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Âncora francês é suspenso em escândalo de desinformação revelado por consórcio de mídia

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Jornalista francês Rachid M'Barki (Foto: Twitter)

Londres – Uma das estrelas da TV francesa, o jornalista Rachid M’Barki, foi suspenso ao ter seu nome envolvido em um esquema de manipulação da imprensa e de redes sociais revelado em uma investigação jornalística transnacional envolvendo profissionais de mais de 30 veículos de comunicação. 

Rachid M’Barki, que apresentava o Le Journal de la Nuit (Jornal da Noite) na BFM TV, uma das emissoras mais populares da França, é suspeito de ter transmitido reportagens encomendadas pelo esquema de desinformação “Team Jorge”, comandado a partir de Israel.

A notícia da suspensão foi revelada pelo jornal Politico. 

Coordenada pelo projeto de jornalismo investigativo Forbidden Stories, a reportagem “Story Killers” descobriu que uma empresa liderada por Tal Hanan, um ex-agente militar israelense que se apresenta como “Jorge”, vendia serviços de hacking e desinformação para clientes interessados em fazer operações de tráfico de influência por meio de manipulação da imprensa e disseminação de conteúdo em mídias sociais. 

Esquemas de produção de notícias falsas ou com viés de interesse para manipular a opinião pública são comuns nas redes. 

Em um deles, revelado recentemente pela Meta, a plataforma denunciou que os autores criavam sites simulando veículos de mídia reais, de forma que o conteúdo disseminado por contas falsas aparentava ter sido produzido por fontes confiáveis.

A diferença para o esquema Team Jorge é a transmissão das notícias de interesse de empresas ou grupos também por canais verdadeiros, como o francês, utilizando jornalistas da própria empresa jornalística. 

Para confirmar o esquema, repórteres se passaram por clientes e filmaram Tal Hanan explicando em detalhes os serviços de sua empresa. 

Demonstrando suas habilidades, ele exibiu um trecho de uma reportagem transmitida pela BFM TV em dezembro de 2022.

“A União Europeia anuncia um novo conjunto de sanções contra a Rússia”, dizia a matéria, acrescentando que as sanções “fazem os construtores de iates em Mônaco temerem o pior” e que “o congelamento de ativos dos oligarcas coloca seu setor em grandes dificuldades”. 

O texto – que segundo o consórcio estaria em desacordo com a linha editorial do canal – foi lido por M’Barki à meia-noite.

A Story Killers abordou o canal para pedir explicações. 

Ao ser confrontada, a BFMTV anunciou a suspensão do jornalista, que estava na emissora desde a sua criação, em 2005, abrindo uma investigação interna sobre “conteúdos transmitidos no Le journal de la nuit fora dos circuitos habituais de validação”. 

A empresa jornalista salienta que é vítima do caso, e promete “adotar todas as medidas necessárias, individuais, organizacionais, legais e judiciais, ao final da investigação interna “.

Entre as reportagens suspeitas estão sobre um fórum económico entre Marrocos e Espanha em Dakhla e outra sobre os empregos ameaçados na Côte d’Azur pelo desaparecimento de oligarcas russos após o início da guerra de Ucrânia.

Como funcionava o esquema de manipulação da imprensa 

A investigação sobre o esquema Team Jorge é a segunda do projeto Story Killers, liderado pela Forbidden Stories, uma organização sem fins lucrativos francesa dedicada a prosseguir com o trabalho de repórteres assassinados, ameaçados ou presos.

A investigação de oito meses foi inspirada em Gauri Lankesh, uma jornalista de 55 anos morta a tiros do lado de fora de sua casa em Bengaluru em 2017 quando finalizava o artigo “A Idade das Notícias Falsas”, comprovando a existência de “fábricas” de fake news na Índia. 

O consórcio Story Killers é formado por mais de 100 jornalistas de 30 meios de comunicação, incluindo Folha de S.Paulo, The Guardian, Haaretz, Le Monde, Radio France, Washington Post e El País.

A reportagem sobre o Team Jorge começa explicando o escândalo Cambridge Analytica, desvendado em 2018. Uma empresa britânica adquiriu os dados pessoais de quase 87 milhões de usuários do Facebook para influenciar eleitores em “escala industrial” a 60 nações. 

As operações de influência contribuíram para a eleição de Donald Trump e a votação favorável ao Brexit no Reino Unido.

Mas segundo a Story Killers, alguns envolvidos no esquema continuaram nas sombras, um deles o misterioso Jorge, que passou a ser investigado pelos jornalistas do consórcio. 

Em meados de 2022, um potencial cliente, apresentando-se como representante de um líder africano que pretendia adiar ou até cancelar uma eleição, encomendou uma operação a Jorge, via Zoom. O trabalho foi orçado em 6 milhões de euros. 

As conversas prosseguiram, com encontros virtuais e uma reunião presencial em dezembro no escritório de Jorge em Israel, em que o clipe da TV francesa foi apresentado. 

 M’Barki justificou a transmissão da notícia como “livre arbítrio editorial” e explicou que havia sido informado sobre o problema dos fabricantes franceses de iates por Jean-Pierre Duthion, um consultor de mídia e lobista conhecido como “mercenário da desinformação” 

Depois o jornalista admitiu que pode ter sido enganado, mas garante que não recebeu pagamento. A reportagem do consórcio sugere que jornalistas podem ganhar até 3 mil euros por uma reportagem encomendada por operações de influência. 

Essas operações vão além da manipulação da imprensa, envolvendo uma ampla gama de recursos tecnológicos, a exemplo do Cambridge Analytica, como explica a reportagem investigativa: 

Usando métodos duvidosos, o “consultor” israelense ainda usa esse mesmo pseudônimo e continua a vender seus serviços de influência e manipulação para o lance mais alto.

Suas ferramentas, no entanto, se adaptaram aos últimos desenvolvimentos tecnológicos: a inteligência artificial agora escreve postagens virais sob demanda e o hacking remoto de contas do Telegram enriqueceu seu catálogo de serviços.

Além das “capacidades” “tecnológicas” apresentadas por Jorge, ele explicou aos jornalistas disfarçados como “construir uma narrativa”, que depois poderia ser disseminada por meio de recursos como redes de bots para espalhar a desinformação. 

O Story Killlers revelou que Jorge vangloriou-se de ter usado tais táticas em “33 campanhas presidenciais, 27 das quais bem-sucedidas”, mas ressalta que a informação não foi confirmada, podendo ser apenas uma bravata para vender os serviços.

Jorge também explicou aos jornalistas infiltrados como poderia espalhar histórias usando um exército de avatares hospedados e executados em uma plataforma online, testada pelo Forbidden Stories.

Essa ferramenta, não pesquisável na web, é chamada de AIMS: “Advanced Impact Media Solutions”.

Ele deu como exemplo do uso desse recurso  a criação de um avatar bonito chamado Shannon Aiken, que “usou” uma conta da Amazon para encomendar brinquedos sexuais para a casa de um rival político de um de seus clientes, deixando a esposa do candidato rival acreditando que ele havia sido infiel. A história vazou e o candidato foi prejudicado. 

A versão mais recente da ferramenta AIMS, mostrada aos jornalistas infiltrados, também pode criar e disseminar conteúdos automatizados, como postagens, artigos, comentários ou tweets em qualquer idioma com um tom “positivo”, “negativo” ou “neutro”. 

Os jornalistas que fizeram a investigação tiveram contato com outros membros da rede comandada por Tal Hanan, que teria escritórios nos Estados Unidos, Suíça, Espanha, Croácia, Filipinas e Colômbia. 

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