Londres – A COP27 terminou com uma vitória e três derrotas, que deixaram um gosto de ‘maldição do faraó’, na análise do Observatório do Clima, rede de 70 entidades ambientais que foi uma das coordenadores do espaço da sociedade civil na conferência, o Brazil Climate Action Hub.
A vitória foi o fundo para financiar perdas e danos climáticos nos países vulneráveis. Mas “as divisões de sempre entre países ricos e pobres” impediram o acordo sobre o corte de emissões, impondo a primeira derrota.
A segunda derrota abateu o Programa de Trabalho em Mitigação, criado em Glasgow, que acabou “tesourado” até pelo Brasil. O texto aprovado em Sharm El-Sheikh diz que ele será “não-prescritivo e não-punitivo”, além de não impor novas metas.
Por fim, a falta de definição sobre os US$ 100 bilhões anuais prometidos pelos países desenvolvidos impôs a terceira derrota. Permaneceu a indefinição sobre quando, como e até se os bilhões prometidos serão pagos.
Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório, avaliou a conferência e a participação do Brasil, saudada na mídia internacional como ‘uma volta do país’. Confira a seguir os principais tópicos da sua análise.
Lula repetiu Biden
“O interesse que a mídia demonstrou pelo Brasil na cúpula do Egito lembrou o que aconteceu com os Estados Unidos em Glasgow. Ano passado, todo mundo só queria saber deles na primeira conferência após a posse de Joe Biden. John Kerry era o personagem mais procurado.
Foi parecido com o que aconteceu com o Lula este ano, com a diferença de que ele ainda não é o chefe de estado, criando uma situação inédita. O governo atual foi ofuscado.”
Tendência de eventos nacionais
“Mais uma vez, o espaço da sociedade civil, criado em 2019, despertou mais interesse do que o estande oficial do Brasil, sobretudo de jornalistas internacionais. Fomos obrigados a sacrificar alguns eventos, porque não couberam na agenda.
Mas já podemos afirmar que a tendência de eventos nacionais se firmou na COP, como ‘bolhas’. Vários países realizaram atividades em seus próprios idiomas, voltadas para os seus públicos.”
A evolução do Brasil nas COPs
“Com o controle de desmatamento e democratização do acesso, o Brasil passou a ter delegações grandes, com intensa participação da sociedade civil.
Em Copenhague, o então presidente Lula colocou na mesa uma meta, enquanto outros se recusavam a adotá-las. E o agronegócio estava interessado na conversa sobre clima, o que acabou unindo ambientalistas e setor empresarial.
A partir de Madri, quando o estande da sociedade civil estreou, os movimentos indígena e negro entraram muito fortemente também. Das dez últimas cúpulas, esta foi a que teve mais representatividade da nossa sociedade.”
Expectativas e entrega
“As participações do presidente eleito e de nomes importantes na arena ambiental, bem como de integrantes da equipe de transição, atraíram atenção para o país e criaram uma disposição favorável.
Mas a imprensa não vive de expectativas. Se o Lula pisar na bola, vai apanhar. Espero que no Brasil a imprensa esteja a postos para cobrar – e o próprio Lula pediu isso.”
Imprensa europeia e americana
“O Brasil não deve repetir o que ocorreu nos EUA no governo Obama, quando ocorreu uma espécie de adesão acrítica e automática. Não se podia falar mal porque tê-lo era um luxo.
Esse comportamento existe na cobertura das conferências do clima, sobretudo por parte das imprensas europeia e norte-americana, que fazem vista grossa para barbaridades ambientais de seus países.”
A imprensa brasileira e o clima
“A cobertura ambiental no Brasil cresceu nos últimos quatro anos em quantidade e qualidade. A imprensa está mobilizada para cobrir o tema de forma sistemática. Mas ainda falta os jornais brasileiros fazerem como o Guardian, criando uma espécie de ação afirmativa para colocar a mudança climática na capa.
Fiquei bem impressionado com a quantidade de jornalistas jovens na cúpula, não apenas dos grandes veículos, mas gente de agências independentes e ligadas a movimentos sociais. Isso nos fez ganhar também em diversidade.”
Voto de confiança
“A percepção positiva do Brasil criada durante a cúpula já se traduz em resultados, como a liberação de recursos para o Fundo Amazônia pela Alemanha e Noruega. Pelas regras, as liberações acontecem depois de redução no desmatamento, mas dessa vez eles liberaram antes, num voto de confiança ao país.”
Crime climático compensa?
“Infelizmente acho que a COP27 não contribui muito para mudar o cenário da lavagem verde. Um sinal é o fraco progresso em relação aos combustíveis fósseis, sugerindo que o crime climático compensa em alguns setores.”
Esta análise faz parte do MediaTalks Especial COP27.
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