Depois de fornecer orientações sobre como a mídia estatal deve noticiar a “operação especial” na Ucrânia, o governo da Rússia fez um novo manual com narrativas oficiais sobre a lei marcial declarada nos quatro territórios ucranianos anexados pelo Kremlin, demonstrando o alto grau de organização da operação de propaganda estatal. 

O novo documento, assim como os outros, foi obtido pelo site Meduza, um dos principais veículos russos independentes. A primeira das “recomendações” é “tranquilizar o público”, ou seja, a mídia estatal deve transmitir a mensagem de que “nada de significativo mudou” para os cidadãos que vivem nas regiões dominadas pelos russos.

Segundo o Meduza, o objetivo da propaganda do governo de Vladimir Putin é que a imprensa aliada ao governo trace um paralelo entre a vigência da lei marcial e o combate à covid-19 no território russo.

Mídia estatal da Rússia é obrigada a divulgar narrativa do governo

Putin assinou, no dia 19 de outubro, um decreto que introduz a lei marcial nas quatro regiões ucranianas que foram ilegalmente anexadas em setembro: Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk. A lei marcial “plena” é válida para os territórios e de forma “parcial” para o restante da Rússia. 

A medida, que também chegou a ser usada pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no início da guerra, é implementada em momentos de conflitos e crises de um país.

Assim que o decreto foi assinado, o Meduza descobriu que a mídia estatal e pró-governo recebeu um novo manual do Kremlin sobre como informar os russos sobre o decreto de Putin.

Em agosto, o site já tinha revelado que manuais semelhantes foram preparados pela Administração Presidencial (AP) e enviados a chefes da mídia estatal e pró-governo e a políticos da Rússia.

Os documentos recorrem a eventos históricos e teorias conspiratórias para justificar o conflito na Ucrânia e as críticas sobre atrocidades cometidas pelos soldados. 

O novo manual orienta os propagandistas a explicarem ao público que a lei marcial foi declarada “apenas em quatro territórios” (ou seja, nas regiões ucranianas anexadas), onde já foi introduzida antes de “unirem-se à Rússia”.

Além disso, a Administração Presidencial (AP) “aconselha” os veículos aliados a compararem a introdução da lei marcial e a experiência russa no combate à pandemia de coronavírus.

Afinal, assim como na crise sanitária, agora os governadores russos também receberam poderes adicionais e, no nível federal, o primeiro-ministro, Mikhail Mishustin, e o prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, estão envolvidos na coordenação dos “trabalhos” nas regiões ucranianas dominadas.

No texto elaborado e divulgado pela Administração Presidencial, é recomendado que se difunda a informação de que os funcionários estatais estarão engajados na “mobilização da indústria, orientação da economia para trabalhar sob as necessidades do exército e medidas de apoio aos soldados e suas famílias”.

Separadamente, no manual do Kremlin, é destacado que isso será acompanhado por uma “redução da burocracia”.

“A experiência de combate ao coronavírus é usada, quando tudo mudou rapidamente”, destacam os redatores do documento.

O site Meduza contextualiza que aliados do governo, além do próprio Putin, afirmam constantemente que a Rússia lidou com a pandemia de forma muito eficaz. 

Em 2021, o presidente russo chegou a declarar que, em comparação com o Ocidente, o sistema de saúde da Rússia estava “incomparavelmente” mais apto para responder à pandemia.

“Isso tem pouco a ver com a realidade”, destaca o veículo independente. “A Rússia falhou na campanha de vacinação (embora tenha sido capaz de produzir uma vacina muito cedo); ao mesmo tempo, as autoridades, por razões econômicas, recusaram-se a introduzir restrições severas que pudessem suavizar a maioria das ‘ondas’ da epidemia”, afirma o Meduza.

“Como resultado, segundo os cientistas, a taxa de mortalidade na Rússia por coronavírus acabou sendo uma das mais altas do mundo, tanto em termos absolutos (o excesso de mortalidade é de cerca de 1,2 milhão de pessoas) quanto per capita (mais de 800 por 100 mil pessoas).”