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‘Luta é pela Rússia que queremos ver’, diz mulher do colunista do Washington Post condenado por traição

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Londres – A sentença mais severa a um acusado de traição na Rússia desde a invasão da Ucrânia foi aplicada nesta segunda-feira (17) a Vladimir Kara-Murza, de 41 anos, preso em abril de 2022 após criticar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma entrevista para a CNN

Aos 41 anos, Kara-Murza deixou o jornalismo para se dedicar à política, mas continuou escrevendo para o jornal Washington Post como colunista convidado. 

Evgenia, sua mulher, disse em um a conferência realizada pelo Washington Post que é uma mulher de sorte por ser casada com alguém de quem não precisa se envergonhar,  e que se orgulha do exemplo dado pelo marido aos filhos. 

Ele tem passaporte russo e britânico, o que motivou o governo do Reino Unido a convocar nesta segunda-feira (17) o embaixador russo em Londres, Andrey Kelin, para “deixar claro que o país considera a condenação de Kara-Murza contrária às obrigações internacionais da Rússia em matéria de direitos humanos, incluindo a direito a um julgamento justo”.

Acusado de traição, Kara-Murza se opôs à guerra Rússia x Ucrânia

Jornalista, ativistas de direitos humanos e político de oposição, Vladimir Kara-Murza escreveu dezenas de colunas para a seção de Opiniões Globais do Washington Post criticando o regime de Putin nos últimos anos.

Ele é reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho, tendo recebido prêmios como o Vaclav Havel de Direitos Humanos.

Sua coragem em enfrentar o regime de Putin foi punida com duas tentativas de envenenamento em 2015 e 2017, levando-o a ficar em coma. 

A condenação a 25 anos de prisão foi por espalhar “informações intencionalmente falsas” sobre as forças armadas russas; envolvimento com uma organização “indesejável”; e traição.

“Kara-Murza foi acusado de alta traição por causa de três discursos críticos às autoridades russas em eventos públicos em Lisboa, Helsinque e Washington”, disse o advogado do jornalista, Vadim Prokhorov na época da prisão.

“Esses discursos não traziam nenhuma ameaça ao país, eram críticas públicas e abertas”, completou.

Críticas a Moscou 

Mesmo na mira do governo russo, o jornalista não cessou suas críticas. Em março, dias após a invasão russa à Ucrânia, Kara-Murza discursou na Câmara dos Deputados do Arizona.

Aos parlamentares, ele acusou as forças russas de lançarem bombas de fragmentação em áreas residenciais na Ucrânia e realizar ataques aéreos em maternidades, hospitais e escolas.

“Estes são crimes de guerra que estão sendo cometidos pelo regime ditatorial no Kremlin contra uma nação no meio da Europa”, afirmou, na ocasião.

Ao retornar para Moscou, ele continuou denunciando na imprensa ocidental os crimes cometidos pelas tropas russas na Ucrânia.

A prisão do jornalista aconteceu no mesmo dia em que foi exibida uma entrevista na CNN na qual ele chamou o atual governo da Rússia de “um regime de assassinos” e previu a queda de Putin por causa da invasão ao território vizinho.

Inicialmente, ele foi acusado de divulgar fake news, crime que prevê penas de até 15 anos a jornalistas e cidadãos pela divulgação de informações não-oficiais sobre a “operação especial” que acontece na Ucrânia. A invasão não pode ser chamada de “guerra”. 

Mas em seguida a acusação mudou para crime “alta traição” contra o governo da Rússia. 

Segundo as autoridades, o russo prestou assistência a organizações de países membros da OTAN por muitos anos, colocando em risco a segurança do país, em troca de US$ 30 mil por mês.

Mesmo da prisão, o jornalista conseguiu enviar textos para Washington Post. 

Em um deles, descreveu sua prisão como uma espécie de “distintivo de honra” usado por nomes ilustres de opositores russos antes dele, como o dissidente Vladimir Bukovsky.

Washington Post entrevistou esposa e advogado depois da sentença

O jornal Washington Post manteve o caso de Vladimir Kara-Murza em evidência durante todo o tempo.

Nesta segunda-feira, o jornal  fez uma conferência online ao vivo liderada pelo editor, Fred Ryan, com a participação da mulher do colunista condenado, Evgenia, e de seu advogado de defesa, Vadim Prokhorov. 

Ryan salientou a importância de defender a liberdade de imprensa diante da condenação de Kara-Murza por traição e da prisão de Evan Gershkovich, do Wall Street Journal, por espionagem. 

Evgenia disse que a sentença de um quarto de século é um reconhecimento pela coragem, coerência e honestidade, acrescentando que estava orgulhosa do marido e que continuaria ao lado dele. 

“Tenho muita sorte de compartilhar minha vida com alguém de quem nunca preciso me envergonhar, com alguém de quem sempre me orgulho, alguém que admiro profundamente e respeito profundamente, alguém que está servindo como o melhor exemplo para nossos filhos.”

Ela afirmou que a luta do marido é “pela Rússia que todos queremos ver”. 

“Uma Rússia onde os direitos humanos são respeitados, uma Rússia onde o governo não persegue seus próprios cidadãos por se oporem à narrativa oficial, um país que não representa uma ameaça para seus vizinhos mais próximos e para o mundo em geral.

Uma Rússia livre, uma Rússia democrática, uma Rússia onde nossos filhos possam viver sabendo que não há risco para suas vidas ou para a vida de seus pais – para a vida de seus pais.”

Vadim Prokhorov destacou as irregularidades no processo. 

“Foi iniciado de forma absolutamente ilegal, investigado de forma absolutamente ilegal. As audiências no tribunal foram absolutamente ilegais também porque foram realizadas a portas fechadas.

É absolutamente ilegal, mesmo para os casos de acusação de traição de estado na Rússia, porque na verdade não havia nenhum documento secreto, nada.”

Vladimir Kara-Murza sofre de polineuropatia devido aos envenenamentos, e seu estado de saúde piorou, segundo o advogado. 

Evgenia disse ainda que segundo dados da ONG de direitos humanos OVD-Info, mais de 20 mil  pessoas foram detidas em todo o país em pelo menos 78 regiões. Existem mais de 500 processos criminais contra pessoas por protestarem contra a guerra.

São milhares, mais de 10 mil processos, processos administrativos instaurados contra manifestantes. “E na Rússia, um processo administrativo muitas vezes é apenas um passo antes de a autoridade iniciar um processo criminal contra você”, acrescentou. 

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