Londres – No ano da guerra na Ucrânia, a iniciativa de jornalismo investigativo internacional Organized Crime and Corruption Project (OCCRP) elegeu o oligarca russo Yevgeny Prigozhin, fundador do grupo Wagner, como “Pessoa do Ano “por seus esforços incansáveis ​​para estender o alcance vicioso e corrupto da Rússia, roubar para Vladimir Putin e punir aqueles que resistem”.

Prigozhin, que se notabilizou por negócios no setor de alimentação e chegou a ser apelidado de “o chef de Putin”, é um dos mais próximos aliados do presidente russo, mas sua maior contribuição ao regime está longe das panelas: em 2014, criou a organização de recrutamento de mercenários que virou um braço fundamental para as ações repressivas e para a guerra da Ucrânia. 

Citando autoridades do governo britânico, uma reportagem da BBC informou há uma semana que o número de combatentes do Wagner no conflito com o país vizinho subiu de 1 mil para quase 20 mil, sinalizando a dependência da Rússia para sustentar a invasão.

A escolha da Pessoa do Ano pelo OCCPR é feita por um painel de jurados que inclui jornalistas investigativos, ativistas anticorrupção e acadêmicos. O presidente Jair Bolsonaro foi o eleito em 2020, e Vladimir Putin em 2014. 

Em 2021, outro aliado próximo de Putin, o presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukashenko, foi escolhido como Pessoa do Ano pelo projeto jornalístico dedicado a revelar corrupção por meio de reportagens investigativas transnacionais.

Desta vez, a indicação de Pessoa do Ano foi para o homem que o projeto aponta como “o avatar mais visível de tudo o que há de mais sombrio em sua pátria.”

Na avaliação do OCCPR, Prigozhin é o responsável por “algumas das batalhas mais ferozes do Kremlin,  travadas por um exército privado sem lei, com suas fileiras engrossadas por criminosos condenados”. 

“Em sua fusão de dinheiro desonesto e violência brutal, seu cinismo desdenhoso e sua impunidade até mesmo diante da lei russa, ele personifica a malevolência da corrupção patrocinada pelo Estado de uma forma que poucos podem igualar.”

Wagner, o apoio da Rússia de Putin na Ucrânia 

Yevgeny Prigozhin, que cumpriu pena por roubo quando jovem, fez sucesso na Rússia dando seus primeiros passos no capitalismo na década de 1990 com um restaurante e um serviço de bufê que conquistou contratos do governo. Ele ficou rico e recebeu o apelido “chef de Putin” por fornecer alimentação para eventos governamentais.

Mas segundo o OCCPR, a reputação do empresário começou a tomar um rumo mais sinistro em meados da década de 2010, quando seus esquemas adquiriram uma dimensão geopolítica: 

“Sua chamada “Agência de Pesquisa da Internet”, que empregava trolls baratos para espalhar desinformação e propaganda, tornou-se famosa por suas tentativas de interferir na política dos EUA.

A partir dali,  Prigozhin deixou de ser apenas mais um homem que enriquecera sob o regime de Putin. Ele havia se tornado um de seus instrumentos. E em pouco tempo, seu exército consistia em mais do que apenas trolls.”

O projeto de jornalismo investigativo descreve o Grupo Wagner, supostamente uma “empresa militar privada”, como uma organização paramilitar apoiada pelas forças armadas russas, criada após o ataque inicial da Rússia à Ucrânia em 2014.

O OCCOR afirma que os combatentes participaram da ocupação ilegal da Crimeia e de batalhas sangrentas no leste do país.

Mas o papel inicial de Prigozhin no Wagner é obscuro. 

“Em uma versão, ele foi recrutado para o papel de patrono e financiador de Wagner por comandantes militares que o compensaram com lucrativos contratos de defesa.

Em outra, apresentada pelo próprio Prigozhin depois de anos negando qualquer conexão com o Wagner, ele teria sido o fundador original.”

Em setembro passado, a assessoria de imprensa da empresa de catering Concord, de propriedade de Prigozhin respondeu a um pedido de comentários de um site de notícias russo sobre a ligação do empresário com o Wagner. 

