Londres – Enquanto as organizações de liberdade de imprensa aproveitam o fim do ano para quantificar violações concretas como prisões e assassinatos de profissionais de imprensa, outro tipo de ameaça segue encontrando espaço em vários países: a perseguição e criminalização de jornalistas que revelam informações confidenciais de governos.

E nem todos os que sofrem esse tipo de assédio judicial acabam presos, figurando nas listas das entidades. Alguns abandonam a profissão ou se abstém de fazer denúncias. Outros chegam a deixar seus países.   

Pode parecer algo restrito a nações autoritárias ou a casos “exemplares” como o de Julian Assange, que mofa em uma penitenciária de segurança máxima no Reino Unido enquanto o pedido de extradição feito pelos EUA para que ele responda por crime de espionagem continua tramitando.

Mas não é bem assim. 

Em dezembro, a mídia francesa e entidades de liberdade de imprensa se revoltaram diante da convocação de três jornalistas pela agência de inteligência da França (DGSI, na sigla em francês).

Benoît Collombat e Jacques Monin, da Radio France, e Geoffrey Livolsi, do site Disclose, foram instados a se explicar sobre uma reportagem revelando que a Procuradoria Financeira Nacional investigava tráfico de influência dentro do Exército francês.

O jornal Libération considerou a convocação um “desvio preocupante e inaceitável”.

O Comitê de Proteção da Jornalistas exigiu respeito às fontes, e lembrou o risco do efeito inibidor causado pela “pressão desnecessária”.

Por enquanto a intimidação não deu em nada. Um dos inquiridos, Livolsi, não respondeu às questões da polícia e apenas leu um manifesto em prol da liberdade de imprensa, segundo comunicado publicado pelo site de jornalismo investigativo Disclose. 

Não é a primeira vez que isso acontece na França, que tanto apregoa a liberdade.

Em 2019, a jornalista do Le Monde Ariane Chemin foi interrogada pela DGSI por ter revelado a identidade de um membro das forças especiais do país, caso que gerou fortes reações.

Ela narrou a experiência comparando a um filme com erro no elenco, já que estava lá como suspeita de crime − um típico caso de papéis trocados. 

Criminalização de jornalistas sob nova lei britânica 

Do outro lado do Canal da Mancha a preocupação é uma lei com potencial de criminalizar jornalistas que tornem públicas informações obtidas por meio de vazamento se pertencerem a organizações de mídia que recebem recursos de outros países.

O texto, que tem por objetivo proteger o Reino Unido contra o assédio de “Estados hostis”, já passou pela segunda leitura na Câmara dos Lordes.

Uma coalizão de organizações de liberdade de imprensa, incluindo Repórteres Sem Fronteiras, União Nacional de Jornalistas, openDemocracy e Index Of Censorship, apresentou ao Parlamento evidências sobre os riscos da lei, vista como mais um movimento do país para restringir o jornalismo independente.

A preocupação não é infundada.

Em novembro, enquanto a COP27 debatia o futuro do planeta no Egito, um jornalista e um fotógrafo que cobriam um protesto do grupo Just Stop Oil na rodovia M25 foram presos e ficaram 13 horas sob custódia policial.

Rich Felgate, que está produzindo um documentário sobre o grupo ambiental, contou ter sido algemado e notificado que estava sendo preso por “conspirar para uma perturbação da ordem pública”.

Conspiração e espionagem são palavras que não deveriam estar associadas ao trabalho de apuração e de publicação de fatos verídicos, amparados por fontes e documentos.

Não é o que pensam os que formularam a lei, na visão das organizações que a analisaram.

O projeto parece ter sido desenhado sob medida para controlar a influência de mídias governamentais de países como China e Rússia, os tais “Estados hostis”.

As grandes redes de TV estatais de ambos foram banidas pelo governo britânico, mas ainda existem outras empresas jornalísticas financiadas pelos “inimigos” operando.

Na avaliação das organizações, o projeto é vago e dá margem a controle sobre outros tipos de mídia, tanto aquelas financiadas por governos de países “amigos” (a americana NPR e a australiana ABC são citadas) como empresas jornalísticas privadas.

Impossível? Na Finlândia, um dos países mais bem ranqueados em liberdade de imprensa, três jornalistas estão sendo julgados por divulgar segredos de segurança de Estado em uma reportagem sobre inteligência militar, um processo que está sendo monitorado pela RSF. 

Atravessando o Atlântico, a organização levantou a preocupação da liberdade de imprensa sob um possível novo governo Trump.

E quer uma lei para assegurar o sigilo das fontes, que o ex-presidente vem questionando em discursos.

Embora 2022 tenha batido a marca de um profissional de imprensa assassinado a cada cinco dias, segundo relatório da Federação Internacional de Jornalistas, não dá para tirar o olho de ameaças menos concretas mas não menos perigosas.