Londres – No mesmo dia do encontro do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, com dirigentes do site Wikileaks que fazem um tour pela América Latina pedindo apoio para a libertação de Julian Assange, cinco publicações que veicularam conteúdo revelado por ele elevaram o tom contra os EUA. 

Em carta aberta publicada na segunda-feira (28), The Guardian, The New York Times, Le Monde, Der Spiegel e El País protestam contra o que consideram precedente perigoso para a liberdade de imprensa: o uso de uma Lei de Espionagem de 1917 para processar um veículo de imprensa. 

O texto está alinhado à defesa de Assange, que se baseia no risco de uma condenação a jornalistas que revelem segredos incômodos, ou às suas fontes.

A carta menciona desconforto com algumas condutas de Assange, mas informa que os signatários resolveram se reunir para condenar o que consideram uma ameaça ao jornalismo: “Publicar não é crime”, dizem. 

Após o encontro com Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do Wikileaks, e Joseph Farrel, editor do site,  Lula publicou uma mensagem de apoio no Twitter. 

Julian Assange segue preso na penitenciária de Belmarsh, em Londres, enquanto aguarda tramitação das últimas tentativas feitas pela sua defesa, liderada pela mulher, Stella, de bloquear a extradição para os EUA. 

Segundo a família, a saúde do fundador do Wikileaks está cada vez mais debilitada. Ele chegou a testar positivo para a covid-19 na cadeia há dois meses, mas já se recuperou. 

O caso se arrasta desde 2019, quando Julian Assange se refugiu na Embaixada do Equador para evitar ser extraditado.

Se condenado, ele pode pegar 175 de cadeia, soma das penas possíveis para os 18 processos movidos pelo Departamento de Estado americano. 

Nesta quarta-feira (30), a Associação Brasileira de Imprensa fará uma manifestação em favor da libertação de Assange no Rio de Janeiro. 

A íntegra da carta aberta em defesa de Assange dirigida aos EUA

“Doze anos atrás, em 28 de novembro de 2010, cinco meios de comunicação internacionais – The New York Times, The Guardian, Le Monde, El País e Der Spiegel  – publicaram uma série de revelações em cooperação com o Wikileaks que chegaram às manchetes em todo o mundo.

“Cable gate”, um conjunto de 251 mil  telegramas confidenciais do Departamento de Estado dos EUA revelou corrupção, escândalos diplomáticos e assuntos de espionagem em escala internacional.

Nas palavras do The New York Times, os documentos contavam “a história nua e crua de como o governo toma suas maiores decisões, as decisões que mais custam ao país em vidas e dinheiro” .

Mesmo agora em 2022, jornalistas e historiadores continuam a publicar novas revelações, usando a jóia única que são documentos.

Para Julian Assange, editor do Wikileaks, a publicação de “Cable gate” e vários outros vazamentos relacionados tiveram as consequências mais graves.

Em 12 de abril de 2019, Assange foi preso em Londres com um mandado dos EUA e agora está detido há três anos e meio em uma prisão britânica de alta segurança geralmente usada para terroristas e membros de grupos do crime organizado.

Ele enfrenta risco extradição para os EUA e de uma sentença de até 175 anos em uma prisão de segurança máxima americana.

Este grupo de editores e empresas jornalísticas, todos tendo trabalhado com Assange, sentiram a necessidade de criticar publicamente sua conduta em 2011, quando cópias não editadas dos telegramas foram divulgadas.

E alguns de nós estão preocupados com as alegações na acusação de que ele tentou ajuda na invasão de computador de um banco de dados classificado.

Mas nos reunimos agora para expressar nossas sérias preocupações sobre o processo contínuo de Julian Assange por obter e publicar materiais classificados.

A administração Obama-Biden, no cargo durante a publicação do Wikileaks em 2010, absteve-se de indiciar Assange, explicando que teria de indiciar também jornalistas de grandes veículos de notícias.

A posição deles valorizava a liberdade de imprensa, apesar de suas consequências desconfortáveis.

Sob Donald Trump, no entanto, a posição mudou. O DOJ baseou-se em uma lei antiga, a Lei de Espionagem de 1917 (projetada para processar espiões em potencial durante a Primeira Guerra Mundial), que nunca foi usada para processar uma editora ou emissora.

Esta acusação estabelece um precedente perigoso e ameaça minar a Primeira Emenda dos Estados Unidos e a liberdade de imprensa.

Responsabilizar os governos faz parte da missão central de uma imprensa livre em uma democracia.

Obter e divulgar informações sigilosas quando necessário para o interesse público é parte essencial do trabalho diário dos jornalistas. Se esse trabalho for criminalizado, nosso discurso público e nossas democracias ficarão significativamente mais fracos.

Doze anos após a publicação de “Cable gate”, é hora de o governo dos EUA encerrar o processo contra Julian Assange por publicar segredos.

Publicar não é crime.”