Londres – O Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) denunciou que o Irã aplicou a cinco jornalistas presos depois dos protestos em massa que convulsionaram o país em setembro penas mais rigorosas do que as previstas em lei para os crimes dos quais foram acusados, incluindo a aplicação de chicotadas. 

Segundo o comunicado do CPJ, as autoridades iranianas detiveram pelo menos 88 jornalistas desde as manifestações que eclodiram após a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, presa pela polícia de moralidade por supostamente ter violado a lei de vestimenta conservadora do país .

Pelo menos 36 jornalistas presos por cobrir os protestos foram libertados sob fiança, algumas excessivamente altas.

O CPJ afirma que as autoridades acusaram quase todos os jornalistas de “espalhar propaganda contra o sistema dominante” e “conspirar e agir contra a segurança nacional”, de acordo com fontes familiarizadas com seus casos que falaram à ONG sediada nos EUA sob condição de anonimato, alegando medo de represálias.

De acordo com o código penal iraniano, as condenações por crime de propaganda preveem penas de prisão de até um ano.

acusação de conluio pode render até cinco anos de cadeia. 

No entanto, pelo menos cinco jornalistas receberam sentenças além dos máximos legais. Elas incluiram tempo superior de prisão, chicotadas, proibição de trabalhar ou deixar o país e serviço comunitário obrigatório, diz o CPJ. 

“As autoridades iranianas devem retirar todas as acusações questionáveis contra jornalistas detidos por cobrir protestos no país e devem libertá-los imediata e incondicionalmente”, disse Sherif Mansour, coordenador do programa do CPJ para o Oriente Médio e Norte da África. 

“Ao emitir sentenças pesadas contra jornalistas, em alguns casos além do que a lei permite, as autoridades estão mostrando até onde estão dispostas a ir para silenciar a imprensa”, afirmou. 

Segundo a organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras, o Irã chegou ao fim de 2022 como o terceiro maior carcereiro de jornalistas do mundo, atrás apenas da China e de Mianmar. 

Chicotadas, trabalhos forçados e proibições de viajar e trabalhar como jornalista 

Os cinco jornalistas destacados pelo CPJ receberam sentenças acima dos máximos legais por conluio ou propaganda e estão em liberdade enquanto seus recursos estão pendentes, diz a organização. 

Vida Rabbani , repórter freelancer e comentarista política que cobria notícias locais para vários veículos de Teerã, foi condenada a sete anos e três meses de prisão por conluio e propaganda. Seu caso aparece no relatório de dezembro da Agência de Notícias de Ativistas de Direitos Humanos (HRANA), que funciona no exílio.

A informação foi confirmada via Twitter pelo advogado da jornalista: 

“A pena máxima para associação e conluio é de cinco anos e para propaganda contra o sistema é de um ano, mas a Sra. Rabnani foi sentenciada a seis anos por associação!! E condenada a quinze meses de prisão por propaganda. Ou seja, em ambos os casos, mais do que as penas máximas prescritas em lei!”

Rabbani, que já está cumprindo uma sentença de dez anos por acusações não relacionadas, deve cumprir um mínimo de seis anos atrás das grades se essa sentença não for alterada na apelação, de acordo com as fontes.

Yalda Moaiery, fotojornalista freelancer, foi condenada a seis anos de prisão sob as mesmas acusações. Ela também recebeu uma proibição de deixar o país por dois anos, foi impedida de trabalhar como jornalista por três anos e terá que cumprir dois meses de serviço comunitário limpando ruas, de acordo com notícias na mídia e uma postagem no Instagram da própria jornalista, em que aparece uniformizada limpando as ruas. 

Ela relata:

“Depois de ser fotojornalista por 23 anos e cobrir eventos em meu país e em todo o mundo, o Tribunal da República Islâmica do Irã me condenou a 6 anos de prisão por cobrir o movimento popular […]. Também fui condenada a ser uma gari municipal em um parque para mulheres por 2 meses.”

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Aria Jaffari, fotojornalista da Agência de Notícias dos Estudantes Iranianos (ISNA), recebeu em 26 de dezembro uma pena de sete anos de prisão por acusações de propaganda e conluio. Preso em casa no dia 28 de setembro, ele foi condenado a 74 chicotadas, dois anos de prisão e mais a proibição de deixar o país, de acordo com reportagens na mídia.  

Ahmadreza Halabisaz, também fotojornalista, foi condenado em dezembro a cinco anos de prisão por ambas as acusações. Ele recebeu uma proibição de dois anos de praticar jornalismo, de acordo com uma postagem que ele próprio fez no Instagram e outra fonte familiarizada com o caso que falou com o CPJ sob condição de anonimato.

No post, ele diz que foi preso nos primeiros dias de protestos nas ruas de Teerã e libertado da prisão depois de vinte e sete dias,  mas perdeu o acesso ao e-mail e contas de mídias sociais:

“[…] Em todos os meus anos de fotografia, procurei trabalhar com calma e sem alarde. Eu sabia que era difícil ser independente e tentei o meu melhor para fazer o certo.  Ao invés de falar de mim, tentei ser a voz de pessoas sem nome nas ruas, terremotos, enchentes, guerras, etc. […] Hoje em dia, porém, não tenho um meio para mostrar minhas fotos ao mundo com entusiasmo. […]”

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Mehrnoosh Tafian, repórter freelancer, foi condenado a um ano de prisão por propaganda contra o Estado e também recebeu uma proibição de deixar o país por dois anos, de acordo com o relatório da HRANA de dezembro e uma fonte familiarizada com o caso.

O CPJ ressalta que têm sido frequentemente negados aos jornalistas presos a assessoria jurídica e o devido processo legal.

“As autoridades iranianas devem retirar todas as acusações contra jornalistas em retaliação por sua cobertura de protestos no país e parar de aplicar duras sentenças de prisão a membros da imprensa”, disse o Comitê para a Proteção dos Jornalistas. 

A perseguição a jornalistas iranianos vai além das fronteiras do país. Em dezembro, a Scotland Yard, polícia metropolitana de Londres, confirmou que profissionais do canal de notícias independente Iran International TV, baseado no Reino Unido, receberam ameaças de morte por parte de integrantes da Guarda Revolucionária do país. 

A sede da emissora teve que ser protegida.