Londres – O filme sobre o envenenamento do principal líder de oposição a Vladimir Putin, Alexei Navalny, honrou as previsões de favoritismo e levou a estatueta de melhor documentário longa-metragem no Oscar 2023.
Mas o Kremlin não viu e não gostou. Conversando com jornalistas nesta segunda-feira (13), o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, disse:
“Não posso julgar a qualidade deste documentário porque não o assisti. Seria ilógico dizer qualquer coisa. Embora não tenha visto, ouso supor que há um certo elemento de politização do tema. Hollywood não foge às vezes da politização de seu trabalho, acontece”.
Peskov reiterou que não podia falar sobre mérito cinematográfico do filme “por não o conhecer”.
No entanto, o outro lado da guerra tampouco ficou feliz com a premiação, embora Alexei Navalny, que cumpre pena na Sibéria, tenha se declarado contra a invasão e seja um inimigo de Vladimir Putin.
Mikhail Podolyak, assessor do chefe do gabinete do presidente da Ucrânia, tuitou:
“Se o Oscar está fora da política, como podemos entender o documentário-manifesto Navalny, no qual a política doméstica russa transborda?
Se Oscar está fora do contexto da guerra na Ucrânia e do genocídio em massa dos ucranianos, então por que falar constantemente sobre humanismo e justiça?”
Якщо #Оскар поза політикою, як тоді розуміти документальний маніфест «Навальний», у якому внутрішньоросійська політика ллється через край?
Якщо «Оскар» поза контекстом війни в Україні та масового геноциду українців, навіщо тоді постійно говорити про гуманізм і справедливість?— Михайло Подоляк (@Podolyak_M) March 13, 2023
Do lado ucraniano, o raro momento em que Rússia e Ucrânia compartilharam o mesmo ponto de vista sobre alguma coisa pode ser uma mágoa pelo fato de que pelo segundo ano consecutivo, a Academia de Hollywood rejeitou um pedido para que Volodymyr Zelensky falasse na cerimônia de premiação, como ele fez em outros grandes eventos e festivais culturais no último ano.
Quem ganhou espaço na noite máxima do cinema foi a mulher de Navalny, Yulia Navalnaya. Ela subiu ao palco junto com o diretor, Daniel Roher a equipe responsável pelo documentário, e fez um pronunciamento emocionado, com os filhos às lágrimas ao fundo:
“Meu marido está na prisão apenas por dizer a verdade. Meu marido está preso só por defender a democracia.
Alexey, sonho com o dia em que você será livre. E nosso país será livre. Seja forte, meu amor.”
"Alexei, the world has not forgotten your vital message to us all: We cannot, we must not be afraid to oppose dictators and authoritarianism wherever it rears its head."
“Navalny” wins the Academy Award for Best Documentary Feature Film.#Oscarshttps://t.co/OizA2V1EIT pic.twitter.com/XKW3M1wJjR
— ABC News (@ABC) March 13, 2023
No palco estava também Christo Grozev, o jornalista investigativo do site Bellingcat responsável pela investigação documentada no filme.
Em fevereiro, ele foi impedido de participar da cerimônia do BAFTA pelo serviço secreto britânico, que temia pela segurança do evento, e havia dúvidas sobre se estaria no Oscar.
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O envenenamento de Navalny
Advogado de formação, o principal líder de oposição a Vladimir Putin é reconhecido no mundo por sua luta contra a corrupção, e recebeu vários prêmios. Ele tinha 6 milhões de seguidores no Twitter.
Em agosto de 2020, Navalny foi envenenado com o agente químico Novichok e hospitalizado em estado grave na cidade russa de Omsk. Depois foi levado para a Alemanha, onde se recuperou.
Em janeiro de 2021 o político voltou para a Rússia e foi preso, assim como ativistas e jornalistas que o aguardavam no aeroporto. A prisão gerou protestos no país.
Ele cumpre uma sentença de nove anos de prisão por acusações que foram amplamente vistas como politicamente motivadas. Tem sido mantido em confinamento solitário por pequenas transgressões e perdeu muito peso.
‘ Navalny ‘, premiado com o Oscar
O documentário conta que quando o líder da oposição russa acordou da tentativa de envenenamento que quase tirou sua vida, foi informado de que havia sido alvo do agente Novichok.
Sua resposta, de acordo com o documentário, foi: “Que ***! Isso é tão estúpido!”.
Ele achava que seria mais fácil mandar atirar em um inimigo, pois isso não deixaria rastros fáceis de serem associados ao regime Putin.
O Kremlin sempre negou estar por trás do envenenamento do homem que esperava um dia derrubar Vladimir Putin.
Mas como Navalny aponta no documentário, usar um veneno perigoso e quase impossível de adquirir “limita bastante o campo de possíveis suspeitos”.
O filme aprofunda o ataque a Navalny, investigando os agentes secretos russos que os cineastas e Grozev da Bellingcat dizem estar por trás do ataque.
No Brasil, o documentário Navalny está está disponível no HBO Max.
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