Londres – A sabatina no Congresso americano a que será submetido nesta quinta-feira (23) o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, para responder sobre privacidade dos dados diante do Comitê de Energia e Comércio, não é novidade para líderes de plataformas digitais como Mark Zuckerberg (Meta) e Sundar Pichai (YouTube) – mas pode ter um desfecho diferente pelo contexto geopolítico e por interesses comerciais.
Em um vídeo publicado em sua conta na plataforma, o CEO procura apoio popular. Ele afirma que o movimento para banir o TikTok, que tem 7 mil funcionários no país, tiraria o aplicativo de 150 milhões de americanos, e de 5 milhões de empresas que o utilizam.
Embora o TikTok tenha despertado preocupações por problemas como desinformação e os desafios que causaram acidentes e mortes, assim como o Instagram de Zuckerberg, o que aumenta as pressões sobre ele é o fato de ser uma empresa chinesa, enquanto as demais plataformas são americanas.
Em 2021, o Instagram parecia amaldiçoado, depois do vazamento de apresentações internas admitindo efeitos prejudiciais para jovens, mas não houve movimentos nos EUA para acabar com a empresa ou mandar Zuckerberg vendê-la, como é o caso atual do TikTok.
Segundo o Wall Street Journal, a Casa Branca teria sugerido que a ByteDance vendesse o TikTok como condição para acabar com a pressão. O cerco começou com Donald Trump, em 2020, quando emitiu uma ordem proibindo empresas americanas de negociarem com a ByteDance.
O TikTok paga o preço de seu crescimento. Ele vinha quietinho, ganhando seguidores mas sem ser levado muito a sério com seus vídeos de dancinhas, até tornar-se o site mais acessado do mundo em 2021, batendo o Google.
Aí a situação começou a mudar, com mais escrutínio e sem as proteções que empresas ocidentais tendem a ter por parte de seus governos, sob o argumento de que a China poderia acessar dados de usuários e até disseminar propaganda sem ser importunada.
Privacidade no centro do debate sobre o TikTok
Chew, de 40 anos, natural de Singapura e ex-executivo do banco Goldman Sachs, divulgou uma nota há dois dias antecipando o que pretende dizer aos congressistas: que a rede social nunca compartilhou e nunca compartilhará dados de usuários dos EUA com o governo chinês.
Ele já tinha tentado se explicar em uma carta enviada em julho do ano passado, mas a convocação seguiu em frente.
No comunicado enviado na época aos senadores, o CEO admitiu que pessoas na China poderiam ver os dados, mas negou que isso acontecesse com representantes do governo.
“Funcionários fora dos EUA, incluindo funcionários baseados na China, podem ter acesso aos dados de usuários do TikTok nos EUA, mas sujeitos a uma série de controles robustos de segurança cibernética e de protocolos de aprovação de autorização supervisionados por nossa equipe de segurança sediada nos EUA.”
Como não convenceu, nos EUA e em outros países o TikTok vem sendo banido de telefones de parlamentos e governos.
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Na nota divulgada há dois dias, o executivo enfatizou que a empresa-mãe do TikTok, a ByteDance, não pertence e nem é controlada por nenhum governo ou entidade estatal.
“Deixe-me afirmar isso de forma inequívoca: a ByteDance não é um agente da China ou de qualquer outro país”.
O vídeo postado no TikTok tem um tom entusiasmado, apesar da crise que a rede social enfrenta. Vestido de maneira informal, condizente com o perfil da maioria da audiência do TikTok, o CEO diz que está em Washignton para a sabatina. Ele destaca o alcance da rede social, e pede que usuários compartilhem o que pensam sobre o risco de banimento.
@tiktokOur CEO, Shou Chew, shares a special message on behalf of the entire TikTok team to thank our community of 150 million Americans ahead of his congressional hearing later this week.♬ original sound – TikTok
Não é bem o que acham os congressistas, embora o governo americano não tenha apresentado evidências de que Partido Comunista da China tenha acesso aos dados.
Ao anunciar a audiência desta quinta-feira, a republicana Cathy McMorris Rodgers afirmou que o TikTok “permitiu conscientemente ao Partido Comunista Chinês a capacidade de acessar dados de usuários americanos”.
No estilo “não ouvi e não gostei”, vários congressistas têm se manifestado a favor de apertar o cerco contra o TikTok antes de sabatinarem Shou Zi Chew.
