do mundo ratificaram esta Convenção e muitos países que se autodenominam democracias não o fizeram. Instamos os governos a ratificarem a Convenção 190 e sua recomendação 206 como instrumentos exclusivos para combater a violência contra as mulheres no mundo do trabalho.
Não podemos ficar em silêncio quando muitas de nossas colegas recebem abusos online e offline associados ao seu trabalho. É de interesse público garantir que leis sólidas erradicam a violência. E os jornalistas precisam muito deles.”
O Brasil não está entre os que assinaram a Convenção. Dos que já assinaram, a maioria ainda não adotou a legislação localmente. É o caso do Reino Unido e do México.
Na América Latina, região em que a violência contra jornalistas disparou, vários países além do México já ratificaram: Argentina, Equador, El Salvador, Peru e Uruguai. Na Argentina, segundo a OIT, a legislação já está em vigor.
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Recomendações para combater a trolagem
O IFJ publicou um conjunto de recomendações para que a mídia e os sindicatos tomem medidas firmes, incluindo a criação de procedimentos no local de trabalho, treinamento em segurança digital e pressão sobre as plataformas online para maior notificação e adoção de medidas. Veja aqui algumas delas.
Organizações de mídia
➢ Verificar a legislação para identificar quais recursos estão legalmente disponíveis para jornalistas que sofrem abuso online e divulgá-los amplamente em sua redação
➢ Fornecer mecanismos nos locais de trabalho para mulheres jornalistas se manifestarem contra o abuso, incluindo pessoal dedicado e treinado para ouvir. Isso inclui:
– a criação de uma célula cibernética para analisar denúncias, fornecer suporte e organizar uma resposta ao agressor
– a adoção, em consulta com funcionários e sindicatos, de políticas sobre assédio online e orientação para lidar com o problema
– a informação e formação de toda a equipe sobre estas políticas
➢ Responder oficialmente, como organização de mídia, aos ataques online para que os abusadores vejam que seu alvo não está isolado. Mensagens de apoio devem ser enviadas ao jornalista abusado em seu feed de mídia social, não como mensagens privadas, para dar visibilidade
➢ Definir e adotar diretrizes adequadas sobre moderação de comentários online, incluindo a conceituação sobre o que são atos de misoginia. A equipe de moderação dee ser composta por mulheres e funcionários que representem a diversidade
➢ Tratar o abuso online no local de trabalho como uma questão de saúde e segurança
➢ Fornecer suporte total a profissionais que sofram abuso, incluindo freelancers, mesmo depois do fim do trabalho contratado
➢ Avaliar como a violência de gênero é retratada na produção jornalística e discutir o tema com a equipe
➢ Avaliar a posição das mulheres em papéis de liderança na empresa e assegurar igualdade de gênero nas políticas de recrutamento
Sindicatos e associações de classe
➢ Analisar a legislação nacional para identificar como o trolling online é coberto e as ferramentas para enfrentá-lo
➢ Apoiar seus membros que desejarem levar seus casos à justiça ou aos mecanismos de reclamações no local de trabalho
➢ Intensificar a campanha pela ratificação da Convenção 190 da OIT sobre violência e assédio
➢Criar um programa para mulheres jornalistas se manifestarem contra os abusos que sofrem, incluindo pessoal dedicado e treinado para ouvir, e organizar resposta coletiva ao abuso online nas mídias sociais dirigido aos seus membros
➢Organizar treinamento para todos os membros para ajudá-los a identificar e combater o abuso online.
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