“Eu mesmo limpei as armas velhas, arrumei os coletes à prova de balas e encontrei especialistas que poderiam me ajudar nisso. A partir desse momento, em 1º de maio de 2014, nasceu um grupo de patriotas, que mais tarde passou a se chamar Batalhão Wagner ”, disse Prigozhin.

“Tenho orgulho de poder defender o direito deles de proteger os interesses de seu país”, afirmou ele no comunicado.

Verdade ou não, o que é certo, de acordo com o projeto de jornalismo anticorrupção, nos anos seguintes, os combatentes de Wagner se tornaram famosos “pelo rastro de sangue que deixaram em zonas de conflito em todo o mundo”.

“Em sua defesa brutal do regime de Assad na Síria, os mercenários de Prigozhin consolidaram sua reputação como executores sombrios de Putin, realizando missões que o exército russo não realizaria abertamente – ou não poderá realizar de forma alguma.”

“Prigozhin é um soldado da corrupção”, diz o editor e cofundador do OCCRP, Drew Sullivan.

“Ele luta e mata para instalar a corrupção. O Wagner nada mais é do que um grupo do crime organizado sancionado pelo governo russo”.

Mas a  linha entre o Wagner e o Estado russo pode ser difícil de traçar, como admite o OCCRP. O grupo teria ligações com a agência de inteligência militar da Rússia, GRU, e muitas de suas missões atendem aos interesses do Kremlin.

Outras atribuições, como fornecer segurança para regimes ditatoriais na República Centro-Africana e no Sudão, parecem mais ligadas a objetivos financeiros, especialmente considerando que as atividades do grupo geralmente envolvem o controle de minas de ouro e diamantes. O Departamento de Tesouro dos EUA acusou o Wagner de “atuar como disfarce” para os interesses de Prigozhin em mineração.

A atuação do grupo Wagner na Ucrânia 

Além do bombardeio indiscriminado de bairros residenciais, os combatentes de Wagner foram acusados ​​de executar civis perto de Kiev nos primeiros dias da guerra. 

O grupo também “não se esquivou de usar sua crueldade contra a sua própria gente”, como salienta o OCCPR:

“Prigozhin apareceu em uma série de vídeos em prisões russas, exortando os condenados a ganhar sua liberdade lutando pelo Wagner.

Mas especialistas dizem que esses recrutas muitas vezes acabam como buchas de canhão – e aqueles que se recusam a lutar podem ter um fim terrível.”

O projeto de jornalismo investigativo cita declarações de um ex-comandante do Wagner, que relatou a execução de dez homens que se recusaram a lutar.

“Em um caso, um prisioneiro recrutado pelo grupo Wagner correu para as linhas ucranianas antes de cair de volta às mãos do grupo em uma troca de prisioneiros.

Pouco tempo depois, um vídeo de sua execução horrível – com uma marreta na cabeça – apareceu em canais russos no Telegram.”

A resposta de Prigozhin, diz o OCCPR, foi zombar da própria ideia de responsabilidade, com uma de suas empresas divulgando uma declaração que elogiava a qualidade da produção do vídeo e quase se gabava do assassinato: “A morte de um cachorro por um cachorro”, dizia.

Para o projeto, atuação do líder do grupo Wagner sem respeitar o Estado de Direito aponta para o surgimento de um novo tipo de agente corrupto.

“Muitas das “pessoas do ano” anteriores do OCCRP eram líderes de nações – o homem forte bielorrusso Alexander Lukashenko foi a escolha do ano passado, e os vencedores anteriores incluíram o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte e o líder venezuelano Nicolas Maduro – mas Prigozhin nunca ocupou nenhum tipo de cargo oficial.”

“Prigozhin representa um novo tipo de vencedor”, disse Louise Shelley, uma das juradas deste ano do Pessoa do Ano do OCCPR e especialista em fluxos financeiros ilícitos da George Mason University.

“Não um líder nacional, mas um indivíduo corrupto capaz de instigar o terrorismo e violações dos direitos humanos em diversos conflitos ao redor do mundo.”