O senador Mark Wener, do estado da Virginia, é um dos que defende uma legislação sobre o TikTok sob o argumento de proteção da segurança nacional.
Even in a divided Congress, I am committed to and actively working towards getting things done. We have a real bipartisan consensus here. Let’s pass the RESTRICT Act to protect our national security.https://t.co/WYJ5wD1mkN
— Mark Warner (@MarkWarner) March 22, 2023
Funcionários do TikTok espionaram jornalistas
Apesar das defesas da plataforma, alguns fatos deixam o TikTok vulnerável perante seus críticos. Em dezembro do ano passado, a empresa anunciou a demissão de pelo menos quatro funcionários da ByteDance por uso do aplicativo para tentar rastrear fontes dos jornalistas do BuzzFeed e do Financial Times.
O caso resultou no desligamento de um auditor baseado nos EUA, que liderou a operação, e de um gestor na China, que renunciou ao cargo.
Diante dos riscos reais, o TikTok se mexe. Segundo o Washington Post, a empresa investiu US$ 1,5 bilhão e deve gastar mais US$ 700 milhões em uma reestruturação destinada a dar ao governo americano um nível de supervisão sobre suas operações inédito no setor de plataformas digitais.
O jornal explicou que as operações do TikTok nos EUA seriam assumidas por uma subsidiária, conhecida como TikTok US Data Security, cujos líderes seriam aprovados pelo governo dos EUA e cujos dados de usuários dos EUA seriam monitorados de perto e protegidos por firewall.
Ainda assim, a tendência é de que o TikTok não seja tratado da mesma forma como seus concorrentes Meta, Google e Twitter no Congresso.
Todos foram sabatinados pela casa legislativa em 2021, logo após a invasão do Capitólio, ameaçados com legislações rigorosas, mas pouco aconteceu desde então.
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Com o TikTok, em meio às tensões entre a China e o Ocidente que vão da política à guerras comerciais, a história pode ser diferente.
Acadêmicos, think tanks e analistas políticos enxergam a suposta independência do TikTok em relação ao Partido Comunista chinês com reservas, sobretudo os que se alinham à direita política.
Em entrevista ao Washington Post, Klon Kitchen, do American Enterprise Institute, argumentou que a promessa do TikTok é uma “cortina de fumaça” sem sentido e que apenas um desinvestimento completo da propriedade chinesa pode resolver as preocupações.
“Eles não precisam ser atores malévolos, eles simplesmente precisam ser complacentes”, disse Kitchen. “E para as empresas chinesas, ou você está em conformidade ou está fora do mercado.”
A venda da plataforma para uma empresa americana, que segundo reportagens da mídia não contestadas, seria o desejo da Casa Branca, enquadraria o caso na esfera de uma guerra comercial. As pressões teriam o objetivo de passar o grande negócio em que virou o TikTok – a ponto de até o gigante Facebook supostamente ter tentado derrubá-lo – para o controle de mãos domésticas.
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Biden e o TikTok, sem preocupação com privacidade
O curioso é que o governo americano parecia há até pouco tempo entusiasmado com o potencial de atingir eleitores jovens via TikTok, sem preocupação com os riscos de privacidade ou de aproximação com uma empresa da China.
Há um ano, o presidente Joe Biden abriu as portas da Casa Branca para uma “entrevista coletiva” com TikTokers, demonstrando a importância que a rede assumiu.
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No jornalismo, o TikTok também virou o queridinho da vez das organizações de mídia, que o usam para tentar reverter o êxodo de leitores e espectadores jovens.
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Apesar de existir jornalismo no TikTok, a desinformação é outro flanco aberto na rede social chinesa. Mas esse problema não está sendo tratado como uma das prioridades pelo Congresso.
O foco é a propriedade chinesa como ameaça. Críticos alegam que a China pode usar a rede social para disseminar propaganda.
O próprio TikTok desmontou uma rede de desinformação operada pela Rússia.
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Shou Zi Chew, que começou a carreira como estagiário do Facebook e assumiu a liderança do TikTok em 2021, tem uma missão diante do Congresso americano: evitar danos maiores para a plataforma que dirige.
Já seria uma grande vitória, pois é difícil imaginar que ele conseguiria reverter totalmente a onda contra a ByteDance pelas acusações de riscos à privacidade e segurança nacional, um tema muito sensível para os americanos em geral.
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