Londres – Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford revelou que mais de 85% dos sites de grupos que propagam fake news e desinformação sobre saúde analisados realizam alguma tentativa de obter dinheiro de seus usuários, usando principalmente a raiva e a traição como argumentos para sensibilizar potenciais colaboradores.
As doações são a forma mais comum de monetização utilizada pelos grupos de desinformação, seguidas pelas vendas de informativos e de mercadorias.
A publicidade e as taxas de associação são menos comuns.
A pesquisa mostra que apesar dos esforços das plataformas de barrar as contas de mídias sociais desses grupos, o acesso à infraestrutura digital que lhes permite monetizar e realizar transferências de dinheiro por meio de seus sites é ainda mais importante para sua sobrevivência.
Para combater os grupos de desinformação, os pesquisadores sugerem sufocar suas fontes de arrecadação, mediante a conscientização de todo o ecossistema digital que lhes permite arrecadar fundos, como as plataformas de cobrança, empresas de cartão de crédito, plataformas de coleta de doações, lojas virtuais de vendas de produtos e até emissores de criptomoedas.
O Dr. Aliaksandr Herasimenka, líder dos pesquisadores do Oxford Internet Institute envolvidos no estudo, apela por uma ação imediata das empresas para evitar ou pelo menos dificultar que os sites de desinformação usem seus canais para receber recursos:
“A fim de impedir que a desinformação em saúde prospere, as empresas de infraestrutura digital precisam analisar como suas plataformas estão sendo usadas para a obtenção do financiamento que permite a disseminação e o amplo alcance de informações incorretas que podem prejudicar a saúde das pessoas.”
Pandemia alimentou desinformação e fake news em saúde
O estudo realizado por pesquisadores do Oxford Internet Institute analisou os 59 grupos de desinformação sobre saúde mais importantes da língua inglesa, considerando o público atingido e a escala de sua operação. Muitos deles são antivacina, popularizados depois da pandemia.
Os dados foram coletados entre 2020 e 2021 e sua análise feita ao longo de 2022, com suas conclusões publicadas em dezembro.
Os pesquisadores constataram que os 59 sites pesquisados usam estratégias de coleta de recursos financeiros e materiais copiados de três fontes de inspiração: dos movimentos sociais radicais, das celebridades digitais e dos veículos de comunicação sensacionalistas.
Tomando por base os movimentos sociais radicais, os grupos de desinformação se organizam como um movimento orientado a determinado problema e incentivam os usuários a se inscreverem em um esforço coletivo comum, incentivando-os a contribuir com dinheiro regularmente.
O estudo mostrou também semelhança em termos da intensidade das emoções de “raiva e traição que impulsionam a crescente conexão” e o aproveitamento das plataformas para espalhar a mensagem em larga escala.
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Como os influenciadores digitais, os grupos fazem campanhas usando testemunhos e seu próprio estilo de apresentação de conteúdo.
Na busca da atenção e da audiência, usam depoimentos de famosos ou seus próprios líderes agem como celebridades. No campo da saúde, a intimidade percebida é fundamental para a construção de conexões e faz com que seus integrantes pareçam mais confiáveis do que, por exemplo, as empresas farmacêuticas.
Alguns imitam o layout e estilo da imprensa sensacionalista, com sites que parecem veículos de notícias tradicionais, mas com conteúdo baseado em versões altamente distorcidas dos fatos, capazes de gerar audiência e engajamento nas pessoas já propensas a acreditar nelas.
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Das experiências bem-sucedidas de cada um deles, os grupos de desinformação adotaram cinco estratégias principais de monetização: o apelo para doações monetárias, a venda de produtos informativos (como livros), a venda de mercadorias (como suplementos), a receita de banners publicitários e as taxas de associação pagas por membros.
Além disso, alguns apontavam para sites vinculados, ligados ao tema ou para venda de produtos relacionados. Dos sites examinados, 51 deles(86,5%) apresentavam evidências de monetização ou tinham sites vinculados.
Doações são principal fonte de renda dos sites de fake news
Mais da metade dos sites de desinformação analisados monetizavam seu conteúdo por meio de doações.
Os sites apelavam por contribuições para apoiar indivíduos impactados negativamente por vacinas, para ajudar na distribuição de material educacional anti-vacinação, para financiar o movimento de medicina alternativa ou apenas para manter o site funcionando.
