Londres – O caos vivido pelo Twitter desde outubro, quando Elon Musk comprou a plataforma de mídia social e assumiu as rédeas da empresa, ficou ainda maior nos últimos dias, culminando com uma pouco usual enquete para usuários votarem se querem que o bilionário saia do comando. 

A resposta dos mais de 17 milhões de votantes nesta segunda-feira (19) foi sim, por 57% contra 43%. 

Musk antecipou que obedeceria aos resultados, mas não deu detalhes sobre como será a liderança do Twitter daqui para a frente e como continuará influenciando os rumos da rede social, pois a julgar pelos últimos dois meses, parece pouco provável que ele se afaste do centro das decisões. 

Não é nada comum CEOs consultarem os usuários de seus serviços ou marcas a respeito de seu papel na companhia, mas Musk não é um CEO qualquer. 

O homem que se tornou o mais rico do mundo com a empresa de carros elétricos Tesla e a companhia de exploração do espaço SpaceX é o rei das excentricidades no mundo corporativo. 

Em uma de suas mais célebres aparições públicas, fumou maconha ao vivo no podcast de Joe Rogan, em 2018. 

No entanto, nos últimos meses e sobretudo nas últimas semanas ele abusou do direito de gerir uma empresa de forma atípica – com atos que incluem a instalação de camas no escritório corporativo para os funcionários dormirem depois de longas horas de trabalho.

A ideia, que não deve ter vindo de nenhum gerente de RH responsável, surgiu dias depois de ele ter enviado um email aos funcionários pedindo para assumirem o compromisso de dedicação “extremamente hardcore” para ter sucesso.

Incluindo trabalhar longas horas sem voltar para casa. 

Desde que Elon Musk assinou o cheque de US$ 44 bilhões para comprar o Twitter, pelo menos metade da equipe saiu ou foi demitida, dissolvendo o maior ativo para qualquer empresa de serviços: as pessoas com experiência em fazê-la funcionar. 

Entre os que saíram estão integrantes das equipes dedicadas a direitos humanos, acessibilidade, controle de discriminação, segurança da informação e privacidade. Em alguns casos, toda a equipe se desligou. 

O empresário se arriscou lançando um serviço premium permitindo a qualquer usuário comprar um dos cobiçados crachás de verificação “blue tick”, que acabou virando motivo de chacota.

E viu um aumento maciço em trolling e discurso de ódio registrado por entidades independentes, embora ele não admita e siga publicando gráficos produzidos pelo próprio Twitter indicando uma queda nas impressões de conteúdo nocivo. 

A mais recente polêmica foi uma reação destemperada a uma suposta perseguição do carro onde estaria seu filho em Los Angeles, atribuída pelo empresário à divulgação de seus trajetos de voo pela conta @ElonJet, mantida por um estudante de 19 anos. 

Segundo reportagem do Washington Post, a polícia não encontrou ainda ligação da perseguição com informações do voo, e aparentemente o homem acusado teria como alvo a mulher de Musk, a cantora Grimes. 

https://twitter.com/TaylorLorenz/status/1604661892840009729?s=20&t=9KZYVgJ57a5kigpyC3uTUw

Mesmo assim, ele se tomou de fúria e descontou na imprensa, suspendendo as contas de pelo jornalistas que haviam noticiado a história. Coincidência ou não, todos são influentes profissionais que cobrem de forma crítica o caos de Musk no Twitter nos últimos dois meses. 

Na sexta-feira, depois de uma enquete e de condenações até da União Europeia, Musk voltou atrás e mandou reativar as contas dos jornalistas.

Musk e o caos das finanças depois da compra do Twitter 

A situação financeira é outra preocupação do outrora homem mais rico do mundo, posto que perdeu na semana passada depois que a Tesla viu seu valor de mercado se deteriorar.  

O cetro foi para o francês, Bernard Arnault, dono da empresa de artigos de luxo LVMH, que detém marcas como Louis Vuitton, Tiffany e Tag Heuer. 

O Twitter atravessa águas turbulentas, com grandes anunciantes deixando de investir na plataforma em reação às controversas decisões sobre moderação de conteúdo. 

Na sexta-feira (16), o site de notícias americano Semafor revelou que o empresário estaria à caça de investidores, oferecendo ações pelo mesmo preço que pagou (US$ 54,20). 

Musk já vendeu pacotes de ações da Tesla para se capitalizar, diante de um cenário caótico. 

Contas como a de Donald Trump e do teórico da conspiração foram reativadas, e organizações que acompanham a proliferação de discurso de ódio constataram aumento nesse tipo de conteúdo desde que as regras foram relaxadas. 

Há uma semana, o Conselho de Segurança e Credibilidade, formado por notáveis e organizações da sociedade civil, foi abruptamente dissolvido pouco antes de uma reunião previamente agendada. 

