Paris – A COP27, que teve a participação do presidente da França, Emmanuel Macron, terminou com um acordo arrancado na marra pelos diplomatas.

E firmou-se como a edição acompanhada pelo maior número de jornalistas, a ponto de surpreender Tim Davis, o queniano que há 17 anos chefia a assessoria de imprensa do evento.

“Não previ o entusiasmo desta edição. Achei que Sharm el-Sheikh seria um evento menos que Glasgow. Tomei como base de cálculo os números de Marrakesh em 2016, a que se seguiu à COP de Paris”, relatou numa entrevista à Rádio França Internacional (RFI).

Deborah Berlinck - jornalista - França
Deborah Berlinck – jornalista

A primeira COP, em Nairobi, na África, em 2005, tinha apenas 30 representantes da mídia, lembrou Davis. E a COP21 em Paris, em 2015, foi grandiosa, com cerca de 5 mil. Mas Sharm-el-Sheikh mostrou como o tema desperta cada vez mais o interesse do público no mundo.

Jornalistas trabalharam num centro de imprensa quase do tamanho de um campo de futebol, mas nem isso foi suficiente.

“A mudança climática está se tornando uma questão cada vez mais importante e atraindo a atenção”, constatou.

Imprensa da França em peso na COP27

A imprensa francesa compareceu em peso. E se preparou antecipadamente. O grupo TF1, que reúne vários canais de TV, lançou em setembro um “roteiro climático”, para reforçar a cobertura sobre a crise.

“Não é uma questão de ativismo, mas sim de pedagogia”, disse o chefe de informação do grupo, Thierry Thuillier.

A TF1 agrupou sob a marca “Nosso planeta” os cerca de 500 conteúdos que veicula por ano sobre o tema. Anunciou ainda uma série de reportagens em realidade aumentada para mostrar o impacto que as mudanças climáticas terão na França em 2030 em várias áreas, com transporte, alimentação, trabalho, energia e moradia.

Revistas especializadas publicaram reportagens especiais. Na Les Echos, o ângulo foi o custo econômico e humano do risco climático, com a multiplicação de secas e incêndios.

Macron vira “influencer” e recebe críticas por encontro com Maduro

Na França, o debate ambiental mobiliza as pessoas, a ponto de o presidente Emmanuel Macron ter recorrido ao Twitter durante a COP27 para responder perguntas sobre mudanças climáticas, no melhor estilo dos “influencers”.

Como é comum nas redes sociais, Macron recebeu todo tipo de reação, de tímidos elogios a críticas ferozes.

“Os verdadeiros poluidores são os teus amigos industriais e financistas”, escreveu um. “Não acreditamos mais em você”, respondeu outro.

O presidente da França também foi notícia por seu breve e caloroso encontro nos corredores da COP27 com o presidente venezuelano Nicolás Maduro.

A França não reconhece oficialmente Maduro como líder da  Venezuela, mas Macron chamou o sorridente Maduro de “presidente”.

A conversa durou apenas dois minutos. Mas deu tempo para Macron disparar: “Ficaria feliz se pudéssemos conversar mais, se pudéssemos nos engajar em um trabalho bilateral útil para a região”.

“Estamos assistindo a uma aproximação espetacular entre Paris e Caracas?”, perguntou a Radio França Internacional (RFI), lembrando que em junho o presidente francês, preocupado com a crise energética, defendeu que o petróleo venezuelano fosse colocado de volta no mercado.

O jornal Libération tratou o encontro como “pura realpolitik”.

Jean-Luc Mélenchon, ex-candidato à Presidência e uma das vozes mais críticas da esquerda francesa, não perdoou no Twitter:

“Reunião muito amigável de Emmanuel Macron e Nicolás Maduro em Sharm el-Sheikh. A necessidade de petróleo o torna educado”.

Na França, imprensa passou da euforia à decepção – e virou a página com a Copa

O discurso do presidente eleito Lula anunciando que “o Brasil está de volta” e prometendo preservar a Amazônia soou como música para a imprensa francesa, que deu muito destaque à sua presença.

A TV5 Monde gostou da ideia de uma cúpula na Amazônia: “É um anúncio que vem revigorar uma COP27 atolada em divergências”, destacou num artigo da versão online da rede.

Mas ao fim da conferência, o tom da mídia da França na COP27 tornou-se pessimista.

Ecoou a decepção manifestada por Macron, por representantes da União Europeia e pelo próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, a respeito do pouco avanço na redução das emissões de gases do efeito estufa.

“Acordo COP27: hip hip hip hooray? Lamento, mas não”, foi o título do editorial do Libération.

Segundo o jornal, ainda que um fundo destinado às “perdas e danos” do aquecimento global tenha sido obtido pelos países do chamado “sul global”, a cúpula não resolveu a questão da “drástica redução das emissões”.

O Le Monde foi na mesmo linha: “Na COP27, acordo histórico de ajuda aos países pobres, mas sem aceleração no combate ao aquecimento global”.

A conferência do clima terminou nas primeiras horas de 20 de novembro, uma data infeliz para os ambientalistas: este foi o domingo da abertura da Copa do Mundo no Catar.

Os jornais franceses viraram muito rapidamente a página. Já no sábado, da 19, antes mesmo de a COP27 esfriar, a manchete na primeira página do jornal Le Fígaro era “Mundial no Catar: esporte, diplomacia e polêmicas”.


Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27.