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Marrocos contesta resolução da UE contra repressão à imprensa no país: ‘arrogância anacrônica’

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Rei Mohammed IV (foto: divulgação Ministério das Relações Exteriores)

Londres – As violações da liberdade de imprensa no Marrocos entraram na pauta do Parlamento Europeu, que aprovou uma resolução de urgência chamando a atenção para o agravamento da situação e pedindo o fim do assédio a jornalistas, às suas famílias, aos seus advogados também a interrupção do uso de espionagem eletrônica.

O Marrocos não gostou. O Conselho Nacional de Imprensa emitiu uma declaração afirmando que as conclusões são “enganosas, excessivamente generalizadas” e resultam de relatórios de entidades estrangeiras que ignoram as informações de organismos locais. 

O texto afirma que “ninguém tem o direito de tratar o país com arrogância anacrônica”.

Para o Conselho, a decisão do parlamento da UE “nada tem a ver com direitos humanos, consistindo em uma tentativa desesperada de exercer pressão diplomática sobre o Marrocos, para servir uma agenda geoestratégica favorável aos partidos europeus, que ainda sentem nostalgia dos tempos de hegemonia do passado”. 

O Marrocos é uma monarquia parlamentar constitucional, com parlamento eleito e o rei Mohammed VI como chefe de Estado. Cabe a ele escolher o primeiro-ministro. 

A resolução do Parlamento Europeu não tem efeito prático, mas compromete a imagem do país na arena global. A proposta teve aprovação de 356 Eurodeputados, mas foi rejeitada por 32, enquanto 42 se abstiveram.

Restrições à liberdade de imprensa no Marrocos 

O texto, aprovado no dia 19 de janeiro, pede respeito à liberdade de expressão e de imprensa, libertação provisória dos três jornalistas presos e um julgamento justo para eles.

O diretor-geral da ONG Repórteres Sem Fronteiras, Christophe Deloire, saudou a decisão: 

“Temos alertado os eurodeputados sobre a intimidação e o assédio judicial de jornalistas marroquinos há anos. 

“Com esta resolução histórica, o Parlamento Europeu encerrou uma tendência infeliz de isentar Marrocos de qualquer comentário sobre violações da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. Antes tarde do que nunca.”

A resolução do Parlamento Europeu destacou o caso do repórter investigativo Omar Radi, “emblemático da perseguição à qual as autoridades marroquinas submetem jornalistas”, segundo a RSF.

Ele está detido desde julho de 2020 e foi condenado em março de 2022 a seis anos de prisão sob acusações de espionagem e estupro. A organização concedeu a Radi seu Prêmio de Liberdade de Imprensa na categoria Independência em 2022. 

A resolução do Parlamento Europeu incluiu a condenação de “o uso indevido de alegações de agressão sexual para dissuadir os jornalistas de desempenharem suas funções”, uma prática que “deixa em perigo os direitos das mulheres”.

Embora a Constituição garanta a liberdade de expressão e o país tenha abolido pena de prisão para crimes de imprensa, a Repórteres Sem Fronteiras afirma que acusações forjadas de sexo – como estupro, tráfico humano, adultério e aborto ilegal – têm sido usadas contra jornalistas nos últimos cinco anos. 

Os crimes sexuais não são fáceis de comprovar, pois na maioria dos casos são baseados em acusações de vítimas, acatadas pelos sistemas policial e judiciário alinhado ao governo. 

Além de Radi, a resolução do Parlamento Europeu também mencionou os casos de Taoufik Bouachrine, editor do jornal de língua árabe agora fechado Akhbar al-Yaoum, e Souleiman Raissouni, do mesmo jornal, que também são vítimas do uso indevido de acusações sexuais, segundo a organização.

Bouachrine foi condenado em outubro de 2019 a 15 anos de prisão por acusações de “tráfico de pessoas”.

A Repórteres Sem Fronteiras salienta que além da semelhança de suas acusações, ambos os casos foram marcados por inúmeras irregularidades processuais.

O Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária considerou as detenções indevidas, dizendo que eles foram alvo por fazerem seu trabalho como jornalistas e usarem seu direito à liberdade de expressão, segundo a RSF. 

A nota do Conselho de Imprensa do Marrocos nega arbitrariedades,  afirmando que “o Parlamento Europe deveria respeitar o direito dos queixosos de recorrerem à justiça”.

O texto diz ainda que acusações de estupro e agressão sexual recebem atenção especial de órgãos e países europeus, mas isso não está sendo aplicado contra aqueles que apresentaram queixas parecidas no Marrocos”. 

A resolução sobre o Marrocos também condenou o uso do spyware Pegasus para espionar Radi e outros profissionais de imprensa,  pedindo que o país  dê fim à vigilância de jornalistas e implemente legislação para protegê-los”.

Ao mesmo tempo, instou os estados membros da União Europeia a “pararem de exportar tecnologia de vigilância para o Marrocos de acordo com o Regulamento de Dupla Utilização da UE”, salientou a Repórteres Sem Fronteiras. 

135º no ranking de liberdade de imprensa 

O Marrocos está classificado em 135o lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa 2022 da RSF.

Na análise sobre a situação do país, o relatório considera “uma fachada” a aparente diversificação da mídia no país.

“A mídia não reflete a diversidade de opinião política no Marrocos. 

A mídia e os jornalistas independentes são assediados e perseguidos, e o direito à notícia e à informação é esmagado por uma poderosa máquina de propaganda e desinformação que serve à agenda política do governo e seus aliados próximos. “

Segundo o relatório, a única publicação independente remanescente do Marrocos, o diário Akhbar Al Yawm , publicou sua última edição em abril de 2021. As redes sociais e sites são a principal fonte de informação da população.

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