O governo da Guatemala apertou o cerco contra o principal jornal independente do país, o El Periódico, cujo fundador e presidente, José Rubén Zamora, está preso desde julho de 2022 sob acusação de crimes financeiros.
Nesta terça-feira (1), o juiz criminal Jimmi Bremer manteve a prisão, abriu novo processo contra Zamora e ordenou investigações sobre jornalistas e articulistas do elPeriódico, apontados como suspeitos de obstrução de justiça e de realizar “campanhas de desinformação”.
Entre os citados estão Julia Corado, diretora do elPeriódico; os colunistas Edgar Gutiérrez e Gonzalo Marroquín, e jornalistas colaboradores (Rony Ríos, Alexander Valdez, Cristian Velix, Denis Aguilar e Gerson Ortiz).
Na quinta-feira (2), Zamóra completou sete meses na cadeia. Ele teve todos os pedidos de liberdade condicional negados. Na saída da última audiência, ele falou com serenidade sobre as acusações que enfrenta.
#AHORA Declaraciones del periodista José Rubén Zamora al salir de la audiencia donde fue ligado a proceso por el caso “Conspiración para la Obstrucción de la Justicia” | Vía @EBercian_PN
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— Emisoras Unidas (@EmisorasUnidas) February 28, 2023
Ela disse que os responsáveis por “encomendar” as matérias e as fontes de seu financiamento devem ser investigadas.
O caso está sendo acompanhado por entidades de liberdade de imprensa e noticiado na mídia internacional. Um protesto foi convocado para este sábado, em defesa da liberdade de expressão e de imprensa.
>> Convocan a una protesta de solidaridad con los periodistas a los cuales el juez Jimmi Bremer autorizó investigar a petición del @MPguatemala, para el sábado 4 de marzo frente a la CSJ a las 10 am. #NoNosCallaran #SinPrensaNoHayLibertad pic.twitter.com/4kwQ62JzzN
— 𝙟𝙤𝙨𝙚 𝙯𝙖𝙢𝙤𝙧𝙖 (@jczamora) March 1, 2023
Jornalista comanda jornal que denunciou corrupção na Guatemala
O elPeriódico foi fundado em 1996, depois de 36 anos de guerra civil do país centro-americano.
Como uma das principais publicações independentes do país, é reconhecido por desvendar abusos de direitos humanos pelos militares e corrupção de décadas no governo da Guatemala.
O jornal acusou o presidente Alejandro Giammattei e a procuradora-geral Consuelo Porras de corrupção e entrou na mira do governo.
José Rúben Zamora é um jornalista premiado, que já recebeu diversas homenagens por seu trabalho.
Em 1995, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas concedeu a ele o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, em reconhecimento ao combate à censura na Guatemala. Em 2000, foi nomeado um dos 50 heróis da liberdade de imprensa pelo Instituto Internacional de Imprensa.
Ele foi preso em casa no dia 29 de julho, acusado de supostos crimes de lavagem de dinheiro, chantagem e tráfico de influência. Sufocado, o el Periódico suspendeu as operações em 1º de dezembro e continua atualizando apenas a versão online.
Pouco antes, Zamora havia denunciado a fabricação de um processo contra ele.
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A Associação Interamericana de Imprensa (SIP) condenou a decisão judicial desta semana e exigiu a suspensão imediata do assédio judicial contra jornalistas e colaboradores do jornal guatemalteco.
O presidente da SIP, Michael Greenspon, diretor global de Licenciamento e Inovação de Impressão do The New York Times, disse:
“As características da acusação e as irregularidades que foram denunciadas para construir o caso Zamora suscitam preocupação de que outros processos sejam instaurados contra outros jornalistas que investigam e denunciam autoridades'”.
Em nota, a SIP afirma que as novas restrições aos jornalistas guatemaltecos violam os princípios de liberdade de imprensa expressos na Constituição e na Lei Nacional de Imprensa, que rege a resolução de conflitos entre autoridades, indivíduos e jornalistas.
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Entre os investigados está um ex-presidente da SIP, Gonzalo Marroquín, acusado obstrução da justiça.
Carlos Martinez de la Serna, diretor do Comitê de Proteção a Jornalistas, disse em nota que “o ataque das autoridades à equipe da publicação após a prisão de Zamora por acusações financeiras duvidosas é uma clara tentativa dos promotores de intimidar e assediar um veículo investigativo e jornalistas que trabalham incansavelmente para expor a corrupção.”
Em 2022, a Guatemala ficou entre os 10 países com pior índice de liberdade de imprensa na América Latina e no Caribe, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, ocupando o 122º no Global Press Freedom Index da instituição.
O indicador apresenta um panorama da pluralidade e independência da mídia e o quanto ela é segura e gratuita para jornalistas façam seu trabalho.
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Mario Recinos, presidente da Associação Guatemalteca de Jornalistas, disse que a nova perseguição configura uma “deterioração dos direitos”.
“A Constituição estabelece que a crítica a funcionários públicos não é um crime”, disse ele. “Também protege a liberdade de imprensa e de opinião.”
Ele disse que sua organização estava em alerta porque “isso é um reflexo do que acontece em países como a Nicarágua”.
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