A maioria dos sites tinha vários métodos de aceitar doações. A mais comum era por meio do PayPal, que permite transferências fáceis entre indivíduos e organizações. Esse método era utilizado por 26 dos 34 sites analisados que apelavam para as doações.
Além disso, 17 sites aceitavam pagamentos com cartão de crédito. Onze aceitavam formas mais tradicionais de pagamento off-line, como cheques, transferências bancárias e ordens de pagamento. Três sites aceitavam criptomoedas, que muitas vezes são mais difíceis de rastrear do que outros tipos de transações.
Em menor escala, os sites anti-vacinação também usaram plataformas voltadas à arrecadação de doações, como o Amazon Smile, vinculada à Amazon, o Stock Donator, que permite que ações da Bolsa de Valores sejam doadas, e o MyChange, que arredonda as compras com cartão de crédito até o dólar mais próximo, para doar a diferença.
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Venda de produtos informativos ou de mercadorias
Mais de um terço dos sites que propagam fake news sobre saúde analisados ofereciam a venda de produtos informativos ou de entretenimento, como livros e filmes sobre tópicos antivacina. As vendas eram feitas pelos próprios sites ou por plataformas de terceiros, como a Amazon.
O estudo apresenta alguns dos títulos vendidos, como Vaccine Epidemic: How Corporate Greed, Biased Science, and Coercive Government Threaten Our Human Rights, Our Health, and Our Children e Medical Kidnapping eBook.
Além dos produtos de informação, quase um em cada três dos sites analisados na pesquisa sobre fake news e desinformação estava envolvido no comércio eletrônico através da venda de mercadorias ou outros produtos, como suplementos de saúde.
Um deles oferecia um produto chamado “Pure Body Strength”, anunciado como um tratamento para crianças que haviam sido vacinadas e depois desenvolveram problemas de saúde.
Publicidade e taxas de adesão
Só um quinto dos sites pesquisados exibiam banners publicitários, que permitem a monetização através da venda de espaço no site.
Os ganhos dependem de quantas pessoas clicam em um banner, bem como do número geral de visitantes da página da web. Alguns sites continham banners que promoviam livros e filmes anti-vacinação ou suplementos de saúde que supostamente podem ajudar a enfrentar os supostos impactos negativos da vacinação.
Um dos sites divulgava a tabela de preços de seu espaço publicitário, com valores que variavam de 59 a 239 dólares, o que incluiria ainda quatro postagens em suas redes sociais e um e-mail para o seu mailing.
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Dos sites analisados na pesquisa que mapeou o financiamento de sites de fake news sobre saúde, só um sexto procurava arrecadar fundos estabelecendo uma taxa de adesão. Como apelo, apresentavam a taxa como uma oportunidade de se tornar patrono de uma comunidade antivacinação, ajudando a sustentar a organização mantenedora do site. Alguns incluíam a possibilidade de acesso a conteúdo premium.
O grupo antivacina Physicians for Informed Consent é um dos exemplos citados no estudo de organização que usa a adesão de membros para mobilizar recursos. Sua missão declarada é informar as famílias para tomar decisões sobre vacinas. Em 2019, foi registrada como organização sem fins lucrativos nos EUA e relatou ganhos totais de US$ 165.188, que vieram de taxas de associação (US$ 46.100) e doações (US$ 119.088).
Empresas de infraestrutura digital são a chave contra a desinformação
O estudo ressalta que ao serem capazes de monetizar suas atividades e de operar comercialmente, os grupos de desinformação conseguem financiar e sustentar suas estratégias de comunicação, tornando-se assim capazes de espalhar mais desinformação. E que para quebrar o ciclo, é necessária a cooperação das empresas de infraestrutura digital:
“Plataformas como PayPal e Google não devem aceitar pagamentos de doações ou taxas de associação de entidades anti-vacinação conhecidas.A Amazon deve coibir a venda de produtos que são usados para disseminar desinformação sobre vacinas. Sites de crowdfunding não devem hospedar campanhas anti-vacinação. E as plataformas devem barrar a publicidade que ajude a financiá-los.”
O Oxford Internet Institute (OII) é um departamento de pesquisa e ensino da Universidade de Oxford, dedicado às ciências sociais da Internet. Criado em 2001, o instituto usa diversas disciplinas combinadas para entender como o comportamento individual e coletivo on-line influencia o mundo social, econômico e político.
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