Londres – Um projeto de lei em tramitação no legislativo da Flórida (EUA) está preocupando organizações que defendem a liberdade de imprensa, por anular os atuais dispositivos legais que protegem os jornalistas e veículos contra processos movidos por pessoas alvo de reportagens negativas e denúncias. 

O estado é governado pelo conservador Ron De Santis, ex-aliado de Donald Trump e potencial candidato à presidência do país. Em sua administração, a Flórida aprovou uma lei impedindo as plataformas digitais de removerem conteúdo postado por ocupantes de cargos políticos ou candidatos, que acabou revogada. 

O projeto de lei HB 991, apresentado pelo parlamentar conservador Alex Andrade em janeiro,  dispõe sobre difamação e publicação do que for entendido como falso a respeito de uma pessoa pública. A proposta já foi aprovada pelo Comitê de Justiça Civil e está agora nas mãos do Comitê Judiciário. 

De Santis tem conseguido aprovar leis restritivas no estado, como a polêmica “Don’t Say Gay”, o que indica a possibilidade de que o projeto criminalizando jornalistas seja aprovado.

Além do foco sobre a imprensa tradicional, o político apoia outros projetos de lei voltados para as plataformas digitais, alguns vistos com reservas pelo risco de violarem a liberdade de expressão.

Em fevereiro, ele apresentou o projeto de uma Declaração de Direitos Digitais, destinada a evitar “conversas privadas sem vigilância pelas Big Techs, censura injusta, manipulação de algoritmos, controle de dados pessoais e danos a crianças”. 

Lei da Flórida pode mudar jurisprudência 

De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF),  se aprovado, o projeto de lei HB 991 anularia a legislação atual que protege a mídia em seu papel de exercer supervisão sobre os poderes constituídos e denunciar más práticas ou crimes.

Além de criminalizar e prever multas pesadas aos jornalistas, o projeto de lei também reclassifica qualquer fonte anônima citada em uma publicação como “presumivelmente falsa” para fins de processos por difamação, impedindo os jornalistas de protegerem a identidade de fontes. 

A RSF afirma que a aprovação do projeto de lei pelo legislativo da Flórida resultaria na revisão da questão pela atual Suprema Corte, de tendência conservadora, gerando temores de uma possível revogação da decisão de 1964 no caso histórico  New York Times x Sullivan.

A decisão histórica New York Times x Sullivan fez com que qualquer figura pública que desejasse processar um jornalista por difamação tivesse que mostrar claramente que as declarações foram feitas conscientemente ou com “malícia real”. “Isso permite que os jornalistas investiguem e critiquem figuras públicas sem medo de penalidades financeiras”, salienta a RSF.

“Esta lei da Flórida teria um efeito inibidor sobre todos os tipos de reportagens e inevitavelmente levaria autoridades e  funcionários públicos a escaparem do tipo de responsabilidade de que a democracia depende”, disse Clayton Weimers, diretor da organização para os EUA. 

“A RSF pede aos legisladores da Flórida que votem contra esse projetos de lei [,,,]. Além disso, pedimos ao governador DeSantis que pare com seus ataques verbais à mídia, pois ela é um elemento fundamental para a democracia dos EUA.”, disse. 

Para a organização, o projeto de lei se alinha com a guerra que o governador da Flórida, Ron DeSantis, trava com a mídia.

DeSantis pediu explicitamente que a decisão da New York Times v. Sullivan fosse anulada. De acordo com o governador republicano e outros críticos, a decisão permite que a “grande mídia liberal” ataque os conservadores sem prestar contas. 

DeSantis fala repetidamente sobre o assunto, até mesmo criando um painel sobre “difamação”, em fevereiro.”

De Santis, Trump e a mídia 

É provável que o governador DeSantis concorra à indicação republicana para presidente em 2024, desafiando o ex-presidente Donald Trump. Ambos têm procurado ativamente silenciar as vozes críticas na mídia, observa a RSF. 

“Durante sua presidência, Trump perguntou o que poderia ser feito para punir profissionais de imprensa por fazerem seu trabalho. De acordo com o New York Times , Trump abordou o tema da prisão de jornalistas que publicaram informações classificadas com o então diretor do FBI, James Comey, em 2017.”

O então presidente tuitou contra jornalistas pelo menos uma vez por dia durante seu mandato, contribuindo para o descrédito de parte da população na imprensa.

Os Estados Unidos estão classificados em 42º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2022 da RSF .

A entidade destaca que as condições de liberdade de imprensa nos EUA se deterioraram rapidamente durante o governo Trump.

Em 2020, o quarto ano do presidente Trump no cargo, um número recorde de jornalistas foi preso, além de 856 outros tipos de agressões cometidas contra jornalistas – a maioria das quais foram ataques físicos deliberados e não provocados a repórteres claramente identificados.

E os últimos dias do governo Trump foram marcados por um ataque armado ao Congresso americano, no qual cinco pessoas foram mortas.

Manifestantes danificaram dezenas de milhares de dólares em equipamentos de mídia de propriedade da Associated Press, quebraram câmeras enquanto gritavam “ CNN é uma m* ” e rabiscaram as palavras “Murder The Media” em portas dentro do Capitólio.

Nos últimos meses, dois jornalistas foram assassinados nos EUA. 

Em setembro de 2022, o repórter investigativo Jeff German, foi esfaqueado diante de sua casa, em Las Vegas. O administrador público do condado de Clark , Robert Telles, alvo de uma série de reportagens investigativas feitas pelo jornalista, foi preso como suspeito do crime. 

Em janeiro, Dylan Lyons TV Spectrum News 13, foi morto em Orlando, Flórida enquanto fazia a cobertura de um caso de assassinato.