Londres – Embora representem quase 50% dos jornalistas brasileiros, as mulheres ocupam o principal cargo de chefia em apenas 13% das principais redações. É o segundo pior cenário dos analisados pelo Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em doze países, à frente apenas do México e empatado com o Quênia. 

Considerando a soma dos 12 países, as mulheres representam 40% do total de jornalistas e lideram 22% das principais redações, de acordo com a pesquisa da instituição baseada na Universidade de Oxford. Os homens têm a maioria dos cargos editoriais de liderança em todos os países analisados.

A liderança editorial é importante tanto para o equilíbrio de oportunidades de gênero nas redações como na forma como o jornalismo praticado reflete os problemas, as injustiças e a diversidade da sociedade. A analogia com o ‘teto de cristal’ é usada para representar a ideia de que as mulheres enxergam as oportunidades de crescimento, mas esbarram em uma barreira invisível. 

A importância da ascensão das mulheres à chefia das redações

A pesquisa deste ano do Instituto Reuters, divulgada no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, destaca que “a sub-representação das mulheres na liderança das redações faz com que suas vozes permaneçam silenciadas em uma indústria global ainda dominada por homens”. 

Entre as consequências dessa sub-representação, a pesquisa ressalta as conclusões de três estudos, realizados no Brasil, na África do Sul e na Coreia do Sul.

O estudo brasileiro ressalta que as mulheres jornalistas que enfrentam hostilidades atribuem a frequente falta de apoio das redações onde trabalham, em parte, à estrutura liderada por homens.

Na África do Sul, a pesquisa local descreve como o domínio masculino dificulta a entrada e a progressão das mulheres na carreira jornalística.  Na Coreia do Sul, o estudo demonstrou que uma cultura de redação dominantemente masculina é uma das razões pelas quais as mulheres jornalistas deixam a profissão.

O retrato atual da liderança das mulheres nas redações globais

Os dados foram coletados pelo Instituto Reuters em fevereiro de 2023 considerando os dez veículos de maior audiência offline (TV, rádio e impressos) e online de doze países (Quênia e África do Sul na África; Hong Kong, Japão e Coreia do Sul na Ásia; Finlândia, Alemanha, Espanha e Reino Unido na Europa e México, EUA e Brasil nas Américas). 

Apenas 22% dos 180 principais editores que lideram os 240 veículos de imprensa analisados são mulheres, apesar de elas representarem 40% dos jornalistas dos 12 mercados. A liderança das mulheres nas redações não progrediu: em 2022, esse percentual era de 21%.

Nos 12 mercados analisados, a liderança editorial é claramente masculina. O menor predomínio dos homens (56%) ocorre nos Estados Unidos, onde se verifica o maior índice de liderança de mulheres nas redações (44%) dentre todos os países analisados.

O país com menor liderança editorial feminina é o México (5%), onde apenas um dos 20 veículos analisados é liderado por uma mulher.

O Brasil, que ocupava a última colocação no ano passado com 7% de cargos de liderança das redações nas mãos de mulheres, dobrou essa participação para 13%, mas isso só foi suficiente para garantir a penúltima colocação do ranking.

Mesmo nos países com melhor performance no Índice de Desigualdade de Gênero das Nações Unidas, a representação das mulheres na liderança editorial dos veículos é menor do que sua participação no mercado. Isso acontece em 11 dos 12 mercados analisados.

Só nos Estados Unidos as mulheres têm um percentual de liderança editorial maior do que sua participação no mercado jornalístico. O Brasil tem a segunda pior relação nesse quesito, ganhando apenas do México.

Menos da metade dos entrevistados (48%) disseram acessar notícias por pelo menos um veículo liderado por uma mulher dentre os 20 analisados em seu país. Esse percentual tem permanecido estável desde o início da pesquisa, feita anualmente desde 2020 (quando esse percentual foi de 49% nos dez mercados analisados na época)

O Brasil tem o segundo menor índice de leitores (27%) que acessam notícias por pelo menos um veículo liderado por uma mulher. Esse percentual só é maior que o do México (18%).

A evolução da liderança das mulheres na chefia nos últimos quatro anos

Em comparação com os últimos anos, metade dos mercados analisados tem visto uma parcela crescente de mulheres entre os principais editores, mas na outra metade tem se observado declínios, particularmente na África do Sul.

A melhor representação das mulheres na chefia das redações se verifica nos Estados Unidos (44%), mesmo com a queda em relação ao índice de 50% do ano passado, que os pesquisadores consideram que pode ter sido afetado pela variação de marcas analisadas de um ano para o outro.

Apesar do declínio no índice, os Estados Unidos se mantiveram como o único país no qual o percentual de liderança feminina nas redações é maior do que o percentual de jornalistas mulheres nas redações.

O maior salto entre os países analisados ocorreu na Finlândia, que dobrou a participação das mulheres na liderança das redações, garantindo ao país o segundo lugar no ranking, um ponto à frente do Reino Unido.

A maior queda ocorreu na África do Sul, onde a participação das mulheres na chefia de veículos de imprensa caiu pela metade, aumentando o predomínio masculino na chefia, apesar de ser o país com o maior percentual de mulheres trabalhando nas redações entre os países analisados.

Outro país que diminuiu pela metade a participação das mulheres na liderança das redações foi o México, que passou a ocupar a última colocação do ranking, com apenas um dos vinte principais veículos de notícias do país comandado por uma mulher.

