Claudia Wallin

Apesar das notáveis credenciais como uma das líderes globais nos rankings da igualdade de gênero, a Suécia ainda precisa fazer mais para provar que os homens “não são mais iguais” do que as mulheres – especialmente em termos da representatividade feminina na mídia.

Tanto na Suécia como nos demais países nórdicos, estudos apontam que avanços têm sido feitos no sentido de promover uma maior paridade de vozes masculinas e femininas na mídia. Mas o caminho ainda é árduo.

O conteúdo dos noticiários continua a ser uma arena dominada por homens. As mulheres ainda são sub-representadas na cobertura diária, assim como nas posições de liderança das empresas de comunicação. Entre as fontes especializadas consultadas pela mídia, os homens permanecem sendo a maioria.

Igualdade de gênero na mídia gradualmente revertida na Suécia 

Estereótipos de gênero, sobre papéis atribuídos a homens e mulheres na sociedade, subsistem. E a relativa invisibilidade das mulheres na mídia tradicional se repete na mídia digital. 

Há, no entanto, algumas boas notícias que apontam para uma possível reversão gradual do quadro. 

Na Suécia, as mulheres ocupam cada vez mais espaços na mídia: pela primeira vez em vinte anos, o percentual de mulheres vistas e ouvidas na cobertura dos noticiários de jornais, TV e rádio atingiu 38% – contra  a média de 30% registrada nas duas últimas décadas.

Também no noticiário online houve uma elevação da representatividade feminina, para 34%.

Trata-se de um índice significativamente superior à média global de 25%, calculada pelo estudo realizado em 2021 pela Universidade de Gotemburgo, em parceria com o instituto sueco de mídia Fojo.

Por outro lado, permanece significativamente baixa a representação feminina entre as fontes consultadas pela mídia: quatro de cada cinco especialistas de diversos setores entrevistados por jornalistas são homens. E as mulheres representam apenas 31% dos personagens dos noticiários políticos. 

“O conteúdo jornalístico ainda é dominado pelos homens. A ausência persistente de vozes e experiências femininas no debate público é, de fato, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável e à democracia”, diz Maria Edström, professora do Departamento de Jornalismo, Mídia e Comunicação da Universidade de Gotemburgo e coordenadora do estudo. 

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Maria Edström, professora da Universidade de Gotemburgo – Foto – LinkedIn

A pesquisa sueca envolveu também um cruzamento de dados do Global Media Monitoring Project (GMMP) 2020 e do relatório da International Women’s Media Foundation.

“A persistência de estereótipos negativos de gênero, mesmo nos  igualitários e progressistas países escandinavos, é um obstáculo para a meta de atingir a igualdade de gênero”, acrescenta ela. 

O resultado do estudo evidencia não apenas a sobrerrepresentação masculina no noticiário, mas também que homens e mulheres são representados de maneira estereotipada. 

Por exemplo, as mulheres são mais frequentemente identificadas a partir de seu status familiar, e ganham espaço mais preponderante nas áreas de saúde e ciências.

Já os homens aparecem geralmente no papel de especialistas, representando assim uma voz  de maior autoridade.

Uma jornalista ouvida na pesquisa falou sobre a necessidade de se investigar mais a fundo a forma como mulheres e homens são retratados na mídia:

“A tendência é: homens têm poder, mulheres têm problemas”, resumiu ela.

Para Maria Edström, cabe às lideranças das redações adotar estratégias específicas para mudar este quadro.

“Do contrário, não haverá avanços”.

Magdalena Anderson: “trator” da política sueca teve que suavizar imagem antes das eleições

Um dos grandes debates sobre a representação feminina na mídia sueca aconteceu em 2021, quando foi eleita a primeira chefe de Governo do país, a social-democrata Magdalena Andersson. 

A Suécia vivia um paradoxo: apesar de liderar o ranking dos países com maior igualdade de gênero da Europa, nunca havia tido uma mulher à frente do governo desde a criação do cargo de premiê, em 1876.

E acabou sendo a última nação nórdica a ter uma mulher no posto – cem anos após a introdução do voto universal no país.

Mas em vez de ser norteado pela discussão das credenciais políticas de Andersson, o debate na mídia foi pautado por suas características pessoais. Magdalena era chamada pelo jornal Aftonbladet de ‘rabugenta, irritadiça e sem graça’.