A extinção do grupo aconteceu ao mesmo tempo em que o selo azul de autenticidade voltou a ser vendido.

Antes do caos da era Musk, ele era conquistado por pessoas ou organizações sujeitas a serem alvo de contas falsas no Twitter criadas por terceiros em seu nome, sem pagamento. 

Na busca de receita para a plataforma, Elon Musk lançou o sistema de pagamento pelo selo, vendido por US$ 8. Os primeiros dias foram um desastre, como uma enxurrada de contas falsas criadas por gente que pagou para ter a distinção e não foi checada pelo Twitter. 

Até Musk foi objeto de contas falsas, e não achou graça na brincadeira, suspendendo a ideia até o relançamento, na semana passada. 

Arvind Ganesen, diretor de Justiça Econômica e Direitos da Human Rights Watch, foi um dos que criticou o selo azul. 

“Cobrar dos usuários uma taxa mensal para ser um usuário “verificado” corre o risco de aumentar a representação e dar mais espaço para a desinformação […].

Para alguns, incluindo defensores dos direitos humanos, a representação pode trazer consequências sérias, se não fatais.”

Musk não quer concorrentes no Twitter

A guerra com os concorrentes é outra confusão dos últimos dias de caos no Twitter.

Enquanto Elon Musk postava fotos final da Copa do Mundo no Catar, em que apareceu de surpresa, o Twitter atualizou as regras e passou a vetar links de redes sociais consideradas concorrentes.

A medida atingiu das gigantes Facebook e Instagram a miúdas como Mastodon, Truth Social (do amigo Trump), Tribel, Post e Nostr, criada pelo fundador do Twitter, Jack Dorsey. 

Mais tarde, o próprio Musk disse que a decisão seria tomada após uma enquete, que na manhã desta segunda-feira tinha quase 90% dos votos contrários à proibição de contas criadas para promover outras redes sociais. 

A jornalista do Washington Post Taylor Lorenz, uma das autoras da reportagem sobre a perseguição do carro em Los Angeles, foi uma das que teve a conta afetada, embora tivesse postado o link antes de a nova política entrar em vigor. 

https://twitter.com/TaylorLorenz/status/1604685996670341120?s=20&t=9KZYVgJ57a5kigpyC3uTUw

Os Twitter Files de Musk 

Para alguém que comprou um negócio por US$ 44 bilhões, soa estranho uma tentativa de denegrir a própria marca, com risco de afastar clientes, parceiros de negócio e investidores. 

Mas em diversas ocasiões é isso que Elon Musk acaba fazendo, em sua tentativa de demonstrar que o Twitter vai ficar melhor com ele. Ou que escondia segredos incômodos antes e não merecia toda aquela admiração dos saudosistas dos velhos tempos. 

Um dos ‘auto ataques’ é a série de revelações intitulada Twitter Files.

Trocas de correspondência internas e documentos confidenciais supostamente demonstrando inconsistências nas decisões da plataforma pré-Musk vêm sendo publicados por dois jornalistas independentes, Matt Taibbi e Bari Weiss, e retuitados por Musk, com comentários ácidos ou irônicos. 

Em pelo menos um caso, as revelações tiveram consequência. Há uma semana, o ex-chefe de segurança do Twitter, Yoel Roth, foi obrigado a deixar sua casa na California junto com o companheiro, depois de receber ameaças. 

Um dos Twitter Files reproduziu trechos de uma tese acadêmica de Roth em que ele sugeria estratégias de segurança para aplicativos de namoro gay a fim de permitir seu uso por adolescentes sem expulsá-los, considerando que acabam usando as plataformas de qualquer maneira.

“Parece que Yoel está defendendo que crianças possam acessar serviços de Internet para adultos em sua tese de doutorado”, tuitou Musk, anexando uma captura de tela da dissertação do ex-executivo.

Roth tinha inicialmente caído nas graças do novo dono do Twitter. Mas pediu demissão em novembro e publicou um artigo no New York Times afirmando que “não havia necessidade de uma função como a dele em uma empresa onde as políticas são definidas por decreto”.

https://twitter.com/yoyoel/status/1593686891965992961?s=20&t=xWbcQmnF7TJ7Wlpq8fHKQA

O futuro do Twitter com ou sem Musk?

Até o fechamento desta matéria, Musk não tinha se manifestado sobre a enquete que votou por sua saída da liderança do Twitter em meio ao caos em que a rede social se transformou. 

Embora a plataforma não seja a maior, tem grande influência em política e notícias. O que acontece com ela interessa à sociedade, e não apenas a investidores ou aos bancos que emprestaram dinheiro a Elon Musk para concluir a operação. 

Em linha com seu estilo excêntrico, que inclui frases enigmáticas na conta seguida por mais de 122 milhões de pessoas, ele tuitou no domingo: “os que querem o poder são os que menos o merecem”.