Londres – Integrantes da família Chamorro, uma dinastia da mídia da Nicarágua proprietária do mais antigo jornal do país, desembarcaram nos EUA nesta quinta-feira em um voo que levou 222 presos por oposição a Daniel Ortega para o exílio.

Todos perderam a cidadania e não podem mais ocupar cargos públicos, por “traição à pátria”. 

Entre os libertados está Cristiana Chamorro, filha do fundador do jornal La Prensa, Pedro Joaquín Chamorro, assassinado pelo regime Somoza, e da ex-presidente da Nicarágua Violeta Barrios  de Chamorro.

A jornalista foi presa em 2021, quando liderava as intenções de voto para derrotar Ortega e assumir a presidência do país. 

O irmão dela, Pedro Joaquim Chamorro, também foi deportado, assim como Juan Lorenzo Holmann, que era editor do La Prensa e foi condenado em 2022 a nove anos de prisão sob acusação de lavagem de dinheiro.

O La Prensa, mais antigo e influente jornal do país, agora funciona a partir do exílio, depois de ter vários jornalistas presos e sua sede confiscada pelo governo Ortega. 

Outros jornalistas libertados foram Pedro Vásquez, Miguel Mora e Miguel Mendoza. Todos são jornalistas conhecidos pela oposição a Ortega e cujas prisões foram condenadas por organismos internacionais de direitos humanos e liberdade de imprensa. 

Deportados por Ortega perderam cidadania

A lista de presos deportados quinta-feira inclui  também ativistas, líderes políticos e acadêmicos, todos presos por contestarem o regime de Ortega, reeleito em 2021 para um quarto mandato. 

Mas a ida para os EUA não coloca fim às perseguições e está longe de ser uma anistia.

A sentença assinada pelo juiz Octavio Rothschuh, do Tribunal de Apelações de Manágua, determinou a deportação imediata e a proibição perpétua de exercerem cargos públicos ou de se candidatarem em eleições. 

Todos perderam a cidadania nicaraguense. Segundo um dos libertados, o empresário Juan Sebastián Chamorro, ex-candidato à presidência em 2021, os deportados só souberam da perda da cidadania durante o voo que os levava para os EUA. 

O motivo alegado foi a “prática de actos atentatórios da independência, soberania e autodeterminação do povo; incitação à violência, ao terrorismo e à desestabilização económica”, razão pela qual se tornaram “traidores da pátria”. 

Ortega negou em um pronunciamento em rede nacional que a anistia aos presos tenha sido fruto de um acordo com os EUA como parte de uma negociação para levantar as sanções sobre o país, afirmando que o governo nicaraguense apenas notificou a Casa Branca sobre a intenção de deportar os presos.

O  secretário de Estado do país, Antony Blinken, elogiou a libertação de presos políticos na Nicarágua, dizendo que isso poderia abrir caminho para o diálogo com o presidente Daniel Ortega, mas ressaltou os abusos dos direitos humanos praticados pelo governo nicaraguense. 

A libertação dos presos foi comemorada nos EUA. Uma manifestação de apoio aconteceu diante do consulado do país em Miami. 

Liberdade de imprensa na Nicarágua sob Ortega 

A liberdade de imprensa na Nicarágua foi gradualmente suprimida nos últimos anos, com o governo de Daniel Ortega exercendo cada vez mais controle sobre a mídia e limitando a capacidade dos jornalistas de fazerem reportagens livremente.

A Nicarágua está em 160º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 18o nações.

Na análise sobre o país, a RSF aponta que mesmo após a reeleição de Ortega, em novembro de 2021, para o quarto mandato consecutivo, o jornalismo “continua a enfrentar um pesadelo de censura, intimidação e ameaças”, com jornalistas submetidos a assédio, arbitrariedades, prisões e ameaças de morte, razão pela qual vários foram para o exílio.

Alguns que ficaram foram presos e condenados a penas longas, sob acusações não relacionadas ao seu trabalho jornalístico, um recurso usado por regimes autoritários em vários países. 

O governo da Nicarágua é acusado de assediar e intimidar jornalistas que fazem reportagens críticas sobre suas políticas, levando vários deles para a prisão. 

O governo também foi acusado de usar seu controle sobre as receitas de publicidade para influenciar os meios de comunicação e restringir a independência da imprensa.

Um relatório divulgado pelo projeto Voces del Sur, que reúne organizações da sociedade civil da América Latina, revelou a gravidade do cenário enfrentado pela mídia no país em junho de 2022, quando o novo mandato completou seis meses.

“Graves violações foram registradas no período, incluindo a remoção de canais católicos da TV a cabo do país e perseguição a um jornalista da emissora privada Canal 10, impedido de registrar imagens de um acidente de trânsito”, diz o documento.