Londres – Em mais um golpe na liberdade de imprensa na Rússia, a promotoria-geral do país declarou a organização Projeto Meduza, responsável pelo site de notícias de mesmo nome que faz oposição aberta a Vladimir Putin, como uma entidade “indesejável” e que “ameaça as fundações” da ordem constitucional e segurança da nação. 

A medida foi adotada com base em uma lei sancionada pelo presidente Putin em julho de 2022, impondo punição criminal a indivíduos que trabalham no exterior com organizações que o governo rotule como “indesejáveis” dentro da Rússia. 

As organizações que recebem essa classificação são proibidas de operar no país. E qualquer pessoa que participe delas ou esteja envolvida profissionalmente com suas atividades enfrenta o risco de multa e de prisão por até seis anos.

O que significa a medida 

Em 2014, depois da primeira invasão da Rússia, à Ucrânia, o Meduzatransferiu sua redação para Riga, na Letônia.

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Tem edições online em russo e em inglês, realizando uma cobertura independente da guerra na Ucrânia e da situação interna da Rússia após a invasão.

O site não segue a cartilha do governo, que chegou a criar manuais para ensinar como a mídia deve falar da guerra – alguns deles noticiados pelo Meduza. 

Sua CEO, Galina Timchenko, é reconhecida pela luta contra a censura e a repressão à mídia e foi premiada pelo Comitê de Proteção a Jornalista em novembro passado. 

Embora a declaração de entidade indesejável não impeça que o Meduza continue operando, torna mais arriscado o trabalho de quem colabora com ele a partir da Rússia, faça contribuições financeiras ou dê entrevistas para o site. Pode ainda afastar leitores com medo de ler o conteúdo e sofrer consequências. 

“Ao proibir o Meduza, colocando vários rótulos nele e bloqueando seu site, as autoridades russas estão mostrando que farão qualquer coisa para impedir o trabalho de um dos principais meios de comunicação independentes em língua russa”, disse Gulnoza Said, coordenadora do programa Europa e Ásia Central do Comitê de Proteção a Jornalistas.

“As autoridades devem revisar os regulamentos do país sobre organizações indesejáveis e agentes estrangeiros e deixar que todos os meios de comunicação trabalhem livremente.”

Perseguição ao site que faz oposição a Putin 

A história da perseguição tem quase 20 anos. Durante a primeira invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2014, a jornalista Galina Timchenko foi demitida do cargo de editora-chefe do principal site de notícias do país, o Lenta.ru, e substituída por um sucessor que não fazia oposição a Vladimir Putin como ela e sua equipe. 

Quase metade dos funcionários do Lenta.ru se demitiu em protesto. Timchenko e muitos de seus colegas fugiram para a Letônia e fundaram o Meduza para atender ao público de língua russa livre de censura. 

Em abril de 2021, o Meduza foi classificado como “agente estrangeiro”, medida adotada pelo governo de Vladimir Putin para repressão e censura de jornalistas e veículos de imprensa nos últimos anos.

No dia em que o jornalista russo Dmitry Muratov foi anunciado como vencedor do prêmio Nobel da Paz, em outubro daquele ano, o governo de Vladimir Putin anunciou mais um pacote de sanções à imprensa. 

Em março de 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o Meduza foi bloqueado na Rússia, assim como outros veículos de imprensa que se opuseram à guerra, mas continou operando a partir da Letônia. 

A designação de entidade indesejável decretada agora é um passo adiante na repressão, com consequências mais severas. Ela torna crime distribuir o conteúdo do meio de comunicação ou doar para ele de dentro ou de fora da Rússia, de acordo com o Mass Media Defense Center, um grupo russo que fornece assistência jurídica a jornalistas e meios de comunicação.

“É uma notícia muito ruim. Estamos de fato proibidos na Rússia”, disse o editor-chefe da Meduza, Ivan Kolpakov, ao CPJ, confirmando que a partir de agora, torna-se proibido não apenas dar entrevistas ou fazer comentários para reportagens do site, mas até mesmo publicar links para nossos artigos”.

“No entanto, estávamos esperando que isso acontecesse – e tentamos nos preparar, moralmente e organizacionalmente”, disse Kolpakov ao CPJ.

“O Meduza continuará seu trabalho. Quanto mais forte a pressão, mais forte é a nossa resistência.

“Nós tememos por aqueles que colaboraram com Meduza ao longo dos anos. Tememos por nossos entes queridos e amigos. Ainda assim, acreditamos no que fazemos.”

O site pode ser acessado via VPN a partir da Rússia mesmo estando bloqueado. Em um comunicado, o Meduza tentou tranquilizar o público afirmando que ler o site não é considerado crime, “mesmo no âmbito da atual legislação repressiva”, e explica como configurar a VPN para ter acesso ou usar o navegador Tor. 

De acordo com a diretora do Mass Media Defense Center, Galina Arapova, o objetivo das autoridades russas é “c criar dificuldades intransponíveis” para o trabalho de Meduza “para que as vozes dos jornalistas do veículo deixem de ser ouvidas e os leitores tenham medo de lê-lo”.

“Mas eu não acho que eles vão alcançar esse objetivo”, disse Arapova. “O Meduza é provavelmente a publicação russa independente mais forte e profissional, operando a partir de uma jurisdição diferente. Nenhuma rotulagem prejudicará sua reputação profissional já estabelecida.”

Em julho de 2021, o meio de investigação independente Proekt foi o primeiro meio russo a ser classificado como “indesejável”. Em 2022, as autoridades declararam três meios de investigação como indesejáveis: iStories, The Insider e Bellingcat.

“Todas os veículos de mídia classificados como indesejáveis não apenas sobreviveram, mas estão se desenvolvendo ativamente”, disse Arapova. “As suas equipes estão crescendo, o número de assinantes está aumentando. Isso significa que os métodos usados pelas autoridades para pressioná-las provaram ser ineficazes.”