Londres – O Parlamento Europeu aprovou nesta quinta-feira uma resolução condenando a repressão “sistemática do regime da Bielorrússia contra seu povo e as vozes dissidentes”, incluindo jornalistas independentes. 

O país governado com mão de ferro por Aleksander Lukashenko, que figura entre os piores do mundo em rankings de liberdade de imprensa e de expressão, intensificou nos últimos dias as perseguições à imprensa, em meio a uma nova onda de repressão geral. 

Segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ), pelo menos 10 profissionais foram detidos desde 10 de março, dos quais cinco permanecem sob custódia, e uma redação foi invadida por agentes oficiais. 

Defensores dos direitos humanos afirmam que as prisões – incluindo jornalistas e também ativistas, profissionais de saúde e de pessoas que operam drones, supostamente usados para atacar aeronaves russas – passam de 100. 

“A nova onda de buscas e detenções na Bielorrússia é uma indicação clara de que a repressão do país à mídia continua inabalável”, disse Gulnoza Said, coordenador do CPJ para a Europa e Ásia Central.  

“As autoridades devem encerrar imediatamente sua campanha de terror contra jornalistas e devem garantir que nenhum membro da imprensa seja preso por seu trabalho.”

A crise de liberdade de expressão e de imprensa no país europeu se agravou a partir agosto de 2020, quando Lukashenko, aliado de Vladimir Putin, foi reeleito em um pleito suspeito de fraude. 

Protestos tomaram conta das ruas, e a repressão à imprensa se intensificou na Bielorrúsia. Vários jornalistas foram presos, veículos independentes fecharam as portas, associações de jornalistas foram extintas e a rede de TV Euronews foi banida.

As condenações de profissionais de imprensa e de figuras importantes da sociedade se sucedem. Os casos mais recentes foram o do ativista pró-democracia Ales Bialitsk, detentor do Nobel da Paz, sentenciado a 10 anos de prisão, e do jornalista Andrzej Poczobut, que recebeu pena de oito anos.

Svetlana Tikhanovskaya, que concorreu com Lukashenko e teria vencido as eleições fraudadas, foi condenada à revelia há uma semana a 15 anos de prisão por alta traição e conspiração. Ela está exilada. 

A nova onda de repressão na Bielorrússia 

Em um comunicado sobre a nova onda de perseguições, o Comitê de Proteção a Jornalistas destacou casos relatados pela mídia local, pela Associação Bielorrussa de Jornalistas (que agora opera a partir do exílio) e pela organização de direitos humanos Viasna, que incluem confissões forçadas até detenção de parentes de jornalistas. 

Foi o caso de Dmitriy Bayarovich, que trabalhou no canal estatal CTV até 2021. Na terça-feira (14) ele foi detido na capital bielorrussa, Minsk. Sua casa foi revistada e a esposa foi detida.

As autoridades não divulgaram o motivo da detenção, disse um representante da Viasna ao CPJ sob condição de anonimato, alegando medo de represálias. 

Outro caso destacado pelo CPJ foi o de Valery Yudin, fotojornalista freelancer e fundador da revista Tvoi Gorod Hrodna. Ele foi detido em 10 de março na cidade de Hrodna, segundo a Associação Bielorrussa de Jornalistas (BAJ, na sigla em inglês). 

No dia seguinte, um canal pró-governo do Telegram publicou um vídeo de “confissão” mostrando Yudin algemado dizendo que foi detido por suas conexões com o Plan Peramoha, uma rede pró-oposição que as autoridades rotularam de “extremista” em maio de 2021.

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Ele estaria sendo mantido em um centro de detenção temporária até a noite de quinta-feira, de acordo com as fontes.

Também em 10 de março, as autoridades da cidade de Homel, no sudeste do país, revistaram a casa de Anatoly Hatovchyts, repórter do jornal independente Narodnaya Volya, segundo a BAJ.

As autoridades disseram que a busca estava ligada à explosão de uma aeronave de vigilância militar russa na região de Minsk no final de fevereiro, disse um representante do BAJ ao CPJ sob condição de anonimato, alegando medo de represálias.

Esse representante disse que Hatovchyts não estava ligado à explosão e descreveu o ataque como “uma desculpa para pressionar um jornalista mais uma vez”, prática comum na repressão praticada pela Bielorrússia nos últimos três anos. 

Hatovchyts chefiou uma filial regional da BAJ por mais de 20 anos, de acordo com relatos da mídia local.

Na quarta-feira, policiais na cidade central de Slutsk revistaram o escritório do jornal independente local Infa-Kurjer e detiveram quatro de seus jornalistas, de acordo com o próprio veículo e a Associação de Jornalistas. As autoridades apreenderam equipamentos técnicos e obrigaram todas as pessoas presentes a assinar acordos de confidencialidade.

Dois dos jornalistas detidos foram libertados após a assinatura de tais acordos, disse o representante do BAJ ao CPJ, acrescentando que preferiram não ter seus nomes divulgados.

No entanto, o editor-chefe Syarhei Stankevich e o vice-editor Aleh Rubchen foram condenados a três dias de detenção por supostamente desobedecerem à polícia.

Também na quarta-feira, as autoridades detiveram Alyaksandr Mantsevich, editor-chefe do jornal regional independente Regyonalnaya Gazeta, depois de revistar sua casa em Vileyka, na região de Minsk.

As autoridades não divulgaram o motivo da prisão de Mantsevich e ele permanecia detido até quinta-feira, disse o representante de Viasna ao CPJ. Em janeiro de 2022, as autoridades declararam que o site da Regyonalnaya Gazeta e o canal do Telegram apresentavam conteúdo extremista.

Yudin, Bayarovich, Stankevich, Rubchen e Mantsevich seguiam detidos até quinta-feira. O CPJ disse estar investigando para determinar as acusações exatas contra cada jornalista.

O Parlamento Europeu pediu esta semana à Uefa, órgão regulador do futebol europeu, a exclusão da Bielorrússia das eliminatórias da Euro 2024. 

História de repressão 

A ousadia da repressão a jornalistas por parte da Bielorrúsia sob Lukashenko não se restringe às fronteiras do país. 

Em 2020, logo que os protestos começaram, o canal de Telegram Nexta se tornou o principal meio de informação independente, mobilizando a população a ir às ruas e documentando as manifestações. 

Um de seus fundadores, Roman Protasevich, foi preso junto com a namorada de forma espetacular, a bordo de um voo entre a Grécia e a Lituânia obrigado por agentes policiais a fazer um pouso forçado em Mink. 

O julgamento só começou em fevereiro deste ano, e ele se declarou culpado das acusações. A namorada, Sofia Sapega, de nacionalidade russa, foi condenada a seis anos de prisão.

Na quarta-feira (14), o nome dela foi incluído em uma lista de “terroristas” divulgada pelo governo da Bielorrússia. 

O país fechou o ano de 2022 listado entre os principais carcereiros de jornalistas do mundo. Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, 26 profissionais estavam atrás das grades quando o censo foi fechado, 19 a mais do que em 2021.