Claudia Wallin, jornalista

Para espanto generalizado, na COP27 a Suécia não parecia ser o mesmo país que nas cúpulas anteriores tinha sido celebrado como campeão da defesa do clima.

O divisor de águas foi a ascensão do novo governo conservador sueco. Ao tomar posse dias antes da abertura da conferência, soltou uma primeira bomba de efeito moral: a extinção do Ministério do Meio Ambiente e do Clima como organismo independente.

Nas duas semanas de cúpula, o que se viu na Suécia foi um superaquecimento das críticas à política climática do novo governo, formando pelos partidos Moderado, Democrata-Cristão e Liberal, com o apoio do partido de extrema-direita anti-imigração Democratas da Suécia.

Na mídia, ambientalistas e cientistas definiram a nova diretriz, que prevê cortes brutais no financiamento de programas ambientais, como ‘golpe mortal’ contra os esforços de proteção ao clima.

Para completar o cenário anormal, a ativista sueca Greta Thunberg nem apareceu na COP27.

A cobertura da conferência começou vigorosa. Mas foi notória a perda de fôlego ao longo do evento, com as manchetes ocupadas por temas como as eleições de meio de mandato nos EUA, a guerra na Ucrânia e a cúpula do G20.

Ninguém – e, pelo que se vê, nem mesmo o governo – arrisca previsões otimistas. Parecem outros tempos: em 2015, a Suécia anunciou na Assembleia Geral da ONU a meta de se tornar o primeiro país livre dos combustíveis fósseis.

As credenciais da nação escandinava de 10,4 milhões de habitantes se mantêm invejáveis: responsável por apenas 0,1% das emissões globais de gases de efeito estufa, a Suécia foi o primeiro país a implementar a precificação do carbono como instrumento para acelerar a transição energética, e tem um dos mais altos impostos sobre CO₂.

Os suecos têm ainda uma das maiores taxas de reciclagem de lixo: 99%. É sueca a primeira siderúrgica do mundo alimentada exclusivamente por hidrogênio, inaugurada em 2020.

Os vilões do clima na Suécia são setores da indústria (como produção de aço e mineração e de transportes, embora o país possua uma das maiores frotas de veículos a eletricidade e biocombustíveis.

Mas hoje, a menos que haja aceleração no ritmo de redução as emissões, dificilmente a Suécia será capaz de cumprir sua ambiciosa meta de descarbonização até 2045.

Já na primeira semana da COP27, o jornal Svenska Dagbladet arrancou da ministra das Finanças, Elisabeth Svantesson, a confissão: vai ser difícil.

Perguntada sobre o que isso significaria, a ministra jogou a toalha: “Significa que não alcançaríamos as metas. Se não conseguirmos, então não iremos conseguir. Mas nossa ambição é atingi-las”.

Diante de uma onda de protestos em reação à fala, a ministra do Meio Ambiente e do Clima (no novo governo incorporado ao de Negócios e Energia) tentou amenizar:

“Vai ser difícil atingir a meta, mas não é impossível”, declarou a ministra (sem mistério) Romina Pourmokthari.

Ato contínuo, a mídia sueca proclamou: ‘Governo dá mensagens discrepantes sobre metas ambientais’.

Discurso do novo premiê cancelado

O esperado discurso do novo primeiro-ministro sueco na COP27 sequer aconteceu. “Não é incomum que o programa sofra alterações em eventos deste porte”, justificou a assessoria de Ulf Kristersson.

Em entrevista coletiva, o primeiro-ministro destacou que, para ele, a política climática começa e termina com a política energética – e que não há como dissociar os dois elementos.

Kristersoon disse ainda que política e indústria devem caminhar juntos, em uma responsabilidade compartilhada pela preservação do meio ambiente.

Em plena COP27, governo da Suécia corta orçamento ambiental

No dia seguinte à fala do primeiro-ministro sueco a jornalistas na COP27, a retórica foi nocauteada pelo anúncio do orçamento: o governo cortou recursos para programas ambientais, além de reduzir o preço dos combustíveis e abolir o bônus para quem compra veículos elétricos.

A mídia sueca repercutiu os ataques de cientistas e ambientalistas, como o de Mikael Karlsson, professor de Ciências Ambientais da Universidade de Uppsala.

“Este orçamento é um golpe mortal contra o meio ambiente”, definiu em entrevista ao jornal Dagens Nyheter.

A ministra Romina Pourmokthari, responsável pela área ambiental rebateu, num tom conformado:

“É um orçamento restrito, e portanto verei o que fazer com os recursos”.

Negacionismo no parlamento

Para abalar ainda mais o ânimo dos ambientalistas, uma deputada do partido radical Democratas da Suécia – da base de sustentação do premier – negou no Parlamento a existência de uma crise climática.

“Creio que não há evidências científicas suficientes para afirmar que estamos em uma crise climática”, disse a deputada Elsa Widding, engenheira civil formada pela Universidade Chalmers.

“A última vez em que uma crise climática aconteceu foi na década de 1960, quando os verões se tornaram tão curtos que não conseguimos produzir colheitas”.

A ministra ambiental mais uma vez correu para tentar conter a hecatombe.

“É evidente que divergimos inteiramente nesta questão, mas Elsa Widding não é a ministra do Meio Ambiente e do Clima. A ministra sou eu”, enfatizou Romina, acusada de ser inexperiente para o cargo.

Suécia poder posição em ranking climático

Na COP26 de Glasgow, o Conselho de Política Climática da Suécia (Klimatpolitiska rådet) alertou que o processo de redução das emissões caminhava de forma muito lenta.

Desde então, a Suécia acabou perdendo uma posição no ranking do Climate Charge Performance Index, que avalia o desempenho ambiental das 57 maiores economias do mundo.

Nenhum país atingiu a classificação de ‘muito boa’ para a sua performance este ano. Mais uma vez, os três primeiros lugares do ranking permaneceram vazios.

A Suécia, que há quatro anos consecutivos liderava o ranking na quarta posição, passou a figurar em quinto lugar. A liderança foi para a Dinamarca. Com a Noruega na sexta posição, o trio de países escandinavos domina a lista.

Nos últimos dias da COP27, os suecos tiveram uma boa notícia: medições recentes registraram que o ar que se respira na capital é o mais limpo dos últimos 30 anos – consequência do aumento do número de carros elétricos nos últimos anos, e da redução da quantidade de veículos a diesel em circulação.

Mas ninguém, ao que parece, está respirando aliviado.


Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27.