Gênero afetou debate sucessório 

“É incrível que as qualificações de Andersson não tenham sido realçadas no debate sucessório. Ela era a candidata mais qualificada”, diz Romina Pourmokhtari, atual ministra sueca do Meio Ambiente e integrante do Partido Liberal. 

“E isso não tem a ver com o seu  gênero, e sim com sua capacidade técnica para ocupar o posto. Apesar disso, ela foi criticada na mídia pela ausência de características que nunca são exigidas dos homens, como charme e simpatia”, conclui. 

“Não foi a primeira vez”, ressalta Romina

“Anna Kinberg Batra (ex-líder do conservador Partido Moderado), de acordo com seus muitos críticos, deveria ser mais leve, brincar e fazer piadas. Nyamko Sabuni (ex-líder do Partido Liberal) foi criticada por ser durona”, enumera ela.

Magdalena Andersson era desde 2014 a ministra das Finanças. Ela é mestre pelo Instituto de Economia de Estocolmo, e tem especializações em Harvard e no Instituto de Estudos Avançados de Viena. 

Magdalena Anderson, ex-primeira-ministra da Suécia - Foto Frankie Fouganthin representação feminina na política igualdade de gênero Suécia
Magdalena Anderson, ex-primeira-ministra da Suécia – Foto Frankie Fouganthin / Wikimedia Commons

“Mas no final, toda a discussão se deu em torno do mote ‘é hora de termos uma mulher como chefe de governo?’”, lembra  Romina.

No partido, Magdalena Andersson tem o apelido de “Trator”, por seu estilo franco e direto. 

No processo que a conduziu ao cargo de primeira-ministra diante da renúncia de Stefan Löfven, no entanto, foi notória a mudança diante das câmeras: a política aguerrida, de olhar forte e penetrante, tornou-se mais suave, palatável, com um sorriso quase perene estampado no rosto.

Com a eleição consumada, multiplicaram-se na mídia perfis de Magdalena Andersson mostrando como ela equilibrava a carreira política com a vida familiar e os cuidados com os dois filhos. O que não costuma ser o caso quando se trata de políticos homens.

Mulher não pode sorrir e ser bem humorada?

“Como mulher, não se vai muito longe na política sendo bem-humorada e sorrindo. Quando comecei, recebi um ótimo conselho de uma veterana: ‘Vão pedir que você sorria e seja bem-humorada. Não faça isso – ou você será dominada’”, conta Pourmokhtari.

É célebre, na antologia política sueca, a frase dita na década de 90 pela política Mona Sahlin a um oponente em um debate eleitoral: “Não tente se esconder debaixo das minhas saias, porque elas são muito curtas”.

“Como vivemos sob críticas preconceituosas de que somos ‘sentimentalóides’ demais e menos competentes, precisamos ousar e realçar características que demonstram o oposto”, sublinha a ministra.

“Não sou movida por emoções; sou racional e forte o suficiente para dar conta de meu trabalho.

Não estou aqui para sorrir e encantar as pessoas com charme; estou aqui porque sou competente”.

Certa vez, ela própria ouviu que não seria adequada para o posto de líder partidária por ser considerada dura, e por não abraçar as pessoas.

“O problema é que o papel de um líder partidário não é abraçar ou ser bonzinho. Na condição de ter que representar seus eleitores e enfrentar opositores, uma mulher firme, que dá um aperto de mão em vez de abraçar, faz um trabalho melhor do que uma líder partidária ‘fofa’ e boazinha”, avalia a ministra.

Magdalena Andersson governou a Suécia até outubro passado, quando foi derrotada nas eleições gerais pela coalizão de centro-direita liderada pelo Partido Moderado. Ela permanece no posto de líder do Partido Social-Democrata.

Assim como os demais países nórdicos, a Suécia tem alta representação feminina na política. 

Até 2022, seis dos oito partidos políticos representados no Parlamento eram liderados por mulheres. Hoje são quatro. E as suecas ainda sofrem cobranças desproporcionais – inclusive da mídia.

“Exige-se sempre mais das mulheres do que dos homens. E elas continuam a ser retratadas na mídia de forma estereotipada”, conclui Pourmokhtari.  


Este artigo faz parte do Especial MediaTalks sobre representação de gênero na mídia