O Brasil, que ocupava a última colocação no ano passado, dobrou a participação das mulheres na chefia das principais redações, mas isso só foi suficiente para garantir a penúltima colocação do ranking.

É certo que o Brasil aparece empatado com o Quênia, mas o percentual brasileiro representa menos do que o queniano, em virtude de as mulheres representarem quase 50% das redações brasileiras, enquanto as quenianas representam pouco mais de 40% na imprensa local.

 

A liderança das mulheres em relação à sua participação nas redações

O gráfico que compara os percentuais de liderança de mulheres nas principais redações em relação à sua participação no mercado traz uma visão mais precisa da situação de cada país analisado.

Com os Estados Unidos à parte, por ser o único país com maior índice de liderança do que participação, destacam-se também o Japão e o Reino Unido (com percentuais de liderança feminina próximos ao da participação de mulheres no mercado).

Num segundo grupo aparecem Finlândia, Hong Kong, Coreia do Sul, Alemanha e Espanha, com uma representação das mulheres na liderança editorial numa faixa que varia de 50 a 65% de sua participação no mercado jornalístico.

África do Sul e Quênia aparecem em seguida com percentual de liderança equivalente à terça parte de suas participações nas redações. O Brasil vem em penúltimo com um índice de liderança equivalente a um quarto da participação, à frente apenas do México.

Cenário não melhora mesmo nos países com melhor performance no Índice de Desigualdade da ONU

O estudo comparou também os percentuais de mulheres nas principais posições editoriais com a performance de cada país no Índice de Desigualdade de Gênero da ONU (à exceção de Hong Kong, que não figura nesse ranking).

A conclusão foi a de que boas posições no ranking da ONU não significam por si só mais mulheres nos cargos de liderança editorial.

São os casos, por exemplo, de Espanha e Coreia do Sul, que embora estejam entre os três dos doze países analisados com melhor situação geral de igualdade de gênero na avaliação das Nações Unidas, figuram entre os seis de pior representação de mulheres na liderança das principais redações.

Na parte de baixo do ranking de igualdade de gênero da ONU dentre os doze países avaliados pelo estudo, Quênia, Brasil e México apresentam os três piores percentuais de mulheres na liderança das principais redações.

Por outro lado, a África do Sul, que tem o segundo pior índice da ONU entre os doze países analisados, aparece com o sexto maior percentual de mulheres líderes das principais redações.

Diante dessa falta de correlação entre a situação geral da igualdade de gênero dos países e a presença das mulheres na liderança editorial, o estudo sugere que a composição de gênero no topo das organizações de notícias esteja mais ligada à dinâmica interna do jornalismo e da indústria de mídia do que a fatores estruturais mais amplos de cada sociedade.

Usuários que acessam notícias de pelo menos um grande veículo liderado por mulher

O percentual global de usuários que acessaram notícias online de pelo menos um grande veículo liderado por uma mulher continua sendo menor do que a metade do total de entrevistados.

Em 2023, a média em todos os doze mercados analisados foi de 48%. O percentual vem se mantendo estável desde o início da pesquisa. Em 2020, esse índice foi de 49% nos dez países avaliados.

O Brasil apresentou no estudo deste ano o segundo menor percentual de usuários (27%) que acessam notícias de pelo menos um grande meio de comunicação cujo principal editor é uma mulher, entre os 20 veículos analisados no país. Somente o México, com um índice de 18%, tem um percentual menor.

O índice brasileiro aumentou três pontos em relação ao ano passado, mas ainda assim ficou 10 pontos atrás do antepenúltimo colocado, o Reino Unido, onde 37% dos usuários acessam notícias de pelo menos um veículo com uma jornalista mulher na chefia. 

Os países com maior percentual de usuários que se informam por pelo menos um veículo liderado por uma mulher são Quênia (72%), Finlândia (71%) e Hong Kong (66%).

O maior salto entre 2023 e 2022 foi dado pelo Japão, onde o percentual dos usuários que se informam por pelo menos um veículo comandado por mulher decuplicou, passando de 5% para 50%. A maior queda aconteceu na África do Sul, onde o índice despencou de 80% para 59%.

Estudo não vê tendência de melhora na liderança das mulheres

Diante dos resultados obtidos desde 2020, os pesquisadores não veem uma tendência geral clara para uma maior igualdade de gênero nas principais posições editoriais no curto prazo.

Como fator mais preocupante, os pesquisadores ressaltam nas conclusões do estudo que uma pesquisa do ano passado demonstrou que 79% dos líderes da indústria de notícias avaliam que sua organização está fazendo um “bom trabalho” quando se trata de diversidade de gênero.

Essa mesma pesquisa citada descobriu que apenas 39% das organizações tinham um orçamento dedicado para promover a diversidade em suas redações.

O fato de a mídia de notícias priorizar seus recursos escassos para outras questões que consideram mais urgentes é um dos fatores apontados pelos pesquisadores para a dificuldade de mudar a tendência de sub-representação das mulheres na liderança das principais redações, que vem sendo verificada nos últimos quatro anos:

“Sem dados, sem dinheiro e sem um compromisso real de tomar decisões difíceis, será difícil mudar”, alertam.

O estudo, intitulado “Mulheres e liderança na mídia 2023” é de autoria de Kirsten Eddy, Amy Ross Argumenta, Mitali Mukherjee e Rasmus Kleis Nielsen.